sábado, dezembro 30, 2017

Os meus três sobrinhos




Tenho três sobrinhos que vêm visitar-me todos os dias. São apenas miúdos, mas houve uma altura que não os suportava. Custa-me falar assim de crianças, mas é uma libertação incrível poder afirmar isto. Sim, confesso, odiava-os, não os suportava. Quando se juntavam, eram capazes de coisas terríveis, coisas que não lembram ao diabo. No início, tinha medo, entrava em pânico, sentia-me quase obrigado a abrir a porta. Se não o fizesse,  passavam todo o santo dia a tocar à campainha ou a dar pontapés na porta. Quando finalmente cedia, quando lá os deixava entrar, destruíam tudo. A casa ficava num caos. Tentava entretê-los, alinhava nas brincadeiras deles, mas chegava ao fim do dia exausto. Se os ignorasse, berravam como porcos no matadouro. Um inferno. Os putos estavam possuídos. Cheguei a ir à bruxa, confesso. De nada valeu. Quase que tinha um esgotamento, cheguei a temer pela minha vida. A sério.
"Porra, que gajo tão fraco, deveria ser comigo. Como é que três chabalos podem ser tão pestes, não tens pulso neles? E um par de estalos, não?"
Vocês definitivamente não conhecem os meus sobrinhos. Às vezes, dava comigo a pensar que eram pequenos psicopatas de tão retorcidos que eram, mas a verdade é que não passam de crianças. E as crianças devem ser amadas. Incondicionalmente. Resolvi aceitá-los tais como eram, abraçá-los, dar-lhes todo o meu amor. Foi um processo lento, mas está a dar os seus frutos. Deveriam vê-los agora. Parecem três anjinhos.

segunda-feira, dezembro 25, 2017

quinta-feira, dezembro 21, 2017

The Black Crowes - Remedy



Onde estão os meus?

quarta-feira, dezembro 13, 2017

Tao Te Ching

 "O Mal não é uma força à qual devemos resistir. É simplesmente uma opacidade, um estado de auto-absorção que não está em harmonia com o processo do Universo.
A luz não atravessa a janela suja."

"Lieber Vater"

Nos diários, Kafka escreve:
“Os pais que esperam gratidão dos seus filhos (inclusive há os que a exigem) são como agiotas; os pais até gostam de arriscar o seu capital, contanto que recebam juros
por ele."

domingo, dezembro 10, 2017

Adoro a Nina

quarta-feira, dezembro 06, 2017

A adaga com cabo de jade

Durante dois anos - eu repito, dois anos - uma senhora amiga da minha mãe cismou em arrancar o seu olho direito com uma adaga com cabo de jade. A adaga era do seu pai que falecera há precisamente dois anos. Ao longo desses vinte e quatro meses, esta mulher não pensou em mais nada. Pelo menos foi aquilo que a minha mãe me disse e não tenho a minha mãe como mentirosa. Foi a paixão da sua amiga, a sua obsessão, aquilo que a sua mente lhe dizia para fazer. A minha mãe escutava-a e dizia-lhe para "ganhar juízo", Deus escutava-a e não lhe dizia nada, o diabo sorria, o seu anjo custódio acompanhava-a, o seu marido sofria em silêncio, o monstro das bolachas encolhia os ombros.
Até que uma bela manhã, enquanto barrava o seu molete com manteiga dos Açores, deixou cair a faquinha ao chão. Agachou-se, pegou na inofensiva faca e olhou para ela. Imaginou o apetrecho do seu marido, lambeu a ponta e sorriu.
"Que parvoíce", disse baixinho.
A fantasia tinha chegado ao fim.

sábado, dezembro 02, 2017

Série Tarot

O Mago

quinta-feira, novembro 30, 2017

Continuo a adorar o Zé Pedro



Vem ninguém vê
O que tem
Só vê o que não tem.

Das gretas

Dos meus calcanhares nascem gretas. Das gretas nascem raízes. A partir das raízes, a energia da terra sobe até à copa, até à cabeça. Da cabeça, brotou este fruto, este textinho. O textinho é colhido e trincado por vós. Alguns poderão achá-lo cítrico, outros doce, talvez farinhento, haverá ainda alguns que poderão achá-lo demasiado verde.
Talvez uma boa parte - os mais telúricos, enraizados - poderá achar que eu tenho de tirar as gretas com pedra-pomes e dedicar-me a coisas mais práticas, como, por exemplo,




.

segunda-feira, novembro 27, 2017

O atol da Felicidade

Encontrava-me numa daquelas praias paradisíacas onde tudo é azul, verde e dourado. Palmeiras, coqueiros, vegetação luxuriante numa ilha do Pacífico Sul. Não era bem uma ilha, era mais um atol. Todos aqueles que eu considerava meus amigos e minhas amigas estavam nesse atol. Gaugin era o salva-vidas, estava no alto daquelas cadeiras-girafa de vigilância. Freud estava sentado com os pés cruzados aos pés da cadeira, usava um fato branco, Fedora na cabeça e fumava o seu eterno charuto. Albatrozes grasnavam e voavam recortados em padrões escherianos sob o céu de um azul impossível. Enfim, o paraíso na Terra.
 
