quarta-feira, dezembro 17, 2025

Harúspices e cenas


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1. Na Roma Antiga, um arúspice (ou harúspice) era um adivinho que inspecionava as entranhas de um animal sacrificado para prever o futuro. Ou seja, em vez de usarem cartas ou búzios, estes sacerdotes utilizavam as vísceras ou os fígados de uma ovelha ou de um boi como forma de adivinhação.

Não posso deixar de pensar - acabei de ganhar o prémio de understatement of the year com esta frase - o quão bizarro seria se esta arte divinatória chegasse até aos nossos dias (no mundo dito ocidental isto é) e se as pessoas pedissem ao homem do talho/arúspice para lhes lerem o futuro através da consulta precisa de um fígado de uma vitela ou de um frango do aviário. Seria uma espécie de 2 em 1: primeira faziam a consulta e depois levavam as miudezas para consumo doméstico. Saber a vontade dos Deuses através de um pedaço de carne e depois consumir essa mesma carne como se fosse um meio para se apropriar e integrar esse futuro dentro de si.

 

2.  Quando era pequeno, ia quase sempre aos sábados de manhã com a minha avó Ermelinda ao talho do Mercado da Beira-Rio (Gaia). O homem do talho (não era arúspice, mas era um homem sábio) chamava-se Senhor Aguiar. O talho tinha uma enorme câmara frigorífica branca, bastante antiga, onde era guardada a maior parte da carne. Já era bastante imaginativo nessa altura e enquanto a minha avó fazia os pedidos e conversava com o senhor Aguiar sobre tempos idos, eu imaginava que a qualquer momento um urso polar ou pinguins iriam sair daquela câmara frigorífica entre a espessa cortina de vapor frio. Seria muito incrível se tal tivesse acontecido. Também me recordo muito bem do cepo que o senhor Aguiar utilizava para cortar a carne e que repetia várias vezes que "já não se fazem cepos assim".