Stairs ainda não tinha feito o pedido e já abanava com o pacote de açúcar que estava em cima do pires.
- Olhe, tire-me outro, por favor.
Stairs lembrou-se do recital de piano que a sua irmã tinha dado na véspera. Por mais que se esforçasse nem uma nota lhe vinha à cabeça. Olhou novamente para o painel das Partidas e Chegadas para confirmar o que já sabia de cor. Para além do número do voo, sabia o número do seu lugar, o ano de fabrico do Boeing no qual iria voar, o número máximo de passageiros, talvez até soubesse os nomes do piloto e do co-piloto. Bebeu o café num gole, sem saboreá-lo. Imaginou o seu avião como uma enorme borboleta tropical: bela, felpuda e inofensiva. Depois imaginou-o como um modelo gigantesco daqueles dumbos eléctricos que há nos shoppings para as crianças. Imaginou ainda pedaços da aeronave incinerados dispersos pela selva e um número de corpos já cobertos com lençóis brancos pelas equipas de socorro.
Fixou o olhar num homem que estava numa das filas de check-in. Não era gordo, mas a barriga acusava uma meia-idade desleixada. Usava uma camisa branca e tinha a testa reluzente de suor. Estava acompanhado por dois miúdos que deveriam ser seus filhos. O mais novo estava a escavar insistentemente o nariz com os dedos. O maior tinha as mãos à cintura como se fosse o super-homem. Estava claramente a usar a sua incrível visão raios-X nas malas.
- Vão morrer todos e não há nada que eu possa fazer - pensou Stairs.
O homem volta-se e olha na sua direcção como se tivesse adivinhado que estava a ser observado. Acena. Stairs fica pálido, sem saber o que fazer. Uma mulher passa a seu lado com 2 latas de Cola na mão. Stairs dedica a sua atenção aquele traseiro comedido em movimento. E, mais uma vez, não pode deixar de pensar no belo coral cheio de moreias e peixes-balão que aquele corpo maduro se vai transformar dentro de algumas horas.