quarta-feira, dezembro 28, 2011

Kitchenette,
Grinderman

terça-feira, dezembro 27, 2011

Let us pray to our Lord, the almighty god Miché

As casadas à frente das moças. As moças à frente dos homens. O sacerdote levanta os braços e forma um O esguio, uma elipse. Move-os ora para a esquerda, ora para a direita. As casadas primeiro, depois as moças que são imitadas pelos homens. O sacerdote alça uma perna e depois a outra. Saltita várias vezes e vocifera a prece. As casadas primeiro (...). A chuva que vem dos Montes Áureos é um bom presságio. Olham todos para cima e esticam o pescoço com as mãos na cintura. O sacerdote pega na vara sagrada e segura-a no ar com ambas as mãos. Todos baixam a cabeça em sinal de respeito. O sacerdote aponta a vara para o homem mais velho que se deita no chão com a cara na terra. Esta foi a sua última cerimónia. Será ele o sacrificado.

sexta-feira, dezembro 23, 2011

Série Xoodíaco - Porco-preto


Porco-preto  -21/12 a 19/01 (corresponde ao mês Nivoso para aqueles que regem o tempo segundo o calendário da revolução francesa)


É o primeiro signo do Xoodíaco e não é governado por nenhum planeta, pois é completamente ingovernável. A sua cor é o preto ou preto com algumas manchas brancas aqui e ali. Alimenta-se exclusivamente de carne de porco quando está apaixonado(a). Consegue farejar e detectar sentimentos nobres naqueles que o rodeiam, mesmo quando estes não passam de uns grandes bastardos aos olhos dos outros.

Não conseguem expressar os seus sentimentos e metem os pés pelas mãos e as mãos pela pélvis. Quando conquista a pessoa armada, o nativo deste signo torna-se cronicamente ciumento e possessivo, não partilha o ente querido com ninguém. No entanto, sabe ser muito encantador e com o tempo aprende a ouvir as necessidades do seu amado, mesmo quando a cara-metade se encontra na outra ponta da casa. O nativo do sexo masculino do último decanato não tem maneiras à mesa e devora quase tudo o que lhe põe à frente. Não aguarda até que mais de metade da mesa seja bobonicamente servida, pois é tão sôfrego como uma retroescavadora. A mulher é mais requintada, podendo ser muito sensual, gosta de usar decotes (o)usados e até poderá lamber os dedos do acompanhante num jantar mais íntimo. Tem tendência para a obesidade e, normalmente, tem uma ninhada de leitoezinhos.

Quando a vida lhes corre de feição, são muito generosos e gostam de organizar festas e conviver com os amigos dos seus amigos. Regra geral, não têm muito bom gosto na decoração da casa e qualquer pardieiro lhes serve. Todos os seus bibelôs e cacos guardam sempre uma história “engraçada” (pelo menos, para eles).

Não gostam de ler nem são grandes melómanos. Questionam a qualidade de uma obra de arte contemporânea quando mais ninguém tem coragem para o fazer. Têm muito jeito para os negócios e são muito empreendedores. Empreendem suiniculturas ou matadouros, equipando-os com a mais recente tecnologia e não olham às meias para contratar mão-de-obra altamente qualificada. Desprezam imperialmente vegetarianos.

O Porco-Preto sabe desligar-se da realidade como ninguém. Nesses momentos de aparente introspecção, nada existe, nem mesmo se sussurrarem ao ouvido as lindas histórias da Condessa de Ségur ou do Leopold von Sacher-Masoch.

Por mais que tentem, não conseguem contrair doenças do foro psíquico, nem compreendem a existência de psis. Quando desejam relaxar, apreciam particularmente o assobio de uma chaleira a ferver ou refugiam-se no campo para escutar o terno rachar dos lenhadores.


terça-feira, dezembro 20, 2011

Boas festas

"Por mais revisteira que esta observação possa parecer, Portugal é um rebordo de sanita frio para a maior parte dos Portugueses. O pior de tudo é que lavámos as mãos tal como o Pôncio. Não é esse, é o outro. Passámos muito tempo a emborcar porcarias com o consentimento dos papás e a farparmo-nos no corredor como se não houvesse amanhã." - disse o porco-preto.
"Se não nos virmos antes, boas festas." - respondi.

quarta-feira, dezembro 14, 2011

"Poème électronique"

Edgar Varése
1958. Repito, de 1958.

terça-feira, dezembro 13, 2011

Em frente ao espelho


- Instale o solenóide de bloqueio das mudanças alinhando a junta do êmbolo do solenóide de bloqueio das mudanças com a ponta do batente de bloqueio das mudanças e, em seguida, empurre o solenóide de bloqueio das mudanças para a alavanca das mudanças com segurança. Prima o interruptor D3 várias vezes e verifique-o quanto a continuidade entre o interruptor D3/solenóide de bloqueio das mudanças/interruptor da cavilha de estacionamento/terminais N.ºs 5 e 6 da ficha da luz do painel indicador da posição das mudanças da A/T. You talkin to me? Deverá alternar entre continuidade e não continuidade entre os terminais cada vez que o interruptor D3 for pressionado. O mecanismo de bloqueio da embraiagem do conversor de binário funciona na posição D (2ª, 3ª, 4ª e 5ª) e na posição D do modo de condução D3. Verifique a continuidade entre o terminal A36 da ficha ECM e o terminal nº 39 da ficha de 46P da unidade de controlo-modulador do VSA. You talkin to me? Verifique se não existem más ligações ou terminais soltos no módulo de controlo do indicador (conta-rotações), na unidade de controlo-modulador do VSA e no ECM. Retire o suporte (A) da cablagem e cubra a ficha de sensor da relação ar/combustível (A/F) e a ficha do sensor secundário do oxigénio aquecido (HO2S secundário) com fita para proteger as fichas do líquido de arrefecimento do motor e, em seguida, retire o tubo flexível inferior (B) do radiador, os tubos flexíveis (C) do bypass da água e o tubo (D) do aquecedor. You fuckin talkin to me? Aplique uniformemente junta líquida, Ref.ª de Peça 08C70-K0234M, 08C70-K0334M ou 08C70-X0331S na superfície de contacto da cabeça do motor da saída de água. Ligue o terminal N.º 1 da ficha de 36P do módulo do controlo do indicador (conta-rotações) à massa da carroçaria com um shunt. Who the hell are you talkin to? A ventoinha do condensador do A/C funciona a baixa velocidade, mas não funciona a alta velocidade quando a temperatura do líquido de arrefecimento do motor é superior a 90ºC. Rode manualmente o parafuso central no compressor de prato de pressão no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio e, em seguida, monte manualmente dois parafusos de fixação do prato de pressão para segurar o prato de pressão (B). Meça a profundidade dos rebites, a partir da superfície (A) do revestimento do disco da embraiagem até aos rebites (B), em ambos os lados. Well, I'm the only one here.

