segunda-feira, setembro 29, 2025

A Fênix que renasce aos pouquinhos

Nem sempre as coisas correm como planeadas. Esta é uma das incontestáveis verdades da vida. Ou, pelo menos, deveria ser.

Vamos jantar ao nosso restaurante favorito, pedimos lombo com batatas assadas no forno e, em vez disso, servem-nos bifanas de búfalo com mostarda, ou pior, com molho de leitão; o horror.

Vamos a um "blind date" (um "encontro cego" para aqueles que não sabem suomi) e aparece um "deaf date" (muito chato, caro leitor, eu não sei linguagem gestual);

Vamos a um cocktail bar, queremos recitar uma passagem da Bíblia para impressionar os amigos e, de repente, por razões que a própria Razão desconhece, dá-nos para recitar J. L. Borges ou Danielle Steel (uma espécie de Tourette literário); 

Ou então, vamos fazer amor incondicional com a mulher dos nossos sonhos e começamos a pensar naquele talão de desconto do Minipreço cuja validade termina no dia seguinte - eu não sei quanto a vocês, mas a libido fica logo ali encravada.

Isto para dizer o quê, caro leitor? Onde é que quero chegar com estes exemplos tão concretos da vida real?

Se a vida nos parece absurda e até cruel, há, no fundo, alguma sabedoria subjacente nessa dinâmica, uma lição a aprender. Por mais que nos esforcemos, a nossa Fênix não renasce numa magnífica apoteose espontânea. Alias, não deve haver esforço. Se lhe aconteceu a si, querido leitor, considere-se bafejado pela Fortuna. 

Temos de ser pacientes e um pouco patetas e deixar a nossa Fênix renascer aos pouquinhos, a seu tempo.


sábado, setembro 27, 2025

Gabrielle

Tem alturas e profundezas que tenho vários ciclones dentro de mim. 

A Terra, o nosso planeta, a nossa casa, sente esses ciclones, esses tufões, esses furacões. Não os suprime, não os abafa, não reprime. Eventualmente, e de acordo com a ordem natural das coisas, eles dissipam-se por si.

Tenho (temos?) muito a aprender com a mãe Terra. 

(Sim, isto nunca foi um texto sobre o "tempo").

sexta-feira, setembro 26, 2025

Medos

 


 

 

 

 

 

 


 

Um amigo de um amigo de um amigo disse-me que tem dias que é assolado por medos muito bizarros e extraordinários. Esse amigo do amigo do amigo é muito aberto e não tem pudor algum em revelar estas pitadas de "inconsciente consciente" e tem até algum orgulho em ser o detentor de tantos medos e dúvidas infundadas. Alguns perdem a validade muito cedo, outros duram mais tempo - como o mel ou o Keith Richards dos Stones.

Mas chega de conversa fiada!
Eu sei que o leitor deseja saber ardentemente quais são estes medos deste sujeito intrigante. Pois aqui vão alguns:

- Medo que o coração deixe de bater.

- Medo de deixar de respirar.

- Medo de ficar louco (ele acha que este medo é exclusivo, mas está tão enganado)

- Medo de ser capaz de voar e não arriscar 

- Medo de achar que poderá não existir nesta dimensão em que nos encontramos.

- Medo de ver fantasmas e pinguins em Portugal 

- Medo de escrever "etc".

- Etc. 

Querem saber o que é que eu acho realmente?

O amigo do amigo do amigo não nos revelou, mas creio que o maior medo que este sujeito intrigante possui é este:

- Medo de amar e ser amado.

É um medo legítimo. É um medo muito humano e que nos une de certa forma. 

 

 

 

 

 

 

 

 

  

quinta-feira, setembro 25, 2025

Processo inverso

Os pensamentos que correm selvagens, os pensamentos que invadem a mente. 

Proponho-vos isto: o que é que eles - os pensamentos selvagens - pensam de mim (ou de nós se quiserem fazer esse exercício comigo)? Como é que eles, os pensamentos, me vêem? 

