quarta-feira, fevereiro 22, 2006

Mais Águasfurtadas

Na próxima quinta-feira, dia 23, a livraria "Sem Mais Nem Menos" (Rua Mártires da Liberdade, 130, Porto) recebe a primeira sessão de apresentação da revista. A sessão terá início às 22h00 e contará com a presença e participação de Ana Luísa Amaral, Rui Lage, José Carlos Tinoco, António Pedro Ribeiro entre outros. Para além de um pequeno concerto com o clarinetista João Pedro Santos que interpretará, entre outras, a peça de Rui Miguel Dias incluída no CD da revista.

E, claro, juntamente com "O Jogo" e "As Receitas d'Avó", comprem/peçam emprestado (mas não roubem que é feio) a revista literária do momento e daquele que vem a seguir.

A Traição


quando do cavalo de tróia saiu outro
cavalo de tróia e deste um outro
e destoutro um quarto cavalinho de
tróia tu pensaste que da barriguinha
do último já nada podia sair
e que tudo aquilo era como uma parábola
que algum brejeiro estivesse a contar-te
pois foi quando pegaste nessa espécie
de gato de tróia que do cavalo maior
saiu armada até aos dentes de formidável amor
a guerreira a que já trazia dentro em si
os quatro cavalões do vosso apocalipse


Alexandre O'Neill, Poesias Completas

segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Apelo















Josef LIESLER

Faço daqui um apelo às autoridades competentes para me aplicarem o termo de identidade e residência nos próximos meses. É um favor que me fazem. É a minha integridade física que está em jogo.
Ontem, saí de casa e não consegui caminhar para chegar já não sei bem onde. A campanha de conspiração dos deuses contra a minha pessoa já começou, tenho a certeza.
Hoje, a senhora com um ar distinto do café enganou-se no troco e não sorriu para mim como habitualmente.
E, como se não bastasse, a lua já não muda de quartos e ainda ninguém fez nada.

sábado, fevereiro 18, 2006

Emily (2)

A Bíblia é um Livro antigo -
Escrito por Homens já desaparecidos
Por sugestão de Espectros Sagrados -
Temas - Belém -
Paraíso - a velha Morada -
Satanás - o Brigadeiro -
Judas - o Grande Infractor -
David - o Trovador -
Pecado - um reconhecido Precipício
A que outros devem resistir -
Os Rapazes que "crêem" são solitários -
Os outros estão "perdidos" -
Tivesse a História melhor Narrador -
E todos os Rapazes viriam -
O Sermão de Orpheu cativava -
E não condenava -

terça-feira, fevereiro 14, 2006

Fada dos dentes - a vingança


Mais uma vez, enquanto conduzia, caíu-me um pedaço de dente, assim, do nada. A minha cara começa a ficar encovada antes do tempo, e acredito sinceramente que padeço de uma nova doença: a lepra dentária, muito pior do que a vulgar cárie.

Nunca mais, repito, n-u-n-c-a m-a-i-s, torno a discutir com a Fada dos Dentes, a única mulher que gostava de mim por aquilo que não era.

segunda-feira, fevereiro 13, 2006

O boato mais inútil

Miller e o Bukowski só não chegaram a vias de facto, devido às bolhas protectoras dos egos que envolviam e protegiam estes dois indivíduos com cadastro.

Há quem diga, porém, que foi o bafo de Charles que fez com que Henry recuasse no último segundo, nessa conferência.