Os meus amigos tiraram as roupas e começaram a explorar os corpos alheios, a lamberem-se numa pantagruélica orgia de registo oral, sem qualquer insinuação de coito ou outro tipo de manobra física mais invasiva. Estavam proibidos por Gaugin. Freud largava espirais de fumo com a boca e de vez em quando coçava a barba. Os ventres morenos das minhas amigas reluziam e os ombros e tríceps dos meus amigos contraiam-se e dilatavam-se de forma compassada. O meu amigo mais casto (não vou dizer o nome dele como certamente compreenderão) exortava-os à virtude, ao resguardo moral, mas foi logo abocanhado pela minha amiga mais voraz. Ficou todo ensalivado de prazer e um esgar de êxtase ondulou o seu rosto e deitou-o por terra. A minha amiga lambeu o canto da boquita, soltou uma gargalhada e voltou para o resto do grupo. Aquele cenário era um verdadeiro manifesto de línguas e bocas, de pele suada. Havia cestos de maçãs e cerejas espalhados pela praia.
 
Esperem. O que se passa aqui? Enterrei a mão na areia fina. Mas isto não são grãos de areia. O que significa isto?! Centenas de pastilhas de Xanax e Prozac escorriam entre os meus dedos. A praia era um enorme depósito farmacêutico. Fingi-me chocado, encolhi os ombros e juntei-me ao grupo.

quinta-feira, novembro 23, 2017

Série Tarot

O Mundo

quarta-feira, novembro 22, 2017

Faço a vénia ao sr. Prince




De repente, tive a visão de Prince a perguntar ao Arcanjo Raziel:
"Onde fica a minha suite?"




segunda-feira, novembro 20, 2017

Como é que nunca pensei nisto antes:

Oficina de Teta Lírica.

Mas adaptado para homens. Sem "tetas".
Obviamente.

domingo, novembro 19, 2017

Im Nin'alu

אם ננעלו דלתי נדיבים דלתי מרום לא ננעלו
Im nin'alu daltei n'divim daltei marom lo nin'alu
Ainda que os portões dos ricos estejam fechados, as portas do Céu nunca estarão fechadas.

Retirado do poema "Im Nin'alu" (אם ננעלו‎) do rabi Shalom Shabaz, o poeta nacional do Iémen (século XVII), imortalizado por Ofra Haza, a minha exótica paixão da adolescência.

Parece que está a vir tudo ao de cima agora.

Gosto muito de Mansun

quarta-feira, novembro 15, 2017

Actos ilícitos

O meu coração está assombrado por fantasmas e por paixões, a minha mente foi arrombada por ladrões, grizzlies e indigentes com maus fígados que reviraram tudo. "A fucking mess", como dizem os neozelandeses. Ando quase sempre no passado, quase sempre no futuro, nunca no presente.

Mas a parte mais recôndita do coração diz-me para amar todos de forma incondicional. Que só assim a gatunagem perde o interesse e vai-se embora. Excepto a D. Paixão. Não se pode amar a Paixão, ou pode?

Sim, não passo de um ressacadito por adrenalina.




Série Tarot

Valete de Paus

terça-feira, novembro 14, 2017

Curiosidades

1. Segundo a minha aplicação de Hagiografia, o dia de hoje é consagrado ao Santo Homembom.

2. Descobri que a sigla "OCD" - para além do transtorno sobejamente conhecido, "Obsessive Chocolate Disorder", em inglês - pode significar ainda "Ordem dos Carmelitas Descalços" em Português.