Então é isso: vamos proceder ao contrário. Não vamos olhar para os pensamentos; vamos pôr antes os pensamentos a olharem para o Eu, fazendo perguntas. Com alguma lassidão. Com um prazer, digamos, tíbio, morno. 

Poderá soar um pouco estranho isto, caros leitores, mas fiquem aí, vai valer a pena: 

- Quem é este sujeito ao qual gostamos de lançar o nosso charme, as nossas loucas amarras?  

- Quem é este homem tão atraente, tão másculo, às vezes tão cheio de si como um pavão, mas às vezes tão doce e frágil como uma pombinha da Catrina? Sim, leram bem, como uma pombinha da Catrina.

- Onde é que ele começa e nós acabamos? 

- Como é que às vezes é tão fácil enlaçá-lo com as nossas teorias e impulsos rocambolescos e às vezes ele não quer saber de nós? 

- Porque é que conseguimos enredá-lo no nosso novelo aleatório e denso, cheio de pontas soltas, mas há alturas em que nos parece muito autónomo, muito ancorado? 

- Conseguimos pô-lo pálido e titubeante, é certo, mas, às páginas tantas (adoramos usar esta expressão), esta sua cabeça mais parece uma armadura medieval?

- Ele deseja mais do que tudo controlar-nos e sabe que não tem grandes hipóteses (pobre tonto!), cai quase sempre na nossa ratoeira e continua a fazê-lo como se quisesse parar o vento com as mãos. É caso para perguntar: o que vai naquela sua cabeça? 

Bom. Vamos fazer o que os gurus de mindfulness recomendam: quando ele aparece, vamos pô-lo numa nuvem e vê-lo  voar, a afastar-se pelo céu azul. Será que ele vai voltar para nós como nós voltamos para ele vezes sem conta?

 

 

 

 

 

quarta-feira, setembro 24, 2025

A voz da criança


 

 

 

 

 

 

 

 

 

A voz da criança

sobe devagarinho 

aos soluços,

aos trambolhões.

A voz da criança

apoia-se em cada órgão

como se estivesse

a escalar desajeitada.

A voz da criança

segura-se ao coração

que não para de bater.

(também ele quer 

ser escutado, talvez).

A voz da criança

Suspira e balbucia

"Estou aqui" 

 

Não há nada mais 

que eu possa fazer 

senão escutar

 

A voz da criança. 

 

 

 

 

 

terça-feira, setembro 23, 2025

Peça do puzzle

E por obra e graça tudo parece encaixar-se quando estás com estas pessoas que aparecem na tua vida vindas do nada. 

Do nada, não é bem assim: são seres mágicos que vivem em dimensões/planos superiores e que de vez em quando dão-te uma mãozinha, um abraço fraterno, um aperto meigo no braço. A peça do puzzle que estava perdida ou escondida no meio do sofá aparece por magia e aquilo que parecia fatalmente insolúvel compõe-se.

Os "e se's" suspendem-se, as dúvidas existenciais extinguem-se, ainda que temporariamente. 

Porquê "temporariamente"?

Porque queres controlar tudo. Queres controlar a corrente do Rio Douro. Queres conduzir as nuvens do céu como te apetece. Queres entrar e sair da VCI do Porto em cinco minutos em hora de ponta (a mais difícil das três tarefas!). 

E voltas a misturar, a remexer as peças do puzzle, porque o teu subconsciente assim te diz para fazer. Se é cansativo? Se é mais drenante que uma drenagem linfática? É claro que é. 

Mas mais uma vez surgem essas pessoas de palavra reconfortante e toque mágico para te sustentarem mais uma vez. 

Mal tu sabes que a solução do puzzle, do enigma, do algoritmo quântico estiveram sempre dentro de ti.

Por mais estereotipada e irritante que esta frase possa parecer, tu sabes que é a Verdade. 