quarta-feira, dezembro 07, 2011

Paths of Hate

Apresentação de "Paths of Hate", escrito e realizado pelo polaco Damian Nenow

quarta-feira, novembro 30, 2011

Macaquinhos na cabeça

























Monkeys in my head
Mark Bryan
"

quarta-feira, novembro 23, 2011

O camionista


Encostou o camião e saiu da cabina como se estivesse com o rabo a arder. Levou as duas mãos à barriga e desceu a vala que separava a via dos campos. Encheu o peito de estrume e tirou o maço de tabaco que estava no bolso da camisa. Pôs-se a olhar para as vacas e para os vitelos que de vez em quando rodavam a cabeça e agitavam a cauda. O fumo do cigarro subia a direito, não havia ponta de vento. Voltou a encher o peito de estrume. Estava no meio da Estremadura espanhola. Agachou-se como um aborígene e pegou com os dedos num tractor que rasgava a terra ao longe. Sentiu o sol do Outono a acaraciar-lhe o rosto e fechou os olhos. Pensou como seria ser enterrado ali num dia bonito como o de hoje. Atirou a beata e cuspiu em cima de um rebento.
- Não me dou com gente.
Saltou a vala e entrou no camião. Uma carrinha branca passa por ele a grande velocidade e buzina duas vezes. Agarra o volante e olha para debaixo do tablier. O cão moribundo olha para ele. Roda a chave e o arranque do motor faz tremer a cabina. O tapete está coberto de sangue.

sexta-feira, novembro 18, 2011

quinta-feira, novembro 17, 2011

História dos Pedros



O que é que vocês andam a fazer Pedro I, Pedro da Silveira, Pedro Maria da Rocha Cunha e Serra, Pedro Gambôa, o que é que vocês andam a fazer Pedro Pan, Pedro Fonda, Pedro Doherty, Pedro Frampton, Pedro Illyich Tchaikovsky, o que é que vocês andam a fazer Pedro Gabriel, Pedro, O Grande, Pedro Ustinov, Pedro Paulo Rubens, Pedro Parker, Pedro Jackson, Pedro Falk, o que é que vocês andam a fazer Pedro O'Tool, Pedro Cech, Zé Pedro dos Xutos, O que é que vocês andam a fazer Pedro Álvares Cabral, São Pedro, Pedro Homem de Melo, Pedro António Correia Garção, Pedro Barbosa, Pedro Laureano Mendonça da Silveira, Pedro Lopes Martins, Pedro Miranda Albuquerque, Pedro Mexia, o que é que vocês andam a fazer Pedro Oom, Pedro Sena-Lino, Pedro Tamen, o que é que vocês andam a fazer Pedro Sellers, Pedro Clodt von Jürgensburg, Pedro Almodovar, Pedro Louÿs, hein, o que é que vocês andam a fazer?

(tradução livre qb do original de Jean-Michel Espitallier)

terça-feira, novembro 15, 2011

O homem-bala


O homem-bala, antes de ser o incrível homem-bala de que toda a gente fala, desejou ardentemente ser anjo e alguns dizem que até chorou lágrimas de sangue para que Deus Misericordioso fizesse a sua vontade. Deus Obsequioso tomou conhecimento do desejo do homem-bala, mas teve de adiar pois estava a dar formação no Colégio Superior dos Palotinos das Cabeças Exaltadas, em Doaula. Com o nervoso a trabalhar, mandibulou muitas galinhas e enfardou muito arroz de tamboril para se acalmar.
- Do que me serve andar assim? - pensou.
Assumiu a sua vocação, desceu das nuvens e resolveu ser o que os seus pais queriam que ele fosse. A sua mulher - tinha medo dela - queria que ele fosse faroleiro. O que ela realmente queria era passar mais tempo com o dono do circo que era seu amante. Nos primeiros anos de casamento, o homem-bala adorava passear de braço dado com ela, calcorreavam mil passos pelas cidades e vilas por onde passavam. Agora, nem por isso. As más-línguas dizem que o Eliseu, o dono do circo, a seduziu com dentes de ouro e a promessa de uns peitinhos maiores. Pouco a pouco, o homem-bala e a mulher deixaram de se trepar. O seu casamento não era mais do que um triste e arrastado ajoujo.
O homem-bala refugiou-se no seu trabalho, no seu velho canhão. Escorraçou Kant, o elefante que lá vivia, tirou à pá os excrementos que o paquiderme tinha deixado e começou a treinar arduamente. Em breve, estaria de volta! Em breve, iria reviver a emoção do primeiro dia, do primeiro mergulho nos ares, iria ouvir os "aahh"s, os gritos do público.
O Canhão da Morte eleva-se, todos sustêm a respiração, o bombo ensurdecedor, o Homem-Bala leva as mãos às suas bolinhas arménias e fecha os olhos.

Artaud, o bispo



















"Methuselah" de Jean Painlevé

sexta-feira, novembro 11, 2011

Prole idiota

Um dos meus maiores medos é vir a ter um filho idiota ou arrogante, pelo que frequento regularmente cartomantes certificadas que me lêem a palma da mão:
- o seu filho irá ser inteligente como o pai, será belo como a mãe, terá as mãos grandes e vai ser muito forte e generoso como a Sophia Loren no auge da carreira.
- o seu filho não irá esquecer-se do nome das pessoas que conheceu e tratará condignamente os pais, pois irá detestar cogumelos. Quem come cogumelos, fungos e almiscaros tende a ignorar os pais.
- o seu filho não será ludibriado por vendedores porta a porta que se fazem passar por exterminadores de pragas.
- o seu filho poderá muito bem entreter e contar belas histórias a familiares de doentes em fase terminal em salas de esperas de hospitais públicos sem ser insensível ou inoportuno ou invasivo.
- o seu filho nunca irá cuspir ou vomitar em público, excepto se lhe contar inadvertidamente que já leu Nicholas Sparks.
- o seu filho será campeão distrital de damão em Damão.
- o seu filho não será nem imbecil nem onicófago.

