sábado, outubro 04, 2025

Telhados de vidro


Uma combinação de genes e de vivências fizeram-me aquilo que sou. Não sou uma espécie rara per se, mas às vezes sinto-me como tal. No entanto, há milhões como eu por esse mundo fora. 

O meu subconsciente está separado do meu consciente racional por telhados de vidro. É isso mesmo, telhados de vidro. Acredito mesmo que possuo esta quase-exclusiva arquitectura mental. Tenho de fazer um encefalograma. O meu intelecto assiste do alto do seu camarote ao grande baile quase caótico que é o meu subconsciente. Parece uma enorme redoma transparente em que um está ciente do outro.

O nosso inconsciente (bom, pelo menos o meu) está repleto de personagens-sombra circenses que podem assumir a forma de:

- diabretes que me dizem para fazer actos inusitados como atirar uma bela garrafa Evian ao meu cliente que mudou de ideias e que quer moelas em vez de tremoços, ou - então, a minha favorita - diz-me " não tarda nada, meu caro, vais ficar louco como nós". 
"Está tudo bem", responde o intelecto.

- o meu evil twin que me diz que não sou tão gracioso e tolerante como penso que sou; 
"Está tudo bem", responde o intelecto.

- um grizzly enorme que caça salmões-emoções a torto e a direito neste meu rio interior conturbado e que quando cutucado esta fera pode ser assustadora (não tanto como gostaria); 
"Está tudo bem", responde o intelecto.

- um sussurrador traiçoeiro e oportunista que me provoca com inesperadas e enganadoras palavras-forma que me entorpecem o raciocínio e que, às vezes, me provocam medo e apreensão; 
"Está tudo bem", responde o intelecto.

- um sátiro dionisíaco que quer cobrir de forma embriagada todas as belas mulheres deste planeta;
"Está tud....espera, vamos reavaliar este tipo comme il faut", sugere o intelecto.

Sidarta Gautama - que era humano como eu e o caro leitor - atingiu o nirvana com a prática contínua de meditação, ou seja, Sidarta "extinguiu o fogo" que era sinónimo de sofrimento, de ilusão, de desejo.  Aceitou a tristeza como tristeza e aceitou a alegra como alegria, e por aí fora. Deixou de ter telhados de vidro dentro da sua cabeça, consciente e inconsciente tornaram-se num só, ficou Iluminado, e por isso, chamaram-lhe de "Buda". 

Também acho que tenho mini-Budinhas por cima ou por debaixo do meu telhado de vidro que é muito revelador, com traços muitos "jungianos". É claro que estes seres circenses que habitam no meu inconsciente causam-me ansiedade e stress, mas é o preço a pagar pela Liberdade, pelo Livre-arbítrio obtido por Adão e Eva. 

No fundo, eles estão numa missão, são agentes de mudança, de alerta, para me conciliar com o passado e para, a partir daí, descobrir e sentir Amor incondicional (e acreditar que são muito mais do que duas belas palavras).