Coração-Lua


Um coração que

flutua e muda 

Como as fases da Lua

Um coração 

Cheio

Minguante 

Novo

Crescente 

Às vezes tudo isto

Num dia

Às vezes até 

Tudo isto

Num minuto. 


quinta-feira, setembro 18, 2025

A Melodia

Há uma melodia que a minha mente gosta de tocar uma boa parte do meu dia. Uma melodia pesada, gorda e gordurosa que gosta de envolver o meu cérebro para depois entrar e ecoar dentro das suas calosidades e rugosidades.
 
É muito curioso que eu não escolho o timbre, as notas, o ritmo dessa melodia, ela apenas reproduz-se de forma aleatória, quando menos espero. Enche-me a cabeça por algumas horas do dia o que normalmente ocorre quando estou ocioso, sem fazer nada.

É uma partitura que ressuscitou recentemente de um passado algo distante. Também pode ocupar vivamente o futuro, sem qualquer tipo de permissão nem pudor. Ela assume-se confiante nas notas pesadas e ilusórias quando se apresenta dentro da minha mente.

E se me perguntarem: 
"Doce Pedro, e tu gostas dessa melodia?"

"Nem por isso", digo eu. 

"É um género que não me agrada nada", acrescento.

Mas aqui é que "a porca torce o rabo" como diz o bom povo: eu não posso gostar nem "desgostar" desta velha e repetitiva melodia porque ela precisa de mim para sobreviver, para ecoar aquelas notas pesadas e pesarosas.

Na verdade, e para vos ser honesto, esta música já aborrece aqui o doce Pedrinho. Já é hora de ela receber carta de despejo.

A música, seja ela boa ou má, a fim de ser reproduzida, tem de existir alguém para o fazer, um maestro ou instrumentista. Ou, por outra perspectiva, tem de haver alguém que deseje escutá-la.


quarta-feira, setembro 17, 2025

As 1001 Batalhas da Mente

 Num dia tão intenso como hoje, sinto-me como um templário que está a travar uma batalha contra uma legião de inimigos desconhecidos. 


Gostaria de descrevê-los esses "inimigos" (que curiosamente podem ser vistos como "arautos" ou "mensageiros") como cavaleiros negros e terríveis, ou criaturas ou monstrinhos bizarros com tentáculos e mais não sei o quê, mas não são. 

Aparecem-me do nada estes entes sem forma, invencíveis à primeira vista e então ao longo de um bom bocado travam-se batalhas. Que me parecem às vezes um ritual, uma dança estranha de avanços e recuos.

Não são embates físicos, não existem castelos nem campos de batalha, cenários de guerra, não há casualidades a registar como se costuma dizer nas notícias.

Já foram travadas milhões de batalhas iguais a esta ao longo dos séculos - desde que o Homem é Homem, desde que se tornou um ser ciente, vulnerável. E depois degeneraram em escritores, poetas e filósofos.

(Estou a brincar como é óbvio).

Pode ser a mais solitária e a mais difícil das batalhas - como tudo na vida, é uma questão de perspectiva, de ângulo de abordagem, de como se olha para o tabuleiro de xadrez.

Um pormenor que me intriga: este vosso templário (oh que imagem tão nobre eu encontrei, tão grandiosa, tão altiva!) tem a estranha tendência para absorver medos e memórias que não lhe pertencem. Poderia ser um super-poder se ele soubesse gerir a coisa, mas é uma arte que terá de aperfeiçoar. É aqui que os inimigos desconhecidos atacam de uma forma quase insidiosa, ardilosa.

Confusos? Eu também. Mas aposto que pelo menos um dos meus milhares dos leitores já travou estas batalhas interiores.

Jogo a carta Tarot do dia - que mais poderia ser: a Morte. Talvez a mais poderosa das cartas dos Arcanos Maiores. Lidar com aquilo que mais temo. Fim de ciclo, início de novo ciclo, regeneração após a transição. Sensação de esmagamento, de confronto que não pode ser evitado. Deixar para trás a velha pele como as serpentes. 