quinta-feira, novembro 10, 2011


segunda-feira, outubro 31, 2011

sexta-feira, outubro 28, 2011

Série Xoodíaco - Ampulheta (02 Março-01 Abril)


 Desenho de Miguel Moreira

Os nativos deste signo fazem os possíveis para serem funcionários exemplares. Nunca se atrasam nem nunca se adiantam e raramente pedem atestados médicos para poderem repousar uma ou duas semanitas. As suas qualidades laborais são incomparáveis. Se as contas da sua empresa estiverem nas mãos de um Ampulheta, é provável que o barco ainda se aguente por mais algum tempo antes de ir completamente ao fundo (a insolvência da empresa foi provocada por “clientes que se esqueceram de pagar a cento e trinta dias - o conselho de administração oral fez tudo o que estava ao seu alcance para salvar a empresa”). Nunca fazem horas extraordinárias, porque:
1. Não foi isso o combinado quando foi contratado

2. Não precisam de o fazer, dado que são muito eficientes e proactivos.
Não se deixam enganar por promessas falaciosas de aumentos no final do ano e de pagamentos por fora. Quando a esmola é grande, o Amp. desconfia. Têm de ver a cor do dinheiro. O seu 11º Mandamento é:
 -Não aceitarás cheques pré-datados.
Uma das características mais vincadas dos Amp. é a sua obsessão por roupa. Mudam de camisa várias vezes ao dia e fervem de prazer quando o fazem. São capazes de perder a pose ao ponto de abraçar ou até roubar um beijo ao patrão se este usar um fato Armani ou Zegna. Não conseguem ver estafermos mal amanhados. Cuidado leitor! Não faça guizos de valor precipitados, trata-se de uma maleita hereditária. Uma boa parte da população Amp. sofre da síndrome de Brummel: a sua visão filtra naturalmente criaturas mal vestidas ou fora de moda. A sua sensibilidade face à indumentária faz pandam com a sua indiferença perante os que não estão na moda. À noite, veste o robe de seda e fuma a sua cigarrilha blasé, encarnando um Decadentismo algo mascavado.
O Amp. tem a perfeição no gesto, é muito equilibrado nas suas escolhas. É enfadonhamente previsível e tem horror a imprevistos. Se gostou da organização de certa agência de viagens, será seu cliente até morrer, ainda que a Benidortour organize sempre pacotes turísticos para o mesmo destino, todos os anos. Se apreciou o atendimento de um restaurante recomendado por um amigo (que nunca mais lá voltou), é bastante provável que leve lá a namorada ou esposa todas as semanas do ano (para grande regozijo da consorte). 
Vê-se como uma espécie de vedeta e modelo a seguir no seu pequeno mundo. É uma forma semi-inconsciente de se desligar da sua realidade pequeno-burguesa. Selecciona cuidadosamente o seu círculo de amigos. Categoriza-os de acordo com a sua idade, peso e estatuto social. Gosta de ler revistas femininas que incluam amostras de perfumes e devora best-sellers de capas lustrosas. Não perde uma única comédia romântica e fica sempre muito admirado com a realização de ciclos de cinema independente – “quem é que no seu perfeito juízo pode patrocinar aquilo e, pior ainda, quem é que ainda tem paciência para ver aquilo?”.

terça-feira, outubro 25, 2011

Machine Gun,
The Commodores

sexta-feira, outubro 14, 2011

Um homem crescido


Um homem crescido não pode beber demais, um homem crescido não pode beber demenos. Caso contrário e, se todos os presentes concordarem, tudo isto poderá acontecer:
- na hora opressiva da siesta, o homem crescido pode abrigar-se numa cesta e adormecer. Se alguém tocar uma melodia melíflua, o homem pode muito bem sair da cesta e dançar ao som da flauta. Com os olhos semi-fechados, faz movimentos ondulantes com o torso e, de vez em quando, põe a língua de fora, sem nunca sair da cesta. A melodia chega ao fim, o homem crescido recolhe-se e continua a sua siesta.
Na verdade, o homem crescido não está a dormir, está a espreitar pelo vime e aguarda que todos regressem a casa. O homem crescido está cheio de vergonha. Mas a vergonha passa e dá lugar à solidão que é a sua fiancée.


quinta-feira, outubro 13, 2011

Money
Flaming Lips (feat. Henry Rollins)