Actualmente, o embate assumiu a forma de guerrilha nas livrarias e bibliotecas, locais que favorecem naturalmente este tipo de ocorrências.

domingo, fevereiro 12, 2006

Plantas de insónia



Ofereceste-me plantas de insónia
que tenho sabido muito bem tratar

Enrolam-se em mim
porque precisam do ar que respiro

Eu: sou de uma estranha estirpe
e o meu espelho sabe disso

Sorrio todas as noites à sua frente
e do seu poder de matar

A minha casa deixou de ser minha
para ser das plantas que me deixaste

Quando me deixaste.

quarta-feira, fevereiro 08, 2006

Allah Akbar

Ontem à noite, depois de jantar em casa dos meus progenitores - que me proibiram terminantemente de comer ração seca para cães misturada com leite do dia - fui vítima de um ataque cobarde e miserável.
Enquanto caminhava em direcção ao meu bólide para recolher à minha toca, reparei, ao longe, na presença de vários gatos pretos em cima do carro.
Por mais tempo que viva, nunca hei-de esquecer aquele olhar de ódio que aqueles animais lançaram sobre mim, pouco antes da investida que se seguiu. Um dos felinos, que julgo tratar-se do gato Alfa (não sei se é assim que se designa o chefe dos felinos) abriu as goelas e gritou:
- Allah Akbar! Inch'Allah!!
De repente, saltaram vários gatos pretos na minha direcção, sacaram os seus sabres e tentaram atingir-me com vários golpes. Consegui abrir a custo a porta do carro, arranquei prego a fundo e creio que atrolopei um ou dois durante a fuga. Em seguida, ouvi vários estrondos que pareciam ter rebentado mesmo atrás de mim. Olhei pelo retrovisor e vi que os gatos eram, nada mais, nada menos, de que mártires suicídas, mas, para minha sorte, o detonador ou a bomba relógio deveriam estar regulados pela hora de Verão.

Mais tarde, ao tratar das feridas com vodka ucraniana - muito má para ser ingerida e apreciada - acalmei-me e consegui fazer a reconstituição dos factos: tenho o péssimo hábito de deixar revistas e livros espalhados na "chapeleira" do meu carro. Um dos livros era o último de Paulo Coelho, juntamente com uma revista que ilustrava os cartoons polémicos sobre o profeta Maomé.

terça-feira, fevereiro 07, 2006

A Primeira Vez que Entendi



A primeira vez que entendi do mundo
alguma coisa
foi quando na infância
cortei o rabo de uma lagartixa
e ele continou mexendo.

De lá pra cá
fui percebendo que as coisas permaneceram
vivas e tortas
que o amor não acaba assim
que é difícil extirpar o mal pela raiz.

A segunda vez que entendi do mundo
alguma coisa
foi quando na adolescência me arrancaram
do lado esquerdo três certezas
e eu tive que seguir em frente.

De lá pra cá
aprendi a achar no escuro o rumo
e sou capaz de decifrar mensagens
seja nas nuvens
ou no grafite de qualquer muro.


Affonso Romano de Santa'Anna, in "Vestígios"

Águas Furtadas




Ele há coisas que recuso terminantemente fazer neste blog; uma delas é divulgar revistas literárias de qualidade irrepreensível:

Parabéns ao Rui Amaral e à Luísa Marinho e restantes conspiradores.

quinta-feira, fevereiro 02, 2006

o poeta

o poeta - esse mesmo que vende arrobas de mentiras sem saber exactamente porque o fez, para, em seguida, confessar-se a pés juntos na ponte de pedra e chamar por quem nunca o ouve - não faz mais do que aceitar o seu destino:

- desenhar grandes cogumelos vermelhos nas vidraças das salas de escolas primárias, sorrir, afastar-se e atirar pedrinhas, de longe.

emily


Nunca me senti em Casa - Cá me baixo
E nos Aprazíveis Céus
Não me sentirei em casa - eu sei -
Eu não gosto do Paraíso -

Porque é Domingo - sempre -
E o Recreio - nunca chega -
E o Éden serão solitárias
Claras Tardes de Quarta-feira -

Se, ao menos, Deus fizesse visitas -
Ou Sestas -
E deixasse de nos ver - mas dizem
Que Ele - por um Telescópio

Perpétuo nos olha -
Eu própria fugiria
D'Ele - e do Espírito Santo - e de Todos -
Não fosse o "Juízo Final"!


Emily Dickinson, "Esta é a Minha Carta ao Mundo e Outros Poemas"
Trad.: Cecília Rego Pinheiro
Assírio & Alvim