segunda-feira, outubro 02, 2017

Grávidas

Devia haver hoje um congresso de grávidas na praia. São às dezenas, estão por todo o lado, são de todas as cores e feitios. Fazem ar de poucos amigos quando me devolvem o olhar como se fosse um intruso ou, pior, um violador. Apesar de tudo, sinto-me bem no meio delas, estou protegido por deusas de fertilidade. A presidente do congresso deve ter uns setenta anos e é a única que sorri para mim. A sabedoria e a velhice. A barriga dela parece uma bossa de dromedário do tempo do Antigo Egipto. Uma delas tem o cabelo pintado de azul e traz a tatuagem do símbolo da vida na barriga. Sai do meio do grupo e vem na minha direcção:
"Tem lumes", pergunta.
Aceno com a cabeça e acendo-lhe o cigarro.
"Há muita praia. Porque é que ainda está aqui?"
"Não posso estar aqui?", pergunto-lhe em tom de desafio.
"Você sente que pode estar aqui? Sente-se bem?"
Dispara suavemente uma linha de fumo para o meio dos meus olhos. Sorri, trocista.
Os meus guias sussuram-me ao ouvido para abandonar a praia e para não olhar para trás.

Acordo e vejo um tapete de azul à minha frente. Tento imitar o sorriso da grávida de cabelo azul, mas não consigo. Olho à minha volta. A praia está deserta.