segunda-feira, outubro 03, 2011


sexta-feira, setembro 30, 2011

30 de Setembro - Dia da Tradução


http://mox.ingenierotraductor.com/

terça-feira, setembro 27, 2011

O Génio da Lâmpada Eco

 
- Onde é que estou, meu Deus? O que me aconteceu?
Barcelo estava estendido no chão, agarrado ao lençol, ao lado da cama. À sua frente estava um homem enorme de pele azulada. O homem usava apenas um colete e calças largas. Tinha um carrapito e sobrancelhas grossas que lhe davam um ar ameaçador.
- Quem é você? O que faz no meu quarto? - perguntou Marcelo.
O estranho abanou com a cabeça, acusando sinais de desilusão ou talvez de alguma impaciência.
- Sou o Génio da Lâmpada, meu amo. Estou ao seu dispor. Concedo-lhe não um, não dois, mas três desejos. Não aceito desejos acumuláveis de outros génios, nem 3-desejos-em-1. Seja directo e preciso, e evite pedidos ambíguos. Estou às suas ordens, meu Amo.
Farcelo coçou o cocuruto e levantou-se. O Génio da Lâmpada era duas vezes maior do que ele.
- Não acredito em Génios, caro senhor. Acredito em trabalho duro, acredito no sacrífício de levantar cedo todos os dias e trabalhar até de madrugada. É nisto que acredito.
- Sou o Génio da Lâmpada Económica, meu Amo. Posso conceder-lhe três desejos, desde que não ultrapassem o plafond de três mil euros.
Tarcelo começou a fazer contas de cabeça, esboçou um sorriso na parede para o apagar logo de seguida.
- Muito bem! Vou formular o meu primeiro desejo. Quero que as vigas do meu tecto deixem de ter caruncho e quero-as envernizadas como as maçãs vermelhas do supermercado!
- Plim. Já está, meu Amo. Qual é o seu segundo desejo?
Zarcelo olhou para o tecto e sentiu um desejo enorme de trincar as vigas de madeira. Sentiu-se como daquela vez em que encontrou a sua carteira de pele que julgava perdida há muito.
- Desejo que as crianças não me atirem pedras nem berlindes no meu caminho de regresso a casa.
- Plim plim. Meu Amo. Como se trata de um desejo que não pode ser comprovado neste momento, peço ao meu Amo para acreditar na minha palavra de Génio. E qual é o seu último desejo, meu Amo?
Carcelo arrependeu-se mal acabou de pedir o desejo. Se pudesse, teria pedido ao Génio para lhe dar duas belas mulheres. A pele de uma das mulheres teria o doce aroma de cebola caramelizada e trataria da lida da casa. A outra irradiaria uma beleza pré-rafaelita e cozinharia iguarias para ele até ao fim da vida. Ambas adorariam jazz. Nem um nem outra seriam comunistas, e Sarcelo aceitaria pequenos ais, toleraria leves queixumes de emancipação, desde que cumprissem os seus deveres domésticos.
- O meu terceiro desejo...muito bem. Desejo que todos os meus livros sejam lidos por todos. E sempre que alguém sentir prazer ao ler determinada passagem, a sua cabeça deverá iluminar-se tal como um busca-polos quando é ligado a uma tomada com corrente alternada.
- Lamento Sire, mas nem eu tenho poderes para satisfazer o que me pede, nem o plafond acordado me permite concretizar esse desejo.
- Que dizes, Zoroastro? Diacho pró diacho!...Nesse caso, desejo saber qual foi o padrão que Joyce usou para escrever "Finnegans Wake".
- Plim plim plim.
O Génio elevou-se, deu duas voltas sobre si mesmo como fazem os cães antes de se deitarem e desapareceu sem deixar qualquer vestígio de pegada carbónica.

Darcelo levou as mãos à cabeça de tão pesada que estava. Sentia os olhos inchados e um prurido no nariz que lhe dava uma enorme vontade de o coçar. As mãos estavam manchadas com o sangue que escorria das orelhas. Começou a gemer e a ter convulsões horríveis. Não dizia coisa com coisa e nem Deus nem ninguém lhe puderam valer.

sexta-feira, setembro 23, 2011

Liam Brazier

Man Up

segunda-feira, setembro 19, 2011

O jogo

Sim, sou exuberante e espontâneo como um chimpazé que nunca foi baptizado nem crismado. Para celebrar o meu 49.º aniversário, resolvi comprar um apartamento num elegante e haussmaniano edifício na rua Jacques Cazotte com as poupanças de uma vida de borboleta. Convidei todos os meus amigos não declarados e todos os meus inimigos declarados. Estendi o convite à minha actual mulher que ainda se fez rogada por não a ter convidado primeiro. Tive de lhe prometer que lhe compraria um par de mitenes nos Campos Elíseos. Bom, adiante.  
Impus uma única condição que todos, sem excepção, deveriam respeitar: apenas poderiam entrar na minha nova casa se usassem peúgas e calzoncillos. Deste modo, todos estariam em pé de igualdade, por assim dizer. Chegaram todos à hora prevista (+ 1h GMT) e depois de trocarmos muitos elogios e selos raros (o Bauer ofereceu-me um incalculável selo da Namíbia com a efígie do Mr. T. da A-Team de 1985; em troca, dei-lhe o que ele tanto queria - um selo soviete de 50 kopecs com um Lenine jovem, ainda com cabelo), dirigimo-nos em fila indiana para a magnífica sala de estalar. Bebemos, fumámos puros jamaicanos, eu e os meus inimigos renovámos sagradas juras de animosidade. Propus um jogo. Cada um teria de ir à casa de ranho e cortar uma porção de pêlos púbicos. Os pêlos seriam queimados depois numa pequena pira dourada no centro da sala. Aquele que conseguisse fazer uma fogueira maior poderia ficar alojado um ano e um mês no meu apartamento. Bauer praguejou e foi-se embora. Esqueci-me que ele rapa os pêlos antes da chegada do Verão. Botello, que não conhecia Bauer, foi atrás dele. A maior labareda foi atribuída ao Gerlizten que, num acto de profunda comoção, atirou as peúgas e os calzoncillos pela janela fora, tapando-se logo com uma toalha de Vôtre-Dame. O meu amigo valenciano de longa data protestou - nunca me lembro do seu nome - alegando que os seus filiformes demoraram mais tempo a serem consumidos pelo fogo, infestando a casa com um forte cheiro a patatas bravas. Coube-me a mim, enquanto anfitrião e geriatra de renome, apurar o vencedor. Peguei na pira com as cinzas, dirigi-me à varanda e espalhei-as por Paris. Voltei para dentro, subi para cima da mesa, esbugalhei os olhos e ameacei quebrar a pira. O valenciano de cujo o nome não me lembro levantou-se e tentou impedir-me que cometesse tal acto:
- Dá-lhe a ele, dá-lhe a ele, por Dios! - gritou, a chorar.
Estava assim encontrado o nobre vencedor do jogo.

sexta-feira, agosto 26, 2011

Férias

quarta-feira, agosto 17, 2011

Fim de uma tarde de Verão


Uma daquelas avionetas com voz grave sobrevoa a praia com a seguinte faixa:

"Mantenha os velhos fora do alcance dos adul-"
 
Uma segunda avioneta vai no encalço da primeira e puxa a faixa seguinte:

"-tos. Resid. Geriátrica Velha Orleães. Para Grandes Males.."

O último ponto das reticências é o sol que se põe. 


- Ah sim, só morre na praia quem quer - disse o velho Barba Azul que segurava o neto pela mão.


quinta-feira, agosto 11, 2011



Gosto muito
daquilo que faço

Senti paixão
por todas as mulheres que
contracenaram comigo
ao longo destes anos


Tenho um pequeno grande coração
dentro do meu ganha-pão que
se apaixona à primeira vista.

Devemos mesmo de gostar
daquilo que fazemos.