segunda-feira, novembro 13, 2017


domingo, novembro 12, 2017

Um dia de sol

Tudo aponta que amanhã seja mais um belo dia de sol.
Vou deixar a minha camisa de forças em casa e vou usar e abusar do meu monoquíni prateado pela praia fora. 
Talvez me esfregue com algas para limpar a minha pele de macho alfa e apanhe alguns bivalves. 
Talvez comunique com traques com os velhotes que estão no meio das rochas e através de um incrível fartstorm encontremos a cura para o cancro da próstata. 
Talvez até seduza algumas senhoras que passeiam os cãezinhos e me envolva em maratonas de sexo (sem os cãezinhos) e acabe nas urgências, todo amassado. 
Apelo a todos os comerciais, negros, professores, pediatras, gestores de conta, filipinos, serventes, marceneiros, alferes milicianos, white trash, designers, torneiros mecânicos, etc a fazerem o mesmo. Insurjam-se contra o sistema, carago. Viram o que fizeram no Pantagruel..., desculpem no Panteão? Clap, clap. É isso! Façam o mesmo, mas melhor! Comam onde lhes der na real gana! Façam amor incondicional nas nossas belas praias antes que cobrem a entrada! Dunas são como divãs. Big Bang Beaches. Façam corar o John Holmes e a Traci Lords (sim, deixei de ver porno há algum tempo. Isto é rigorosamente verdade). Se morarem longe da praia, em vez de incêndios, façam sexo desenfreado nas bouças, nas matas, nos pinhais. Enquanto o fazem, não deixem de escutar o chilrear dos passarinhos, deixem-se observar pelas raposas-vouyeurs, deliciem-se com as cores dos gaios e das pegas rabudas. Quero ver camaleões uns em cima dos outros.
Bom. Se forem impotentes ou frígidas, dancem o fox trot ou funk da favela. Sejam verdadeiros comandantes da dança. Não importa.

sábado, novembro 11, 2017

Adoro ainda a Lykke Li





Um sol dançante rodeado por planetóides, luas e um buraco negro.

quinta-feira, novembro 09, 2017

Pequeno-almoço de campeões

Hoje tomei um pequeno-almoço de campeões: chazinho de Victan com mirtilos. Hmmm. Saboroso, relaxante e diurético. Acompanhado com tostas barradas com manteiga de amendoim.
Quando me dizem que o Victan é sublingual, eu penso sempre na parte de baixo da minha língua a dar estalos sobre uma linda vulva a cheirar a coco. Não sei porquê.*

*Por favor, tenham sempre em mente o nome deste blogue. As pessoas são muito ingénuas. Algumas coisas são verdade, outras são apenas fruto do terreno fértil da minha imaginação (em pousio, neste momento) fertilizado com o adubo da minha cognição.**

** Onda avassaladora de sentimento de culpa. Nem sequer deveria estar a dizer isto. Os meus leitores são muito sagazes. Uns são pleidianos, outros são de Sirius.

domingo, novembro 05, 2017

Adoro também o Dave


sábado, novembro 04, 2017

A morte difícil (reedição ne varietur)

René Crevel




















Crevel: "Vá, corta-me."
Faca: "Não. És demasiado bonito, demasiado duro para te cortar. És o pior pesadelo de uma faca."
Crevel: "Não me deixas grandes alternativas. Vou apanhar o primeiro barco para a ilha de Jerséi, há muitas facas lá à procura de trabalho."
Faca: "Estás a dizer-me adeus?"
Crevel vira-lhe as costas, a Faca hesita, mas não faz nada. Crevel bate com violência a porta.
A Faca fica imóvel durante uma hora a olhar para a porta. Depois, num acto desesperado, espeta a cabeça contra um coração de boi que estava em cima da banca da cozinha.

terça-feira, outubro 31, 2017

O verdadeiro significado do chi



00:16 "It's mind over matter"
00:18 "Really?"
00:19 "I would doubt it strongly"
00:20 "Ten quid"
00:21 "Don't doubt my chi"
00:22 "Twenty quid"
00:24 "Don't doubt my chi"
00:25 "Twenty quid"
00:26 "Gotta get it (something) not
00:28 "It's not a matter, it's no matter"
00:29 "Fifty"
00:30 "Of money"
00:32 "It's your personal business, but...
00:33 "See, if I'd have been no listening to you and listening to my chi that would mean (something)
00:38 "Push comes to shove, one hundred pounds."
00:39 "Listen to me Andy, one hundred quid"
00:42 "You've gotta prove your chi
00:46 "One hundred quid"
00:47 "You're bringing money into the matter"
00:48 "I'm no been a man to turn down a bet"
00:50 "No way"
00:52 "Is that a deal?"
00:52 "Shake on it"
00:53 "One hundred quid"
00:55 "Yours for the taken or is it?"
00:58 "Deal"
00:59 "Go on"
00:59 "Are you sure?"
01:00 "Aye"
01:02 "Not a chance"
01:03 "Easy money"
01:04 "There's no way he's gonna make it into 12.
Agora algo muito pouco literário. Duas coisinhas que trago aqui entaladas na garganta. Aliás, três:

1. O Billy Corgan (vox dos Smashing P.) é o Charlie Brown versão adulta.

2. Os pirómanos deveriam ser reinseridos e formados para queimar má literatura, maus livros. "Fahrenheit 451" personalizado e adaptado à tragédia portuguesa. 
Mas quem iria decidir se um livro é bom ou mau? Eu. Com a ajuda de uns amigos conselheiros.

