Hoje, sexta-feira, foi dia de transmutação, de catarse, de inconsciente a reinar.
O dia de "Friday" (Frīgedæg) era dedicado à deusa Friga, a equivalente germânica da romana Vénus. Hoje, porém, não senti muito o Amor, confesso. Senti sim as violentas Paixões que assolam tudo e todos. Emoções fortes, medos, dúvidas, o Ego a ser atropelado e a contorcer.
Acordei apreensivo e algo pesaroso. À medida que a manhã se desenrola, parece que a minha cabeça é uma ruidosa fábrica metalúrgica com bigornas, ferros incandescentes, com mil lascas, faúlhas e faíscas. Principalmente em dias de descanso, de ócio. "Mente desocupada (....)".
Lembrei-me agora do ambiente de trabalho do meu pai: industrial, duro, metálico, ferrugento. Era um operário incansável, adorava o que fazia, apesar de tudo. Este "tudo" fica para outra história.
Deixei o Sam na escola, ele estava feliz, os olhos enormes a brilhar. Despedi dele com um abraço, beijei o seu cabelo sedoso, desgrenhado. Tive por momentos algo parecido com um sentimento de inveja em relação ao meu filho; não me lembro da última vez que me senti como um puto de 8 anos: livre, solto, quase inconscientemente feliz.
Talvez esteja aqui a cair no exagero: foi há 3 meses, mais ou menos, sentia-me empoderado, firme, com momentos de despreocupação e leveza. Nunca pensei que houvesse um 2º round; o primeiro foi há quase dez anos e foi. Foi.
Talvez houvesse aqui uma fina camada de melancolia "mas nada de mais" - tem uma certa piada isto que acabei de escrever, as coisas que falamos ou escrevemos para relativizar a coisas desconfortáveis. Eu sei.
A caminhada higiénica pelo pinhal e pela praia foi muito, muito higiénica: de tal forma que parecia que tinha sido regado por uma tonelada de lixívia. Passo a explicar: a cada passo que dava, a mente oferecia-me coisas para lidar, uma sucessão de pensamentos, de triggers vindos do éter, como se houvesse um congestionamento mental e emocional. Doloroso, no mínimo. Deti-me por momentos a olhar o mar impávido e sereno, um horizonte imenso de azul e esperança.
Antes deste vale de sombras que estou a atravessar (há momentos de claridade, o sol brilha aqui e ali naturalmente) com velhos fantasmas a aparecerem a cada curva, a vida fluía, em aparente harmonia. Este tem sido o verão da minha vida, porque isto também é Vida, dizem. Assim quero acreditar.
Mas hoje foi assim, o Subconsciente a vir à tona, a beijar violentamente o Consciente, a vir à "Luz" - com tudo aquilo que acarreta. E a nível físico, uma dor na base da cabeça, na nuca, como se fosse uma batata quente a latejar.
Carta tarot do dia: a LUA. Claro. As comportas do subconsciente a abrirem-se: com as suas ilusões, fascinações, incertezas. Uma aparente fuga à realidade. Sim, FUGA, INCERTEZA também poderiam ser as palavras do dia. Mas sinto que não pode haver aqui evasão, não tenho como não lidar com isto tudo. Pode ser avassalador quando sinto a ansiedade a escalar em mim.
Fui muito geográfico, muito topográfico nesta descrição, não é verdade, caro(a) e paciente leitor(a)?
O velho Rei-Medo sussurra-me ao ouvido: com que então queres cuidar dos outros, não é? Queres "estar" para os outros, não é assim? Então pega lá, e qual tal cuidares de ti antes? E fustiga-me com estas dúvidas que dilaceram a alma. O Rei-Medo, às vezes, é uma hera grande e velha que estende os seus tentáculos verdes pela minha Casa-Cabeça. Tenho fundações seguras, quase posso afirmar isso; por mais que ele tente me cobrir, não consegue destruir estas paredes com a cal queimada pelo sol.
E "apesar de tudo, amanhã é sempre outro dia", como diria Scarlett O'Hara.