Peter North,
"A North Pole Journey"

quarta-feira, agosto 03, 2011

Um aeroconto

Stairs ainda não tinha feito o pedido e já abanava com o pacote de açúcar que estava em cima do pires.
- Olhe, tire-me outro, por favor.
Stairs lembrou-se do recital de piano que a sua irmã tinha dado na véspera. Por mais que se esforçasse nem uma nota lhe vinha à cabeça. Olhou novamente para o painel das Partidas e Chegadas para confirmar o que já sabia de cor. Para além do número do voo, sabia o número do seu lugar, o ano de fabrico do Boeing no qual iria voar, o número máximo de passageiros, talvez até soubesse os nomes do piloto e do co-piloto. Bebeu o café num gole, sem saboreá-lo. Imaginou o seu avião como uma enorme borboleta tropical: bela, felpuda e inofensiva. Depois imaginou-o como um modelo gigantesco daqueles dumbos eléctricos que há nos shoppings para as crianças. Imaginou ainda pedaços da aeronave incinerados dispersos pela selva e um número de corpos já cobertos com lençóis brancos pelas equipas de socorro.
Fixou o olhar num homem que estava numa das filas de check-in. Não era gordo, mas a barriga acusava uma meia-idade desleixada. Usava uma camisa branca e tinha a testa reluzente de suor. Estava acompanhado por dois miúdos que deveriam ser seus filhos. O mais novo estava a escavar insistentemente o nariz com os dedos. O maior tinha as mãos à cintura como se fosse o super-homem. Estava claramente a usar a sua incrível visão raios-X nas malas.
- Vão morrer todos e não há nada que eu possa fazer - pensou Stairs.
O homem volta-se e olha na sua direcção como se tivesse adivinhado que estava a ser observado. Acena. Stairs fica pálido, sem saber o que fazer. Uma mulher passa a seu lado com 2 latas de Cola na mão. Stairs dedica a sua atenção aquele traseiro comedido em movimento. E, mais uma vez, não pode deixar de pensar no belo coral cheio de moreias e peixes-balão que aquele corpo maduro se vai transformar dentro de algumas horas.

sexta-feira, julho 22, 2011

Tolo

Mansun, "Fool"

segunda-feira, julho 18, 2011

Muito

Havia, não há muito tempo à frente, um homem que vivia com os seus num sopézarrão da maior colina da ilha de Réunion de Condo. O homem chamava-se Muito e era muito chamado por todos. Muito tinha muito gorgulho no seu enorme pomar de lapiseiras. Estas árvores crescem em climas quentes queridos e húmidos e dão lápis grandes e muito sucurápidos. As aparas são utilizadas no fabrico de capotas. Muito revezava ao seu santo, S. Jorge Martinica, p´ra que se abençoasse com muita força ao seu lenço de renda e p´ra que o sacudisse ainda com mais força sobre as suas árvores.
Muitas marés vazaram até que a verdade viesse à tona.
Muito tinha escravos ilegais que, todas as noites, aguçavam sem parar o fruto das lapiseiras, tornando os seus bicos afiados e luzidios, queimando grandes obras-primas afastadas para usar como fertilizante. Isto tudo, no maior e mais vil dos segregados. Lá mais para o fim, as condições em que viviam os escravos tornaram-se principescamente insuportáveis e desumanóides.
Os crimes de Muito foram revelados por um excravo que conseguira escapar e cantou lindamente toda a verdade. O excravo trabalha agora numa pequena plantação de cotão, e Muito, esse e não aquele, está a cumprir pena por tempo indeterminado num campo de trabalho forçado de peneiras.

segunda-feira, julho 11, 2011

Ossos de galinha

John Grant (feat. Midlake)

segunda-feira, julho 04, 2011

John Dumpling

O Chefe dos Correios era um bom homem e, contratudo e contralguns, não dispensou os serviços do seu velho colega e amigo de longa data, John Dumpling, que iria reformar-se dentro de 2 (dois) meses. John até já tinha comprado um baralho de cartas de amor para se entreter com os outros velhos debaixo da pérgula do jardim. Havia uma condição, porém! O Chefe dos Correios, quando não estava ocupado a ser um bom homem, era um pouco autista e muito jocoso, e o seu passatempo preferido era criar cláusulas enganosas ("jokers") e assim ludibriar...não, vamos usar outra palavra, e assim "fungar" as outras partes.
Dumpling não foi excepção: sempre que o velho carteiro entregasse um envelope escrito à mão, teria de dançar à frente do destinatário. O que o Chefe dos Correios não sabia é que Dumpling gostava muito da dançar e até considerou ser dançarino profissional depois de regressar da Guerra de San Marino.
Ou será que sabia? Se já como flor, agora já não há nada a fazer.

sexta-feira, julho 01, 2011

Monstros vitorianos

Losers "Flush"

quarta-feira, junho 29, 2011

"Dom Quijote"

Em vez de entrar no café-hostal de cujo o nome não quero agora lembrar-me, resolvi atravessar a carretera para conhecer o lar onde estava o meu avô. O autocarro tinha parado para os passageiros comerem algo e só arrancava dentro de meia-hora. Daqui a duas horas e meia estava em Granada. Tirei a última bolacha do pacote que tinha comprado em Madrid. A bolacha sabia a plástico e eu não tinha apetite, apenas queria ter um ar descontraído enquanto me aproximava do lar. Ao lado, havia uma estação de serviço abandonada. Um homem de camisa preta estava encostado a um Renault velho e parecia estar à espera de ser atendido. O homem era muito parecido com um Steven Seagal mais novo e mais magro, talvez.
A maioria dos passageiros ainda estava no café e parecia estar a decorrer lá dentro um concurso para ver quem conseguia falar mais alto. A mulher que viajava atrás de mim também descera do autocarro e estava a seguir-me com o olhar enquanto fumava. Usava um casaco de ganga cor-de-rosa e uns tacões altos que eram desproporcionais à sua altura. As suas rugas de quase meia-idade disfarçadas com creme e os papos à volta dos olhos não se viam deste lado da estrada.
A porta de entrada do lar estava ladeada por duas grandes ânforas. A fachada era branca e tinha canteiros de gerânios e pequenos cactos. Mais abaixo, à face da estrada, uma placa enorme dizia:


Residência Geriátrica "Dom Quijote"
Mensalidades que cabem no seu bolso
Dispomos de veículo próprio e enfermaria 24h
10% de Desconto no primeiro semestre
Telf. xxxxxxxxx