É pela ferida que entra a Luz, dizia alguém.

domingo, setembro 14, 2025

Toupeiras


Muitas pessoas têm-me dito que tenho de escutar o coração - já escrevi neste espaço sobre isso -, preciso de escutar a minha criança interior, de dar ouvidos aquilo que ela guardou durante anos a fio, sozinha. Que estes pensamentos ou medos são apenas ilusões, devaneios, fantasias (o que queiram chamar) para me distrair do meu propósito - escutar e cuidar da minha criança interior.

Normalmente, uso metáforas e imagens para tratar destas coisas, mas hoje não vou fazê-lo. 

Por exemplo, poderia escrever algo como isto:

Estou num terreno cheio de toupeiras: aparece uma, ameaço dar-lhe uma paulada, ela desaparece pela toca abaixo para, mais ao lado, aparecer uma outra toupeira noutro buraco. E ando nisto, nesta caça à toupeira. Vou chamar estes animais irritantes de toupeiras-pensamento. 

É uma imagem pueril, quase inocente, que transmite na perfeição o meu padrão mental. 

Mas hoje, parece-me que ao abordar o tópico de uma forma mais ou menos literario-infantil (o leitor decide!), estou também aqui a usar um subterfúgio, um mecanismo de escape. Alguns dirão que não, mas hoje sinto isso.

A Aceitação desempenha aqui um papel importante. Mas creio - sem qualquer tipo de pretensiosismo ou arrogância - que já estou na fase seguinte. Mas até isto, esta minha abordagem (não pretendo tornar este texto em algo de foro filosófico-existencial, não é a minha "praia", asseguro-vos) é uma forma de racionalizar a coisa. Uma racionalização ad eternum, ad nauseum. É claro que isto causa exaustão. 

O que eu sinto que tenho de fazer é SENTIR. A dor, a mágoa, a angst. Que vem do peito, num ponto entre os chamados chacras cardíaco-solar.

Não posso andar numa caça desenfreada e obsessiva de toupeiras no meu quintal a que chamo de Mente, porque isso não me leva a lado nenhum. E talvez, e apenas talvez, em vez de me distrair com estas toupeiras-pensamento que me desgastam, talvez eu deva escavar a fundo, ir além destes túneis labirínticos  para apurar a causa-mãe (ou a causa-pai) da questão. Por algum motivo que me ultrapassa, ainda não o consigo fazer. Pelo menos, por agora*.

*Como acabaram de ler, acabei por não cumprir aquilo que me propus: não usar imagens para descrever o que me vai na Alma.  Até isto é mais forte do que Eu. 



sexta-feira, setembro 12, 2025

Lua


 

 

 

 

 

 

 

 

 

  

 

Hoje, sexta-feira, foi dia de transmutação, de catarse, de inconsciente a reinar. 

O dia de "Friday" (Frīgedæg) era dedicado à deusa Friga, a equivalente germânica da romana Vénus. Hoje, porém, não senti muito o Amor, confesso. Senti sim as violentas Paixões que assolam tudo e todos. Emoções fortes, medos, dúvidas, o Ego a ser atropelado e a contorcer.

Acordei apreensivo e algo pesaroso. À medida que a manhã se desenrola, parece que a minha cabeça é uma ruidosa fábrica metalúrgica com bigornas, ferros incandescentes, com mil lascas, faúlhas e faíscas. Principalmente em dias de descanso, de ócio. "Mente desocupada (....)".

Lembrei-me agora do ambiente de trabalho do meu pai: industrial, duro, metálico, ferrugento. Era um operário incansável, adorava o que fazia, apesar de tudo. Este "tudo" fica para outra história.

Deixei o Sam na escola, ele estava feliz, os olhos enormes a brilhar. Despedi dele com um abraço, beijei o seu cabelo sedoso, desgrenhado. Tive por momentos algo parecido com um sentimento de inveja em relação ao meu filho; não me lembro da última vez que me senti como um puto de 8 anos: livre, solto, quase inconscientemente feliz.

Talvez esteja aqui a cair no exagero: foi há 3 meses, mais ou menos, sentia-me empoderado, firme, com momentos de despreocupação e leveza. Nunca pensei que houvesse um 2º round; o primeiro foi há quase dez anos e foi. Foi.

