Durante dois anos - eu repito, dois anos - uma senhora amiga da minha mãe cismou em arrancar o seu olho direito com uma adaga com cabo de jade. A adaga era do seu pai que falecera há precisamente dois anos. Ao longo desses vinte e quatro meses, esta mulher não pensou em mais nada. Pelo menos foi aquilo que a minha mãe me disse e não tenho a minha mãe como mentirosa. Foi a paixão da sua amiga, a sua obsessão, aquilo que a sua mente lhe dizia para fazer. A minha mãe escutava-a e dizia-lhe para "ganhar juízo", Deus escutava-a e não lhe dizia nada, o diabo sorria, o seu anjo custódio acompanhava-a, o seu marido sofria em silêncio, o monstro das bolachas encolhia os ombros.
Até que uma bela manhã, enquanto barrava o seu molete com manteiga dos Açores, deixou cair a faquinha ao chão. Agachou-se, pegou na inofensiva faca e olhou para ela. Imaginou o apetrecho do seu marido, lambeu a ponta e sorriu.
"Que parvoíce", disse baixinho.
A fantasia tinha chegado ao fim.
Até que uma bela manhã, enquanto barrava o seu molete com manteiga dos Açores, deixou cair a faquinha ao chão. Agachou-se, pegou na inofensiva faca e olhou para ela. Imaginou o apetrecho do seu marido, lambeu a ponta e sorriu.
"Que parvoíce", disse baixinho.
A fantasia tinha chegado ao fim.