Assim que entrei, o ar ficou mais fresco, mas havia um forte cheiro a naftalina em todo o hall. Aproximei-me da porta de vidro que dava acesso ao salão principal. Já não via o meu avó há cinco anos, mas acho que o reconheceria se o visse. Não abri a porta e, através do vidro, tentei localizá-lo. Sem saber bem porquê comecei a contá-los. Vinte e um. Estavam sentados em elipse e estavam a encher balões coloridos de aniversário. Um deles parou de repente e olhou para mim. Dei um passo atrás. Não consegui distinguir se era um "ele" ou uma "ela". A pele do seu rosto parecia um favo de mel seco e tinha apenas uns fios brancos de cabelo. Todos deixaram de soprar e os que estavam de costas viram-se para trás com grande dificuldade. O silêncio foi quebrado por uma estupenda escarradela.
"Olá. Deseja alguma coisa?" - perguntou uma funcionária morena que parecia ter estado atrás de mim este tempo todo. Falava com sotaque sul-americano, era baixa e não tinha pescoço. O crachá que trazia ao peito dizia Dulcineia Gutierrez.
"Sim, procuro o meu avô."
"E como se chama o seu avô?"
"Alonso Hernandez. Ele tocava guitarra. Flamengo, essas coisas..."
"Senhor Hernandez, sim. Mas ele já não tocava guitarra. Entretinha-se nos últimos tempos a tocar um daqueles órgãos de brincar que um dos netos dos senhores se esqueceu aqui."
"Nos últimos tempos?..."
"Sim."
A moça não tinha pescoço nem expressão. Ficámos assim alguns instantes, a olhar um para o outro. Até que ela entrou no salão e fechou a porta. Saí e desci até à estrada que já deitava fumo aquela hora. Do outro lado da rua, o motorista estava a ver os pneus de trás, alguns passageiros já estavam cá fora. A mulher de casaco rosa tinha posto uns enormes óculos escuros. Ainda me virei para trás para voltar ao lar. O meu avô morreu. Não éramos chegados nem distantes. A minha mãe raramente falava dele.
Acendi um cigarro e caminhei até à bomba de gasolina. O chão estava coberto por manchas negras.
"!Hei, tio, que não podes fumar aqui, hei!"
Era o Steven Seagal a esbracejar. Ignorei-o e resolvi entrar no autocarro. A mulher do casaco cor-de-rosa apagou a sua cigarrilha com a sola e subiu atrás de mim. Sentou-se ao meu lado, pôs a mão no meu braço e disse-me algo que agora não quero lembrar-me.

sexta-feira, junho 24, 2011

Vida em xadrez

Mais novas jogadas xadrez aqui.

sexta-feira, junho 17, 2011

A cerca


Construí esta cerca para delimitar este pedaço de terra que não me pertence. Apropriei-me do ar, mas a terra não é minha. Comprei quarenta metros de rede em promoção com o subsídio e tinha simplesmente de a usar. Talvez venha a ser repreendido por isto, mas não me importa. Ser dono de algo é bom. Deus poderá não ter aprovado o meu acto, mas sei que sorriu às escondidas (para não dar um mau exemplo aos arcanjos, etc.). A prova é que nasceu uma planta muito exótica no meio do terreno. Parece uma avestruz com a cabeça enfiada na areia, mas o "penacho" é uma grande flor roxa-quaresma em forma de cruz latina. Deus abençoou-me por debaixo da mesa.

Uma vaca nem gorda-nem magra rumina junto à cerca todos os dias.


terça-feira, junho 07, 2011

sábado, junho 04, 2011

A sul de nenhum norte


Já saíu o 2º número da webzine "asuldenhumenorte" que inclui alguns textos meus.
Obrigado à Maria e ao Nuno.


sexta-feira, junho 03, 2011

Seres Imaginários e Mitológicos da Lapónia - II parte


- O Máđoheapme Bierdna (urso-gigante) é, na verdade, um urso pardo de tamanho normal. Como os lapões têm uma média de altura inferior aos finlandeses e aos suecos, caracterizaram este ursídeo de "gigante". Não deixa, contudo, de merecer respeito.

- O Molssabiktasat Bihcebásčáihni é um pica-pau malhado que aparece amiúde quando lenhadores ou caçadores mudam de roupa na floresta. A ave lendária abre com o bico uma cavidade na árvore para lembrar e encorajar o lenhador. A ciência diz tratar-se de um comportamento mimético por parte da ave em relação ao homem. Os lenhadores gostam muito de pica-paus, e os caçadores não lhes dão caça, porque sabem que os lenhadores gostam muito de pica-paus.

- A Rismánná Jäniksen deve o seu nome por perseguir homens que irão ser pais sem o saberem ou o desejarem. Por outro lado, o rico folclore lapão também diz que qualquer casal que não consiga ter filhos deve comer esta lebre com brócolos e ovo cozido durante uma semana. A Rismánná Jäniksen simboliza para os lapões o que Fiat 600 simbolizava para os italianos nos anos 60.

- A Morašlaš Ránesskuolfi (grande-coruja-cinzenta-que-te-deixa-triste) é muito temida pelos caçadores que os hipnotiza com o seu olhar, deixando-os num estado letárgico durante dias ou mesmo semanas. Há relatos de caçadores que puseram as caçadeiras de lado para se dedicarem à preservação* de animais em vias de extinção.

 *não confundir preservação com embalsamento que é considerada uma técnica de preservação de animais.

segunda-feira, maio 30, 2011

In My Dreams, de "Hombre Lobo"
Eels

sexta-feira, maio 20, 2011

Seres Imaginários e Mitológicos da Lapónia - I parte


O Bahááhpecizaš (ou "alle alle diabrete") é uma pequena ave mitológica que faz o ninho na cabeça dos lenhadores que adormecem à sombra de lariços ou pinheiros. É considerado um bom agoiro, sobretudo para lenhadores casados ou comprometidos. Estes têm por hábito guardar os ramos ou tufos do ninho numa caixa de pinho para que as suas mulheres lhes sejam sempre fiéis.


Se um lenhador perdido na floresta encontrar um Lulli Vuovderuoigu, bem pode saltar de alegria. O Lulli Vuovderuoigu ("cabrito-montês virado para o sul") indica sempre o Sul, tal como um pointer aponta para a presa. Há, porém, relatos de lenhadores que nunca mais foram vistos, talvez porque confundiram o Lulli Vuovderuoigu por um vulgar cabrito-montês. O animal mitológico ostenta uma distinta mancha branca em forma de L entre os chifres, enquanto que o vulgar cabrito-montês poderá exibir outras letras do alfabeto, mas nunca um L. O índice de analfabetismo dos lenhadores é um dos mais elevados na Lapónia.