Talvez houvesse aqui uma fina camada de melancolia "mas nada de mais" - tem uma certa piada isto que acabei de escrever, as coisas que falamos ou escrevemos para relativizar a coisas desconfortáveis. Eu sei.

A caminhada higiénica pelo pinhal e pela praia foi muito, muito higiénica: de tal forma que parecia que tinha sido regado por uma tonelada de lixívia. Passo a explicar: a cada passo que dava, a mente oferecia-me coisas para lidar, uma sucessão de pensamentos, de triggers vindos do éter, como se houvesse um congestionamento mental e emocional. Doloroso, no mínimo. Deti-me por momentos a olhar o mar impávido e sereno, um horizonte imenso de azul e esperança.

Antes deste vale de sombras que estou a atravessar (há momentos de claridade, o sol brilha aqui e ali naturalmente) com velhos fantasmas a aparecerem a cada curva, a vida fluía, em aparente harmonia. Este tem sido o verão da minha vida, porque isto também é Vida, dizem. Assim quero acreditar.

Mas hoje foi assim, o Subconsciente a vir à tona, a beijar violentamente o Consciente, a vir à "Luz" - com tudo aquilo que acarreta. E a nível físico, uma dor na base da cabeça, na nuca, como se fosse uma batata quente a latejar.

Carta tarot do dia: a LUA. Claro. As comportas do subconsciente a abrirem-se: com as suas ilusões, fascinações, incertezas. Uma aparente fuga à realidade. Sim, FUGA, INCERTEZA também poderiam ser as palavras do dia. Mas sinto que não pode haver aqui evasão, não tenho como não lidar com isto tudo. Pode ser avassalador quando sinto a ansiedade a escalar em mim. 

Fui muito geográfico, muito topográfico nesta descrição, não é verdade, caro(a) e paciente leitor(a)?

O velho Rei-Medo sussurra-me ao ouvido: com que então queres cuidar dos outros, não é? Queres "estar" para os outros, não é assim? Então pega lá, e qual tal cuidares de ti antes? E fustiga-me com estas dúvidas que dilaceram a alma. O Rei-Medo, às vezes, é uma hera grande e velha que estende os seus tentáculos verdes pela minha Casa-Cabeça. Tenho fundações seguras, quase posso afirmar isso; por mais que ele tente me cobrir, não consegue destruir estas paredes com a cal queimada pelo sol. 

E "apesar de tudo, amanhã é sempre outro dia", como diria Scarlett O'Hara.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

   

 

 

quarta-feira, setembro 10, 2025

A chave

Onde está a chave?

Onde está aquele folheto com as soluções todas?

Onde está o mantra ou a solução mágica para dissipar esta cortina de fumo que em dias como o de hoje se tornou espessa como chumbo?

Onde está aquele menino que se escondeu tanto tempo mas que agora quer ser visto?

Onde está a portão para o Castelo Interior?

De onde vieram estes espelhos convexos, côncavos, distorcidos que se reflectem entre si?

De onde vêm estas rajadas de ventos que se erguem de manhã cedo até evoluírem para furacões avassaladores?

Porque estas viagens constantes ao Passado que já foi há muito e depois ao Futuro que ainda não sequer existe?

E porquê agora? 

(e porque não, claro)

 

E, no entanto, eu volto a perguntar:

Onde está a chave?

Por favor não digam que está dentro de mim, da minha alma, do meu ser.

Porque eu sei que ela está cá dentro, mas ainda não a encontrei.

Tal como aquela música. 

 

terça-feira, setembro 09, 2025

Coração

 


 Abrir o coração deveria ser algo mais fácil. Mas não é. Pelo menos para mim.  

Deveria haver um curso de cirurgia intensivo sobre como abrir o peito para curar o coração. Um curso acessível, ao alcance de todos. Com uma bolsinha/kit de bisturis e demais instrumentos cirúrgicos. Conheço muitas pessoas que sofrem muito e andam sempre com "o coração muito apertado, destroçado" ou então dizem algo como "às vezes parece que o meu coração vai-me sair pelo peito", etc. 

