Ao prolongar o meu olhar sobre o Douro (atrevo-me a dizer que vejo este rio quase todos os dias), ocorreu-me que a vida de um ser humano parece-se muito com aquilo que é ser um rio. Nascemos pequenos, ganhamos volume, caudal, contornamos terrenos difíceis, ficamos mais compridos, mais largos, recebemos outros rios afluentes (que podemos concebê-los como emoções, sentimentos - dor, alegria, raiva, melancolia, prazer, medo, etc. os quais podem ser gerados por outros seres humanos), acumulamos sedimentos no nosso leito (essas mesmas emoções que recalcamos), somos feitos de correntes (humores) dóceis, conturbados, transportamos lixo, troncos, galhos, etc, mas também podemos ser convidativos e ser brindados com pessoas que navegam ou se banham em nós. Algumas só por um dia, outras durante anos.
(lembrei-me agora do filme Fitzcarraldo em que o louco protagonista, interpretado pelo intenso e desvairado Klaus Kinsky, dada a impossibilidade de continuar a viagem por água, faz avançar o seu barco, o Molly Alda, pelas margens e morros da floresta amazónica. O rio segue imperturbável.)
Esse mesmo rio acaba por desaguar num rio ainda maior ou no enorme mar-oceano. E é tentador pensar que o nosso rio, a nossa vida, não termina na foz. O mar-oceano pode muito bem ser a Eternidade.