Diz-se que a Ávlu Veahttačáhceguolli é a última encarnação da alma de uma bela jovem que cantava tristes melodias. O seu amante partiu rumo às grandes florestas do norte para nunca mais voltar. Um dia, a jovem não suportou o desgosto e atirou-se ao rio. O seu corpo nunca mais fora resgatado. A Ávlu Veahttačáhceguolli ("truta castanha que canta") salta para as pedras do rio e canta melodias de caixinha de música na esperança que apareça o seu jovem amante. Esta lenda deu origem aos famosos e curiosos "singing fish", artigos de decoração populares no norte da Europa e na América do Norte.


O Beana Bearjadat tem o pêlo preto e macio, e um focinho que parece estar sempre a sorrir. Apesar de roerem as botas de trabalho, os lenhadores gostam muito deste imponente cão mitológico. Aparece sempre às sexta-feiras, pelo crepúsculo, indicando o fim de uma semana de trabalho. É acarinhado pelos lenhadores, que têm por hábito deixar-lhe carne de rena seca na véspera. Antigamente, se o fabuloso cão não aparecesse, tal significaria que o patrão iria pedir ao lenhador contratado para trabalhar durante o fim-de-semana, o que - provavelmente - irritaria o lenhador.

quarta-feira, maio 18, 2011

Post em jeito de tweet:
ando a investigar no terreno a mitologia e as fábulas dos lenhadores do norte (inclui Lapónia ou Lappi em suomi) e centro da Finlândia.



Teaser em jeito de spoiler:
"O Gulo gulo atinge a maturidade sexual ao fim de um ano e pode acossar lenhadores incautos que tenham maus hábitos higiénicos. As típicas camisas de flanela axadrezadas indicam ao felpudo Gulo gulo que o lenhador não está receptivo aos bestiais intentos da criatura."

segunda-feira, maio 09, 2011

quinta-feira, maio 05, 2011

O melhor método




Schiller mantinha uma cesta de maçãs podres debaixo da secretária, pois gostava de sentir o seu cheiro quando escrevia poesia. Vítor Hugo entregava todas as suas roupas a um empregado, admoestando-o para NÃO lhe devolver a roupa até que ele (Hugo) terminasse o seu trabalho diário. Orhan Pamuk costumava despedir-se da mulher de manhã como se fosse para o emprego. Saía, caminhava alguns quarteirões e depois regressava a casa como se estivesse a chegar ao escritório. Devo dizer que tentei os métodos destes mestres e nenhum deles resultou, nem mesmo o do contramestre Raymond Queneau que, antes de se propor a escrever, tinha por hábito trincar às escondidas cebolas bravas em elevadores. "Se o elevador tiver grades corrediças, tanto melhor", dizia. "O abrir-e-bater violento das grades ajuda-me a pontuar, a arrebanhar orações (...) E se as pessoas me perguntam porque é que estou a chorar, descrevo uma novela medíocre que será o ponto de partida para a excelência que vou escrever".

segunda-feira, maio 02, 2011




Desenho do Mig para o texto "A Partida de Ténis".

terça-feira, abril 26, 2011




















Pedro e a lobotomia

segunda-feira, abril 25, 2011

25 Abril

Há uns tempos a esta parte que a celebração do 25 de Abril no Porto (e por esse país fora, decerto) tem sido para maiores de 55 anos. Os organizadores barram furiosamente a entrada a adolescentes, jovens adultos, etc. Excepto, claro, se forem pobres ressacados, palhaços a fazerem balões ou turistas acidentais que não sabem muito bem o que está a acontecer. Somente os velhos têm direito a assistir às comemorações de Abril na "praça da Liberdade". Nem sequer há MILFs, o que sempre dava um colorido à coisa. Há uns tempos a esta parte que o resto da população optar por ficar ordeiramente em casa, na praia ou nos shoppings a desfrutar do A/C e da liberdade mais do que adquirida.
Definitivamente, o 25 de Abril, não de um mas de vários capitães, já não ganha campeonatos há algum tempo. A memória do povo é muito curta e ingrata.

sexta-feira, abril 22, 2011

Spock




















Rauschenberg/Spock


O actor Leonard Nimoy não existe. É uma bem sucedida personagem interpretada por Spock, o vulcano. Spock é um Observador-Mor enviado há cerca de 150 anos pelo "Conselho Superior das Nações Unidas" do seu planeta. Spock já foi repreendido várias vezes pelos seus superiores por ter interferido no seu objecto de estudo ao longo da missão. Foi Spock quem segredou a palavra "sociologia" ao ouvido de Max Webber (e de Durkheim, talvez) estendendo a toalha à Perspectiva Simbólica Interaccionista ("os selfs são produtos sociais", etc.). Há ainda quem sustente que Spock não é mais do que um experiente Batedor que tem vindo a preparar terreno para uma expropriação da Terra por parte do seu povo. Nos anos 60, Spock optaria por adoptar uma imagem menos rígida, talvez influenciado pelo espírito da época. Tornou-se amigo de Rauschenberg, imiscuindo-se subtilmente em algumas produções do artista norte-americano que nunca reconheceu a sombra do vulcano no seu trabalho. No entanto, Spock viria a tornar-se conhecido pelo grande público através de uma outra arte.

terça-feira, abril 12, 2011

segunda-feira, abril 11, 2011



via, 2ªvia

sexta-feira, abril 08, 2011

A Verdade Profana


O Cisma do Extremo Ocidente

As preces do poderoso lobby dos emigrantes no Luxemburgo foram ouvidas. O Colégio dos Cardeais elegera finalmente um papa português. O povo rejubilou de alegria e o governo decretou três dias de festejos. Por quem os sinos dobram? Pelo novo papa que é português. Até a sineta da mais pequena capela reboou até estalar a última orelha do último aldeão. Até a Sininho de Pedro Pah tilintou de felicidade, embora ninguém conseguisse escutá-la, nem mesmo Pedro Pah, pois já contava com uma idade avançada. Mas logo a alegria se transformou em tristeza, de imediato os sorrisos se converteram em lágrimas como se os olhos das pessoas tivessem sido espremidos em espremedores de citrinos. O recém-eleito papa, Gregório XXX, tinha um irmão gémeo que também era ministro de Deus, o qual, furioso com o orgulho e a ingratidão do seu irmão de Roma, se auto-proclamou anti-papa do alto da torre da sua igreja matriz. Fragmentino I obteve o apoio importante dos leigos em part-time e dos catequistas a recibos verdes, prometendo-lhes contratos a termo e descontos para a caixa. O mundo católico dividiu-se, a unidade cristã foi quebrada. Passaram cinquenta anos sem que nada assim de relevante tivesse acontecido. Por fim, os dois irmãos papas chegaram a acordo naquele que ficou conhecido como o Concílio dos Papas de Sarrabulho.
(...)