3. Já não me lembro. Mas era muito, muito boa. Acontece-me isto constantemente. Preciso de magnésio e omega 3. 



sexta-feira, outubro 27, 2017

O Meu Mercado da Beira-Rio



Lá consegui pegar no sono, mas acordei pouco depois estendido em pleno mercado da Beira-Rio ao qual toda a gente chama de Praça, despertei com a algazarra habitual dos sábados de manhã. A Praça estava apinhada, procurei pela minha avó, sentia-me ainda meio atarantado com os restos de sono na minha cabeça. A minha avó conhece toda a gente. Desde o Bernardino da Padaria, o senhor Aguiar do Talho, ao senhor Silvino e à Mariazinha dos Frangos, dá-se com todas lavradeiras que vêm dos confins de Gaia que para mim era a mesma coisa que Trás-os-Montes, fala com todas elas. As mais velhas falam até acabar o ar nos tubos, às vezes falam de sítios e de épocas que me são estranhos. Tive de esfregar bem os olhos para acordar, apesar da confusão e do barulho.

Na parte do mercado onde estavam alinhadas as vendedoras de galinhas e de pintainhos, vi uma galinha enorme, com um peito enorme que tapava quase todo o avental que trazia à cintura e, à sua frente, havia uma gaiola com meia dúzia de mulheres anãs. Estas mulheres anãs tinham os pés descalços, vestiam uma roupa muito colorida e não pareciam estar muito incomodadas por estarem engaioladas. O mercado tinha sempre mais mulheres do que homens. As mulheres estavam divididas em dois grupos: as que tinham um corpo em pirâmide e as que tinham o corpo em pirâmide invertida. As mulheres-pirâmide tinham pernas muito gordas (algumas até tinham os tornozelos gordos como se as peles e a gordura das pernas tivessem caído de uma vez só) e as mulheres-pirâmide invertida tinham o peito muito, muito grande e roçavam-se sempre nas outras pessoas quando conversavam, parecia que traziam uma varanda debaixo do pescoço, com dois vasos redondos enormes. Andavam sempre tarefadas, essas mulheres tropeçavam em mim e quase que me calcavam para depois me deitarem um olhar de poucos amigos. Levantei-me. Dei duas voltas à Praça para tentar encontrar a minha avó. Percorri toda a rua de trás, a rua das Alminhas, que estava também cheia de gente. Estavam a descarregar sacos de batatas de pequenos camiões encavalitados uns em cima dos outros, do céu choviam pés de alface, tronchudas, agriões, nabos, nabiças, cenouras, pimentos de todas as cores, réstias de cebolas, tomates, fruta de todo o tipo, etc., etc., todos falavam ao mesmo tempo e todos se entendiam, quando alguém não entendia o que o outro lhe estava a dizer, essa pessoa berrava um palavrão e aí o outro já entendia. Fiquei um pouco tonto com tudo aquilo, ainda era muito cedo e eu estava em jejum, procurei por moedas nos bolsos, ainda tinha algumas embrulhadas em cotão do troco do dinheiro dos maços de tabaco para o meu pai.


Tornei a meter-me pela "rua de trás" quando senti uma espécie de um "cachaço" muito leve, muito meigo, como se me estivessem a fazer festas na nuca. Virei-me e a vinte metros de mim reparei numa menina muito bonita dentro de uma furgoneta a cair de podre. Deveria ser filha de um dos vendedores e estava a olhar fixamente para mim. A menina fez-me sinal com o dedo para eu me aproximar e depois apontou com o mesmo dedito para a minha avó que estava no talho do senhor Aguiar. Como é que ela conhecia a minha avó? Não me lembro de ter visto esta miúda antes e vou à Praça com a minha avó quase todos os sábados. Deslizei pelas folhas de couve e de alface esmagadas no chão até chegar ao talho. Mais uma vez, a minha avó e o senhor Aguiar do Talho estavam a falar de coisas muito antigas, da primeira grande guerra, da fome, da miséria, etc. e quando apareci por entre as fitas coloridas da soleira, a minha avó fartou-se de me insultar. Levei uma descompostura daquelas à frente do senhor Aguiar que não parava de cortar ossos. Atrás dele, havia um quadro dos Alpes com uma vaca deitada num enorme prado verde a olhar para nós. Já era quase meio-dia e a minha avó estava cansada de acartar com as sacas das compras de um lado para o outro. Ainda tentei arranjar desculpas, “Mas óh bó, mas óh bó”, mas a minha avó lançou aquele seu olhar de morte que me trespassou a cabeça e eu calei-me logo. Não posso ser pardal quando a minha avó se zanga, ela podia matar-me só com os olhos que parecem estar sempre a desembaracem-se dos nós feitos pelas muitas rugas que ela tem nas covas dos olhos. O Manel desatou logo às gargalhadas. O Manel é filho do senhor Aguiar e seu ajudante. Eu gosto do Manel, anda sempre com a barba por fazer e é daquelas pessoas que estão sempre a sorrir. Traz a bata toda ensanguentada, cheia de medalhas de sangue, nunca vi aquela bata limpa, isto só pode querer dizer que ele adora o seu trabalho. O senhor Aguiar pediu-lhe para ir buscar carne do vazio. Ele abriu a porta da enorme e antiga câmara frigorífica, imaginem uma roulotte sem janelas e sem rodas metida num talho, vestiu um kispo, entrou e fechou a porta grossa atrás de si. Quando eu e a minha avó nos despedimos do senhor Aguiar, o Manel ainda não tinha saído. Saimos sem a carne do vazio. Ele é como eu, adora o frio, um dos meus sonhos é ir à Lapónia ou ao Pólo Norte. Eu acho que a câmara frigorífica tem um acesso secreto a um longo túnel que vai dar ao fundo do oceano e que depois sobe até ao Pólo Norte onde o Manel anda à caça de focas. Talvez seja por isso que o Manel demora tanto tempo a sair da câmara. Talvez seja por isso que os dois, o Manel e o pai, chamam-na de carne do vazio, porque o Pólo Norte é um imenso vazio branco.