Por outro lado, são pessoas que "estão com a cabeça cheia de coisas". E a maior parte dessas coisas são inúteis. 

Eu incluo-me nesse grupo de pessoas. 

Deveríamos todos saber como dar livre-arbítrio ao coração. Os especialistas, os grandes cirurgiões, dizem que é um órgão muito sábio, muito generoso. Basta possuir as ferramentas adequadas para chegar "lá". Os mestres da medicina chinesa dizem que é um órgão "oco", um pouco "tonto" e é alimentado pelo fígado que é visto como o órgão da Ira, da Fúria. Curioso.

Enquanto escrevo estas palavras, o meu coração está a bater-me no peito como se fosse uma bateria furiosa de uma banda de punk rock. Será que é isto quando dizem "o teu coração está a falar. Escuta-o." O meu agora é o baterista dos Dead Kennedys.

Mas como, se escutamos com as orelhas/ouvidos? Que coisa lírica de se dizer. 

Escrevi "livre-arbítrio". Mas isso também não é uma coisa racional, da mente?

Isto é um pouco confuso. Ou então a minha mente está a tornar confuso. 

Gostaria que houvesse um canal, uma via directa, fluida, rápida entre a mente e o coração.

Os grandes especialistas, os ditos cirurgiões do coração, juram que é mais fácil do que  parece. 

"Basta deixar-se ir, deixar fluir", dizem. 

O que é que isto significa na verdade, alguém me pode dizer?

"Tens mesmo de comprar esse curso, esse kit.", diz-me a minha mente. 

"Não é preciso", contrapõe o meu coração que parece agora bem mais calmo. 

Curioso. 


segunda-feira, setembro 08, 2025

A cama-sonâmbula

Lembro-me de estar deitado na minha cama - creio que a minha irmã ainda não era nascida - e sentir os móveis a falarem. Sussurravam algo entre eles que não conseguia compreender. 

Depois da minha pequena oração desajeitada, sentia que os móveis e demais objectos do quarto conferenciavam entre si. Não saíam do sítio, não se moviam, excepto a cama. 

Esta recordação - ou sonho não sei bem - é o da minha cama estender-se, aumentar duas ou três vezes de tamanho (como se fosse um daqueles gavetões de arquivo intermináveis) ao ponto do fundo do quarto me parecer longe, muito longe. Uma espécie de cama sonâmbula que se mexia e se esticava durante a noite. Ficava com a sensação estranha de estar entre duas dimensões, entre dois planos de realidade (ainda que não fizesse ideia do que era uma "dimensão").

É um "para-sonho" muito estranho, eu sei. A minha mãe dizia-me que tive alguns episódios de sonambulismo e que, durante um período, agitava freneticamente a cabeça de um lado para o outro no travesseiro e só depois adormecia. Auto-regulação, dirão os especialistas. 

Mais parecia que estava a escutar o mais intenso ritmo africano de sempre, mas sem ter de usar aqueles auscultadores enormes e magníficos dos anos 70. 

E resultava bem, porque depois adormecia profundamente.

O piano


A imagem de um piano

Abandonado numa praia

A bruma é uma doce manta 

Sobre a praia deserta

A areia é lisa, sem rochas

O mar é um lago sereno

As vagas vão e vem 

Muito tímidas 

Parecem beijar

Os pés do piano


Ouço uma melodia triste, 

arrastada, bela.

A praia está deserta 

A música dança suave 

Com as vagas indolentes


Um vulto revela-se ao longe

Caminha lentamente 

Por entre a bruma 

Detém-se ao lado do piano


O vulto parece olhar

Na minha direção.

Mas eu 

não sei muito bem

Onde estou. 


E a doce e triste melodia

continua

E as vagas lentas 

vão e vem. 

sábado, setembro 06, 2025

O bosque encantado

 


 

 

 

 

 

 

Num bosque encantado, tudo pode acontecer. Já todos sabemos isto de antemão. 