"A Verdade Profana", Guisa Cruel Milho

segunda-feira, abril 04, 2011

Reflexão epistemológica

Este blogue já tem um tempinho; dura muito porque é feito em aço inox-304 e, por isso, posso meter água de vez em quando. Mas a que propósito vem este desabafo? Vejo muitas coisas feias enrebuçadas em capas e contra-capas brilhantes nos escapagates*. Portugal precisa rapidamente da intervenção do FLI - Fundo Literário Internacional. E quem me dera ser capitão-de-fragata. Volto já com um texto ofuscante.

* gosto de dizer esta palavra à moda de Setúbal.

terça-feira, março 29, 2011

Poe Poe Poe

Não gosto de guerras. Gosto de batalhas tipo Borodino ou Waterloo. Quando não tomo banho, os meus braços cheiram a caramelo. Gostaria de ver o homem a ir à Lua. Gostaria de ver o homem a combater a gravidade quando obrasse na Lua. O meu bisneto chamar-se-à Andy War Hole e será presidente dos EUA. Nunca fumei ópio. Amo Jane Austen. É um amor louco porque ela já morreu. Não gosto de gatos. Metzengerstein é o nome do um pastor alemão. Gosto de fazer amor comigo mesmo. Isso não é masturbar. Vou a consultas regulares de obstetrícia. Uma vez caí na Casa de Usher. A Casa de Usher, o melhor prostíbulo de cidade. Sonho muitas vezes com a minha mãe. Dou puns que cheiram a açafrão-das-Índias.

Este texto foi encontrado no bolso do casaco que Edgar Allan Poe trazia vestido quando o encontraram morto nas ruas de Baltimore. Como é sabido, as roupas não eram suas e a caligrafia não era a sua. No entanto, alguns estudiosos de Poe defendem que poderá tratar-se do último texto que o escritor norte-americano escreveu antes de morrer. A tradução é minha.

sábado, março 26, 2011

O arcanjo Micha'el

E, por fim, o arcanjo desceu sobre a terra. E ninguém tinha observado o jejum, nem amado a Deus sobre todas as coisas. E todos guardavam terríveis segredos e persona honrava pai e mãe.
Banqueiros e outros usuários ficaram com a cara feita em manteiga da vaca que foi coberta várias vezes. A meretriz coxa voltou a andar e chorou lágrimas de lagartixas, porque nunca tinha visto um crocodilo. Ao ver o arcanjo a avançar sobre eles, padres e paladinos de distintas prelaturas entesoaram-se sem fazer cerimónia - não sem antes olharem para trás - e assim ficaram até serem chamados por Deus. Funcionários públicos foram resgatados pelo arcanjo e encaminhados para filas sem fim para as portas do Purgatório. Excepto os das casas de banho públicas das grandes babilónias - o bom Deus reservara há muito um lugar a Seu lado para esses mártires. Os cegos voltaram a ver e os seus acordeões miseráveis foram destruídos. E os velhos mestres cátedras e os eloquentes comentadores políticos de prime-time perderam a voz para sempre ao verem que o arcanjo não usava nada debaixo da gabardina que trazia.

quarta-feira, março 23, 2011

segunda-feira, março 21, 2011

Ici Paris

Modo de utilização: substituir "Paris" por "Porto" e assaltar a câmara dos gases e a junta de freguesia de santo ildefonso:

Marianne rebelle me disait
Qu'elle est plus jolie metissee

Ici Paris
Caravanes, vent du desert,
Mais nous n'irons plus a la guerre

a l'attaque

Ici New York, ici Moscou
Chacun pour soi, tous pour les sous

solidaires

Ici Paris
Epargne moi
Ici Paris (3)

adonis et bulldozer
s'accouplent a la volontaire

Ici Paris

Hola madonne tu m'etonnes
Enleve ce col qui te donne

l'air emprunte

a l'amour et a la vie
a syd barret et c'est fini

Ici Londres

Ici Paris
Epargne moi
Ici Paris

Noir Désir (RIP)

quinta-feira, março 17, 2011

Perigeu

19/03. Maior lua cheia dos últimos 18 anos. Vou preparar-me.

quarta-feira, março 16, 2011

O gosto solitário do orvalho - Barugon




Barugon possui espinhos dorsais que produzem um raio multicolor mortífero, um órgão que segrega líquido congelante (-100ºC) que é disparado da sua língua de 30 m de comprimento, um estômago que pode digerir diamantes (o seu alimento favorito) e chifres-radar na cabeça.

quarta-feira, março 09, 2011

Muito silêncio por nada

Nota introdutória:
A peça passa-se no dias de hoje e tem mais do que três actos. O cenário é uma tela com o fundo do Odeón de Paris, há seis filas de cadeiras em palco.


Acto I

Todos os personagens da peça entram em cena, um a um, e sentam-se nos respectivos lugares. Burburinho. Tosse. Risos abafados. Silêncio. Os personagens olham para o público. O público, se Deus quiser, olha para os personagens.

Acto II

Ofélia tosse. Ricardo II sai para uns instantes.

Acto III

Os Dois Nobres Parentes trocam sorrisos entre si e apontam para uma senhora espectadora da 3ª fila. Ricardo II volta ao seu lugar.

Acto IV

António (o mercador de V., não o de Cleópatra) tira um moleskine do bolso do casaco e faz algumas anotações. Gratiano, Solanio, Salarino e Salerio bocejam de forma sequencial, da esquerda para a direita. Salerio parece estar enviar uma sms no Blackberry.

Acto V

Silêncio.

Acto VI

Silêncio interrompido pela respiração asmática do Duque Frederick que faz como lhe aprouver.

Acto VII

Otelo levanta-se e vai-se embora visivelmente aborrecido. Mais trinta e um minutos de silêncio. O Green Lantern também sai e todos o imitam.

O Rei Ubu, que se encontra no meio do público, vaia e atira as calças para o palco em forma de protesto.


Fim da peça.