terça-feira, outubro 24, 2017

Adoro a Alison

Período





















Às vezes, sinto que o meu período está em consonância com o período de algumas mulheres.
Dou por mim a acabar as frases delas e vice-versa.
Também pode acontecer com alguns homens de signos de Água, mas é mais comum acontecer-me com senhoras. A única condição para os cavalheiros é que têm de estar (ou estiveram) todos torrados da cabeça.

E sim, até prova em contrário, sou um soberbo representante dos cromos XY.


domingo, outubro 22, 2017


quinta-feira, outubro 19, 2017

Máfia

A nossa mente é a nossa Máfia. Ninguém fique impune no primeiro ataque. Pânico total. Os joelhos transformam-se em água. A alma sai do corpo.
Mas depois esses ataques deixam de nos impressionar e constatamos que a terrível Máfia não passa de um bando de rapazinhos traquinas.
"Schiu, vão brincar para outro lado."

quarta-feira, outubro 18, 2017

O que dizem os teus olhos














- O que dizem os seus olhos?
- Os três?
- ....Não vale a pena ser malcriado.
- Estava a referir-me ao 3º olho, ao chacra 6.
- Ah perdão. E o que dizem então?
- Os três?
- Sim.
- Dizem que isto é uma treta. Estou a apanhar uma seca saariana.

- O senhor é estranho. E malcriado.
- E o senhor é feio e incompetente. E não precisei do 3º olho para dizer isto.

(este foi o diálogo que a minha mente encenou enquanto esperava pela minha vez na Repartição de Finanças. Há ainda alguns inuendos com a quarentona do balcão 11, mas não vale a pena falarmos disso. Envolve cordas e mitenes de napa monoluvas de napa vermelhas. Bom, apesar de espera, foi uma boa manhã).

terça-feira, outubro 17, 2017

Adoro o John

Versalhes de dor


Quando um pensamento parasita invade a nossa mente e acolhémo-lo como se fosse uma membro da Realeza, isto é, estendemos um tapete vermelho, fazemos vénias até ficarmos curvados ao nível do chão (sem darmos conta), etc, esse bastardo real tende a ficar, porque gosta de ser mimado e deslumbrado pelos motivos mais ilusórios e mais errados. O pensamento não tem de fazer nada, basta adorá-lo como se fosse o Menino. E depois traz consigo uma corte de pensamentos parasitas como ele. Uma Versalhes de dor e sofrimento. Um séquito de dúvida e de medo. Ficamos siderados pelo seu "poder", porque, muito simplesmente, estamos frágeis, estamos cá em baixo.

Um pensamento deste tipo só pode governar se houver povo para governar. Sozinho não tem muito poder. 

O problema é quando esse povo não sabe viver doutro modo. Fica aconchegadinho à dor. 
"Hmm que bom, dor. Já te conheço, és-me familiar, és a minha rainha, para o bem e para o mal."

Eventualmente, o povo irá fartar-se de tanto se empanturrar com tamanha dor. Chafurda no fosso do Inconsciente para tentar conquistar o castelo. Fica obstipado e aquilo tem de sair por algum lado. Pode durar algum tempito. Algumas escaramuças angustiantes pelo meio, algumas tentativas de depor o poder opressor que reage sem clemência, alguns ataques de pânico e dissociações.