Podem variar as personagens, as "magias", o enredo, mas, em boa verdade, neste tipo de história, partimos sempre desta premissa: "tudo pode acontecer". 

O urso, um dos personagens desta história, sabe disso muito bem. Sabendo que "tudo pode acontecer", ele contempla o bosque à espera que algo aconteça. E passa-lhe várias coisas pela cabeça enquanto espera por esse "algo". Algumas das coisas são muito intrigantes e absurdas; algumas são tão desconcertantes que nem ele próprio sabe como a sua mente de urso concebe tais coisas. 

"Acontece" muita coisa dentro da sua cabeça castanha mas, ao fim e ao cabo, nada acaba por acontecer naquele bosque encantado.

sexta-feira, setembro 05, 2025

O Homem Estranho

O que é aquilo que aquele homem estranho traz ao peito?

Um colar feito de contas coloridas ao jeito dos xamãs? Um pedaço de vulcão que a qualquer momento pode entrar em erupção? Uma coroa de espinhos à volta do coração?

Ou talvez seja um disco dourado com o Sol alegre e uma Lua minguante triste. Em baixo pode ler-se:

 "Perdão".

- Pode ser isso tudo, diz o homem estranho. E sorriu.

quarta-feira, setembro 03, 2025

A tartaruga-devoradora

A tartaruga-devoradora (turturem devoransregressa à mesma praia todos os anos para desovar durante o início do verão. É uma espécie de tartaruga invasora que causa desequilíbrio e algum transtorno ao habitat da pequena ilha. 

O nome da ilha é tão longo que não me dou ao trabalho de escrever. Impronunciável. A grande mãe tartaruga deposita centenas de ovinhos na areia e durante a noite as pequenas tartaruguinhas-devoradoras partem a casca e o seu instinto leva-as para o oceano através de um grande areal.

Não se deixem enganar pelo seu aspecto pequeno e frágil. É uma espécie predadora. Ao contrário das outras espécies, as crias não são presa fácil. Tem uma alta taxa de sobrevivência e como o próprio nome indica, devoram tudo o que encontram pelo caminho. O impacto tem sido tal que fragilizou bastante o ecossistema local.

Recentemente, porém, ocorreu um estranho fenómeno. Os meninos da ilha deixaram de ter medo destas tartarugas. As crianças locais ganharam coragem (algo que os seus pais não conseguiam fazer durante séculos) e com um simples gesto, encararam e enfrentaram as tartaruguinhas-devoradoras. 

Os pequenos répteis, de forma muito intrigante, voltaram para os seus ovos partidos e ai definharam até perecerem. Apenas algumas conseguiam chegar ao grande oceano com vida.  Mas já não tão ameaçadoras como antes, já não representam um "verdadeiro perigo" para o habitat local. 

Como se costuma dizer, "a coisa começou a compor-se" naquele pedaço da terra perdido no vasto oceano de cor turquesa. Demorou algum tempo, anos e anos, mas dir-se-ia que o equilíbrio foi reposto.

Os meninos da ilha são agora considerados os grandes heróis da pequena ilha de nome impronunciável.

 

terça-feira, setembro 02, 2025

Três em Um

 


Ainda ontem estava num pais lindo e rosa chamado São & Salvo e agora encontro-me nas cavernas do submundo onde Orfeu foi resgatar a sua Euridice. 

Com a diferença de que eu também posso ser a Euridice que se encontra refém do Hades. 

Bom, talvez seja o próprio Hades, já agora. Tudo isto é muito confuso, eu sei, caro leitor. Até para mim que pareço ser aquilo que chamam de "um gajo porreiro". E atraente e musculado, acrescento. Não toco lira como Orfeu mas toco guitarra e baixo eléctricos que são muito mais rock n roll.

Mas "estou em crer que não", creio que o pobre do Hades poderá ser o meu Passado que também pede para ser resgatado e curado.

A regra que Hades impôs a Orfeu para salvar Eurídice era: 

"Não podes olhar para trás".

E foi precisamente isso que fiz. 
Ou que os Deuses me levaram a fazer.