quinta-feira, maio 28, 2020

O Método

P: E segue algum método especial?
R: Quando as temperaturas sobem, repito sempre o mesmo comportamento de risco: vou à prateleira, pego no Bukowski, no Carver, no Saroyan, no Fante e releio as passagens sublinhadas ao longo destes anos. Durante três dias, é este o meu "binge", a minha obsessão. É engraçado que só faço isto, só aplico este método no Verão. Talvez por serem autores tão "viscerais", têm uma força animal que os impele, a todos eles, talvez seja por isso que só o faço quando o calor aperta.
P: E então escreve?
R: Depois, esgazeado por uma embriaguez de alto teor literário, tento escrever algo e, claro, espremo, espremo e nada se aproveita. Ainda assim, sou muito persistente, não..., qual é a palavra? Resiliente. É isso, sou muito resiliente. Risco a maior parte e ponho algumas passagens, algumas frases de molho para voltá-las a ler com olhos de ver dentro de onze dias.
P: Onze? Porquê onze?
R: O onze é um número mestre na numerologia, na geometria sagrada, etc. É o meu número da sorte também.
P: Que interessante. Mas e então? Passados esses onze dias aproveita alguma dessas frases?
R: Não. É claro que não.

quarta-feira, maio 27, 2020

O Caça-Balões




O fim do repouso é ditado pelo senhor Alfredo ou Caça-Balões como aqui é conhecido. É o primeiro a sair de casa, anda sempre com uma barba de três dias, arrasta o andar até meio do terreiro do Monte e pára por uns segundos para lançar um olhar estranho sobre a roupa ressequida pendurada na pequena mata de estendais. O Monte está deserto, parece que está à espera que algo aconteça. O Monte é um Grand Canyon em ponto pequeno. O lábio inferior do senhor Caça-Balões tem uma pequena cova de lado para pousar o cigarro, como um cinzeiro. Ele ajeita as calças e monta a sua motorizada estafada, uma Sachs velhinha, que apesar da idade ainda tem forças para ir daqui ao sol e voltar. O senhor Caça-Balões sai de casa já com o capacete posto na cabeça alongada. Uma vez fui casa dele levar um arranjo de costura à mulher, à Martinha, a mando da minha mãe, e fiquei espantado ao vê-lo com a cabeça desprotegida, estava à espera de o ver de capacete dentro de casa e...parecia outro homem, mais magro ainda, cabelo só nos lados da cabeça, estava de calções sentado no sofá, as veias salientes a contornarem as pernas ossudas, as mãos enormes pousadas sobre os joelhos. Lembro-me que sorriu para mim com os seus olhos cinzentos, tinha umas enormes bolsas debaixo dos olhos que também acompanharam o sorriso, sorriam com o ar mais bondoso do mundo e convidou-me para entrar, "não fiques especado à entrada, entra, entra, o teu pai está bom?".

O barulho da Sachs do senhor Caça-Balões acorda toda a gente que mora no Monte e arredores, desde a Beira-Rio ao Candal. E então acaba-se o sossego dos sábados de tarde. A velha e caprichosa mota faz "ratéres" estrondosos quando bem lhe apetece, provocando a largada das mulheres e da canalha para a rua, todos a dispararem palavrões e chistes ao mesmo tempo. O senhor Caça-Balões é como aquele flautista alemão que atraiu os ratos e as crianças para fora da cidade, só que no caso dele, apenas as crianças o seguem, com os tímpanos rompidos, aos berros e aos pinotes, enquanto engolem um rasto de fumo preto.


Acredito que as pessoas mais velhas do Monte têm uma roda da sorte dentro da cabeça que as obriga a falar da maneira como falam. As palavras que dizem são sempre as mesmas, só que um dia dizem-nas de uma maneira, outro dia de outra; essas palavras parecem fazer sentido nas suas cabeças e então repetem-nas várias vezes por dia até os mais novos as encaixarem nas respectivas cabeças, mesmo quando não lhes apetece. Acho que à medida que crescemos e amadurecemos, a roda da sorte de palavras que temos dentro da nossa cabeça vai ficando cada vez maior até que chega uma altura em que a roda deixa de crescer e depois, sem darmos conta, é chegada a nossa vez de repetirmos as mesmas palavras que os falecidos diziam, por esta ou aquela ordem. Até que a tal roda da sorte das palavras encrava de vez ou então deixamos de ter forças para girá-la dentro da nossa cabeça e calamo-nos para sempre.

"Contos de Gaveta"

sexta-feira, maio 22, 2020

sexta-feira, maio 08, 2020

Choderlos de Laclos





















"Quando uma mulher ataca o coração de outra, raramente falha, e a ferida é invariavelmente fatal".

"O nosso ridículo cresce na proporção em que dependemos dele."
„O nosso ridículo cresce na proporção em que nos dependemos dele.“

Referência: https://citacoes.in/citacoes/566042-pierre-choderlos-de-laclos-o-nosso-ridiculo-cresce-na-proporcao-em-que-nos-de/
 
 

Pierre Ambroise François Choderlos de Laclos nasceu em 18 de Outubro de 1741, em Amiens, França.

Laclos estudou na Escola Real de Artilharia de La Fère. Quando se formou, iniciou uma carreira de 25 anos no Exército. Como jovem tenente, serviu brevemente numa guarnição em La Rochelle até ao final da Guerra dos Sete Anos (1763) e passou mais tarde em Estrasburgo (1765-1769), Grenoble (1769-1775) e Besançon (1775-1776). A estadia de Laclos em Grenoble terá sido um dos períodos mais felizes da sua vida e terá servido de inspiração ao seu único romance, Les Liaisons Dangereuses ("Ligações Perigosas", 1782). Laclos foi promovido a capitão em 1771, mas sentia-se cada vez mais aborrecido com a vida militar e começou a dedicar o seu tempo livre à escrita.

Les Liaisons Dangereuses foi publicado por Durand Neveu em 1782; o livro foi considerado escandaloso, mas foi um sucesso generalizado, vendendo 1000 exemplares em um mês - um valor excepcional para a época. O romance foi considerado por alguns como um ataque à sociedade aristocrática e à moral sob o Ancien Régime; os superiores militares de Laclos ficaram indignados com o romance devido às suas implicações políticas e ordenaram imediatamente a Laclos que voltasse à sua guarnição na Bretanha. No ano seguinte, foi enviado para La Rochelle para colaborar na construção do novo arsenal e foi aqui que conheceu Marie-Soulange Duperré com quem se casaria em 1786.

Em 1985, Les Liaisons Dangereuses foi adaptado para uma peça de teatro da Companhia Real de Shakespeare pelo dramaturgo inglês Christopher Hampton. O seu sucesso levou ao filme "Ligações Perigosas" em 1988, realizado por Stephen Frears e protagonizado por John Malkovich, Glenn Close, Michelle Pfeiffer e Uma Thurman. 





quarta-feira, maio 06, 2020