No fim, dá-se a Grande Revolução. Por incrível que pareça, poderá haver ajuda espiritual. Camadas de raiva e de pura fúria irão escorrer por dentro e fora do corpo. Algumas cabeças irão rolar (no bom sentido). Aquilo que foi recalcado durante tanto tempo tem de vir cá para fora, regurgitado. O povo está a subir de frequência, a reclamar consciência. Melhor do que o Medo e a Apatia. O pensamento parasita, que não passa de um mercenário enviado por Id, o Primitivo, ainda irá estrebuchar para tentar manter-se no trono, mas os dados já foram lançados, alea jacta est*.

* um apontamentozinho de Latim para tornar o texto mais trabalhado, mais verosímil.


segunda-feira, outubro 16, 2017

Incêndios

Um país em cinzas.

Cabeças em cinzas.

Está tudo como há-de ir basicamente.
Que venha a put@ da chuva.

Nunca vi nada assim.



sábado, outubro 14, 2017

Iluminação

Okamoto-Kiichi
























Li algures que atingimos a Iluminação 500 vezes por dia. Se não pensarmos durante 1 segundo, somos o "Buda de 1 segundo". Se não pensarmos durante 2 segundos, somos o "Buda de 2 segundos." Etc.

Quando comemos, devemos comer apenas. Quando bebemos, devemos beber apenas. Quando estamos com a pessoa de quem gostamos (amigo(a), amante, consorte, homem do fraque, picheleiro, etc), devemos apenas estar com essa pessoa.

A Iluminação não é nada de especial. Basta deixar-nos ir, levar, fluir.

Mas será que quero? ("quero", um verbo muito pouco iluminado)
Ou será que, no fundo, desejo continuar a ser o Louco dos Olhos Esmeralda* do costume?



* O meu Ego a funcionar na plenitude. Um modesto "gaba-te cesta".


quinta-feira, outubro 12, 2017

Adoro a Lily






Libido


"Still here, boss. Hey down here."
"...Have we met before? Oh wait, it's you. I remember you. How are you, buddy? Awrite then. Let's do this."


Exemplo de um texto muito pouco "iluminado".
Sim, eu e ela (libido) falamos sempre em inglês. É detestável, mas é uma cena nossa. Muito lixo televisivo na adolescência.
Às vezes - às vezes - adoro o meu ego. Outras, nem tanto. Como quase toda a gente.

Parabéns, senhor Freud
Mas também, parabéns senhor Jung. 
Tiro o meu chapéu aos dois.
Apenas o chapéu.



quarta-feira, outubro 11, 2017

Balanço

Como uma ligadura de gesso
o tempo enrolou-se à volta das
minhas pernas,
nada vejo à minha volta
ou parece que tudo desapareceu.


Diz Jannah.


Deixei de ver demónios e walkers, anjos e santos decepados, para cair e ver a realidade à minha volta. Mudei as lentes da percepção. A coisa é muito mais assustadora.

O Despertar já foi há algum tempo. Enraizo. Aceitar, integrar, digerir. Todos os dias - todos - olho para Ele de frente. Faz parte da minha natureza. Ele mostra-me as cartas antes do jogo começar, põe-me no devido lugar. Jogamos todos os dias. Um jogo eterno, uma valsa divina. Deixa rolar o meu medo como um pai muito paternal, muito paciente.

Tal e qual o pai dele. Tira-me mais uma lasquinha da cruz que é mesmo à minha medida. Sou um cedro, um carvalho. Não. Desta vez, o meu aparelho incorpora um búfalo que enfrenta a tempestade de frente. Sincronicidades "a toda a hora" (não, não procuro capicuas feito um tolinho), dores no peitaço, extrema fadiga mental e física, zumbidos, suores q.b., bzzzzztt, saio e entro da matrix, kundalini entalada na garganta, hemisfério esquerdo a estalar, etc. Isto é uma festa. "Never a dull moment". Creio que alguns de vocês sabem do que estou a falar. Se não sabem, não queiram saber. Se quiserem, enviem email.

O meu bebé brinca com as minhas lágrimas, puxa-me as orelhas e sorri. A minha mulher torna-se na mãe dos dois. Uma lutadora, um pilar a sustentar um pilar cheio de fendas.

Sou grato.

Dois lightworkers trabalham para a minha evolução.

Sou grato.

Uma velha/nova amiga de várias encarnações apareceu-me no local menos provável. Ela sabe-o. Mais uma lutadora com as suas lutas. Mesma tribo.

Sou grato.

On second thought
I think I'm more crazy
than my goat.

Remedios Varo
Leonora Carrington

segunda-feira, outubro 09, 2017

Cadeira branca

Há pessoas que gostavam de ser "mosquinhas". Uma coisa um pouco nojenta e pouco original.

No meu caso, confesso que gostaria de ser uma determinada cadeira branca do Ikea.

