sexta-feira, outubro 03, 2025

Mais mãe, mais filho

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Quando, por vezes, tens de ser progenitor da tua progenitora, algo não vai bem no reino da Dinamarca. A coragem e a paciência envolvidas nesta tarefa não são deste mundo. É subverter um pouco a ordem natural das coisas. 

Uma mulher que te pôs ao mundo deveria saber melhor. Sobre tudo. Mas nem sempre é assim. Aquela que é responsável pela tua nutrição (alimentar e afectiva) deveria ter consciência desse papel.

É claro que o Amor está sempre lá, isso nem sequer está em causa. 
Mas quando a evolução dos dois seres é feita a diferentes velocidades, com diferentes percepções, tudo fica difuso, confuso, difícil. E não, não estou a falar da diferença geracional, é mais do que isso. Mas só agora, com esta proba e virtuosa idade, tenho consciência disto.

Estala uma crise familiar, despoleta-se um gatilho, trigger, tudo vem ao de cima, tudo que é restolho, sedimento, é sacudido de forma violenta, e então estala-se o verniz entre mãe e filho. Crise, do grego "krisis" que significa separação, peneiração, juízo, sentença. 

Não interessa nada aqui os pormenores, caro leitor. Não quero escrever um romance de cordel. Também sei que sem o devido enquadramento, esta confissão poderá soar não-razoável ou até ingrata.

Somos satélites dos nossos pais até o deixarmos de o ser. Queremos tornar-nos entes autónomos por mérito próprio, mas às vezes a força gravitacional (ler "emocional") dos nossos progenitores não nos permite delinear a nossa própria órbita. Poderá haver alguma manipulação inconsciente. Gera-se angústia e um sentimento de impotência, porque desejamos consciente e inconscientemente que eles sejam os nossos cuidadores, os nossos conselheiros vitalícios. Quando os papéis se invertem - ou quando não há lucidez - algo não está bem. 

"A idade é um posto", os cabelos grisalhos/brancos conferem o privilégio de poderem dizer as coisas que querem dizer. Pelo amor da santa. Acreditam mesmo nisto?  

Por outro lado, é muito infantil acusar os nossos pais ad nauseam por aquilo que deixaram ou não deixaram de fazer. Eles deram o seu melhor que nem sempre nos parece o "melhor" aos nossos olhos. 

Voltando à "krisis" familiar: o melhor, às vezes, é exercer uma certa contemplação, a inação, uma separação temporária. Estoicismo, se quiserem. Não no sentido de abandono ou de desistência, mas mais no sentido de confiar na sabedoria da Vida. A fluência da Vida tem sempre razão. E emoção também, atrevo-me a dizer.