Frequentei Eton, sei boxe, pratico hipismo, bebo chá com leite, só fumo Captain Black, gosto de saborear JM 30 anos enquanto contemplo as incríveis noites de lua cheia. Sou um gentleman, um cavalheiro.

Mas até um gentleman tem direito a alguns fetiches e o fetiche/bizarria desta semana é: desejo ser uma determinada cadeira branca para sentir o doce toque da lycra.

Ah, já vos disse que sou um gentleman, não já? Um lobo disfarçado de gentleman.

quinta-feira, outubro 05, 2017


The Dark Night Of The Soul

Inspirado, naturalmente, na obra do místico João da Cruz. Apenas postei este link porque gostei da paisagem e das tatuagens do senhor. Ah!

Alguns de vós já estão familiarizados com o processo, mas espero que este depoimento informal (não acredito em gurus) vos ajude de alguma forma.

terça-feira, outubro 03, 2017

Mantra

E SE  ______________?
E SE  ______________?
E SE  ______________?
E SE  ______________?
E SE  ______________?
E SE  ______________?
E SE  ______________?
E SE  ______________?
E SE  ______________?

Ad nauseam.

Tudo está bem. Eu sei.
E basta.

Leonora Carrington com Max Ernst, 1937


segunda-feira, outubro 02, 2017

Grávidas

Devia haver hoje um congresso de grávidas na praia. São às dezenas, estão por todo o lado, são de todas as cores e feitios. Fazem ar de poucos amigos quando me devolvem o olhar como se fosse um intruso ou, pior, um violador. Apesar de tudo, sinto-me bem no meio delas, estou protegido por deusas de fertilidade. A presidente do congresso deve ter uns setenta anos e é a única que sorri para mim. A sabedoria e a velhice. A barriga dela parece uma bossa de dromedário do tempo do Antigo Egipto. Uma delas tem o cabelo pintado de azul e traz a tatuagem do símbolo da vida na barriga. Sai do meio do grupo e vem na minha direcção:
"Tem lumes", pergunta.
Aceno com a cabeça e acendo-lhe o cigarro.
"Há muita praia. Porque é que ainda está aqui?"
"Não posso estar aqui?", pergunto-lhe em tom de desafio.
"Você sente que pode estar aqui? Sente-se bem?"
Dispara suavemente uma linha de fumo para o meio dos meus olhos. Sorri, trocista.
Os meus guias sussuram-me ao ouvido para abandonar a praia e para não olhar para trás.

Acordo e vejo um tapete de azul à minha frente. Tento imitar o sorriso da grávida de cabelo azul, mas não consigo. Olho à minha volta. A praia está deserta.

domingo, outubro 01, 2017



Gostava de fazer coisas com esta música.

terça-feira, setembro 26, 2017

Varandas

Há coisa de duas, três semanas, um dos meus vizinhos mudou-se para a varanda. Faz lá tudo. Dorme, come, faz as necessidades. Tudo. É um pouco inaudito, eu sei, mas no meu prédio estão sempre a acontecer coisas do género. Bom, quase tudo, não faz amor com a mulher na varanda, ainda não. Transeuntes aglomeram-se na rua para apreciar o vizinho abalconado como se fosse uma atracção circense. O caso bizarro já foi discutido na última reunião extra de condóminos. Curiosamente, criaram-se duas facções entre sexos. Os homens simpatizaram com o vizinho, as mulheres reprovaram o seu comportamento em uníssono agudo. Depois começaram a falar de capoto e telas e a coisa ficou menos interessante.
Encontrei a mulher desse vizinho no elevador - é sempre no elevador - que me confessou toda a verdade. A senhora sempre simpatizou comigo, talvez porque tenho cara de padre confessor.
"Ele está a combater o Medo. O medo de alturas, o impulso de se lançar da varanda. O meu marido é muito radical. Confronto, confronto. Não vai sair de lá enquanto não conseguir vencer esse medo."
"Poderia fazer hipnoterapia", aconselhei.
"Ah. Ele também tem medo de hipnoterapeutas".
"Nesse caso, está no bom caminho."
"Acha que sim?"
"Eu acho que sim, minha senhora."

segunda-feira, setembro 18, 2017

"Os Tormentos de Sto. Antão", Miguel Ângelo

História

Enquanto escovava os dentes, ocorreu-me escrever sobre as 24 horas da vida de Marco, um professor católico homossexual, narcísico, que, nos tempos livres, é um poeta obcecado por sexo, morte, religião e bebida; embarca ainda em fantasias em espiral sobre Unicórnio, um estudante loiro, jovial, inteligente, que deve ser protegido a todo o custo de conspiradores Illuminati.


Sentei-me, fui ver na net como se escrevia Illuminati e, para minha surpresa e por vias travessas do Google, descobri que esta história já tinha sido escrita por um escritor libanês que ninguém conhece.
Bom. Se a ideia então é copiar, então vou copiar dos melhores.

terça-feira, setembro 05, 2017

segunda-feira, setembro 04, 2017

Paralisia do sonho


Ilustração de Lumagro


Acabei por adormecer. No centro do meu sonho, uma dessas mulheres brancas ocupa a praceta da minha fortaleza tomada pelos bárbaros que se uniram contra mim enquanto ainda estava acordado. À medida que respiro, a mulher de pedra cresce, torna-se numa gigante, o seu corpo imenso enche o balão do meu sonho. Os pensamentos-bárbaros já se tinham dispersado, a minha cabeça pertence agora àquela mulher de pedra que era tão alta como a torre do governador que era bastante parecida com a Torre dos Clérigos. Cá em baixo, junto à base da mulher, o meu pai fumava um cigarro. Calças de ganga, camisa preta aberta até ao peito, a outra mão enfaixada numa ligadura. Parecia que estava a posar para uma fotografia. O meu pai é muito vaidoso, até nos sonhos dos outros. A minha mãe está na outra ponta da base, muito inquieta, sempre nervosa, muito menos fotogénica. Os dois não se vêem. Parecem-me mais opostos do que nunca, mais contrários do que o “Sim” e o “Não”. Uma espiral desenrola-se a partir do centro estendendo-se por toda a praça cor de caramelo. Há ladrilhos de várias cores aqui e ali, violeta, azul-marinho, laranja, tinto, não obedecem a nenhum padrão. As casas à volta da praça são antigas e bonitas, com janelas e varandas com roupa a secar. Algumas têm buracos nas paredes que servem de refúgio para as pombas. Numa das ruas que desemboca na praça, há um armazém em ruínas, foi destruído por um incêndio que deflagrou pouco antes da invasão dos pensamentos bárbaros. Como que por milagre, centenas de pastas, cartas e rótulos de garrafas de Vinho do Porto sobreviveram ao fogo, o chão estava forrado com camadas de papelada. Dois soldados mal-amanhados fuçam esses documentos, procuram algo de valor. A enorme da sombra da mulher de pedra cobre completamente a única igreja da fortaleza que é em tudo igual à igreja de Santa Marinha da beira-rio. Uma figura alta e esguia sai disparada pela enorme porta de madeira. É um padre. É cara chapada e chupada do pároco de Santa Marinha e parece confuso: seria obrigado agora a adorar a mulher gigante em vez de se ajoelhar perante a cruz?

O sonho é “meu”, mas não consigo comandar o desenrolar dos acontecimentos. Sou o actor e o espectador do meu próprio sonho. O padre e os outros podem fazer aquilo que lhes apetece, não tenho controlo nenhum sobre o que se passa na minha cabeça quando estou a sonhar. Ele começa a agitar os braços e a rezar cheio de devoção à sua nova deusa. As pedras a seus pés ganham bocas de velhas engelhadas e as orações são sardaniscas vermelhas verdes e prateadas, com chifres, que começam a trepar pelo corpo branco da mulher de pedra. Os mendigos arrastam-se pela praça até chegarem à base da nova deusa e mal tocam na pedra transformam-se em centenas de pardais que levantam voo, escurecendo a praça por alguns segundos.
As lojas fecham. Rebenta um surto de peste e cólera pela cidadela que implora para ser devastada pela doença. As poucas pessoas que ousam pôr os pés na rua carregam um saco preto. Quando se cruzam, pedem ao outro para enfiar a mão no respectivo saco. A mão vem com uma pequena bola que irá ditar o destino da pessoa que carrega o saco preto. Um homem bastante parecido com o senhor Amadeu é conduzido por um pónei-guia que tem um pelo baio comprido, muito luzidio, muito bonito. O meu dentista aproxima-se com um colar feito de próteses dentárias. Pede-lhe para tirar uma bola do seu saquinho preto. O sócia do senhor Amadeu começa a disparar insultos, “Então você não vê que eu sou cego, seu imbecil?”, até o vozeirão de locutor de rádio era parecido com a voz do senhor Amadeu; o meu dentista - que é meio pitosga, mas não é cego - desdobra-se em mil desculpas e oferece-se para lhe tratar dos dentes durante dez meses. Raminhos de hortelã-pimenta brotam entre as fendas das pedras da calçada onde o dentista se encontra e o pónei-guia começa a comer as ervas. Falam como se eu não existisse e, no entanto, vivem todos dentro da minha cabeça. Os meus sonhos são tão espantosos que quando acordo com a minha mãe a chamar-me da cozinha, desperto sempre enclausurado no próprio sonho e isto reproduz-se até ao infinito. A minha vontade não existe quando estou a sonhar, só me resta aceitar esta ilusão tal como ela é.