terça-feira, dezembro 29, 2015

segunda-feira, dezembro 21, 2015

Passeio

Encosto a cara a este sol de Inverno, que dia magnífico para dar uma volta pela paróquia. Até os homens da junta trabalhavam com mais afinco e dedicação. Estavam a arranjar o passeio de uma esquina e faziam-no com uma alegria sincera e transbordante, que profissionais. Tal e qual aquelas pinturas murais do Rivera. Que referência inteligente que eu introduzi aqui. Parei na beira do passeio e enquadrei-os com o polegar e o indicador. Que belíssimo quadro daria se eu tivesse jeito para pintar. Um casal adorável de velhinhos passa por mim. Vão os dois de braço dado. São meus vizinhos, velhos conhecidos. Idosos conhecidos, quero eu dizer. A senhora vira-se para mim. Hesitou em cumprimentar-me, desde que pusemos os olhos um num outro que vivemos os dois neste impasse, ninguém ousa dar o primeiro passo para a saudação. Aposto que foi professora de História, tem muita classe, cabelo grisalho, quase azul, casaco e calças creme, uma écharpe de motivos florais, discreta. Muito charme. O sol acaricia-me, que dia de Inverno lindo. Quem me dera ter FB para publicar estas coisas que me vão na alma. Sigo o casal, vão para o mesmo lado que eu vou. O homem não lhe fica atrás, é ele que marca o passo de nós os três. Têmporas brancas, reverentes, usa um fato azul escuro impecável, apenas alguns vestígios de caspa sobre os ombros, nada de grave. Aposto que escreve crónicas para o jornal local. Aposto que gosta de Aquilino. Faz-me lembrar o frei Bento Rodrigues O.P.. Mais uma referência inteligente, que senhor distinto. Vão demasiado devagar, tenho demasiado energia dentro de mim, vejo-me obrigado a ultrapassá-los, sinto-me envergonhado quando o faço, parece que estou a cometer uma infracção. O homem deixa de falar. Já vou uns bons cinco passos adiantado quando ouço um valente e magnífico traque. Sim, já não é a primeira vez. Da última vez que isto aconteceu, eu ia atrás. O velho cronista não tem qualquer tipo de clemência, não deixa prisioneiros.

quarta-feira, dezembro 16, 2015

Eu Tenho um Sonho

Um Conselho de Estado formado por salamandras, tritões, nereidas e pelo Sá Leão. A Maria de Belém de tutu e sapatos de bailarina serve miniaturas de Jägermeister enquanto o Presidente não chega. Um retrato do Bon Scott e outro do Marcelo Caetano em molduras barrocas pendurados em paredes opostas. Marcelo R. Sousa (já presidente) entra de rompante. Vem do seu banho de mar diário, não teve tempo para mudar de roupa, ainda vem com os seus Speedo.
"Perdi alguma coisa?", pergunta enquanto seca as orelhas e arregala os seus belos e enormes olhos azuis.

Eu tenho um sonho.


sexta-feira, dezembro 04, 2015




I am smellin' like the rose
that somebody gave me on
my birthday deathbed
I am smellin' like the rose
that somebody gave me
'cause I'm dead and bloated

quinta-feira, dezembro 03, 2015

Frenologia



George era um rapaz bastante atento e aplicado: reparou que o formato quadrangular das “regiões” cerebrais de Gall tinha semelhanças irrefutáveis com a geografia dos estados que constituem os EUA; a posição e a geometria dessas faculdades, como, por exemplo, a auto-estima, a aprovatividade, a cautela, a secretividade e a destrutividade pareciam corresponder na perfeição às áreas e coordenadas latitudinais do Dakota do Norte, Dakota do Sul, Nebrasca, Kansas e Oklahoma. Teria sido por mero acaso que o infame KKK — que advogava a destruição dos filhos de Canaã, filho de Cam, filho de Noé — tenha nascido neste último estado do Sul? O episódio do Génesis é sobejamente conhecido: Cam encontrou o pai (Noé) embriagado e descoberto, e quando viu a nudez paterna, foi contar aos seus irmãos, Jafé e Sem, em vez de guardar pudor e cobrir o pai. Quando recuperou a consciência, Noé amaldiçoou o filho de Cam, Canaã, referindo-se a ele como o "servo dos servos"[1]. Canaã teve dois filhos, Sidom e Hete, cujas tribos descendentes se espalharam pelo norte de África e pela Etiópia. Este é um dos episódios bíblicos no qual o Klux se baseia para legitimar o segregacionismo. Será que a delimitação territorial dos estados daquele país teve com base os estudos frenológicos da topografia cerebral?


[1] Génesis 9:25: "…e disse: Maldito seja Canaã; servo dos servos será de seus irmãos."

sexta-feira, novembro 27, 2015


quarta-feira, novembro 18, 2015

A nova vida de Patty Hearst

Patty escaldava os lábios a provar a massa. Sentado ao contrário, Wolfe tinha os braços apoiados nas costas da cadeira e o olhar encalhado na outra ponta da mesa da cozinha. O SLA já sabia que as autoridades não iam libertar Remiro e Little, algo teria de ser feito. Não podiam deixar passar uma semana. Defreeze estava a beber uma Bud enquanto olhava para a rua através das ripas de madeira.
- Já arranjaste as tintas?
Wolfe não respondeu. Patty virou-se. Arregalou-lhe os olhos e inclinou o queixo na direcção de DeFreeze. Os restantes elementos da organização tratavam-no respeitosamente por "General Field Marshal Cinque".
- Faltam-me algumas, a drogaria hoje estava fechada. Amanhã trato disso - respondeu Wolfe.
Tintas era o código para semi-automáticas que era o departamento de Wolfe mais conhecido por "General Teko". Era o segundo na linha de comando. Acrescentou que ainda não tinha comprado as tintas, porque não se decidira a respeito da cor, hesitava entre um bege que poderia tornar as paredes sombrias ou um branco que pode ter o efeito contrário da sensação à qual a maioria das pessoas associa a este tom. Paz.
- Que raio estás para aí a dizer? - perguntou Defreeze.
O "General Teko" franziu a testa e disse-lhe que as tintas estavam amanhã - sem falta - naquela casa. Defreeze abanou a cabeça e deu um último gole antes de se sentar à mesa. Patty começou a servir o esparguete.
- O que é isto? - perguntou Wolfe.
- São conquilhas - respondeu Patty.
- Não são ameijoas? - perguntou Emily enquanto enrolava o esparguete na ponta do garfo. O nom de guerre da mulher era "Yolanda".
- Não, são conquilhas - repetiu Patty.
Patty tinha sido raptada há uma semana pelo Exército Simbionês de Libertação. Patricia Campbell Hearst nasceu a 20 de Fevereiro de 1954 e era neta do magnata William Randolph Hearst. Em troca da sua libertação, o SLA exigiu à família que fossem distribuídos alimentos no valor de vários milhões de dólares pelos indigentes de São Francisco. Durante uma semana, os membros da organização mantiveram fechada num armário, de olhos vendados, saindo apenas para comer. Ao cabo de uma semana, deram-lhe a escolher: ou tornava-se membro activo da organização ou matavam-na. A decisão de Patty foi imediata: "A partir de hoje, Patricia Hearst morreu. A partir de agora, o meu nome é Tanya".
A refeição continuou calmamente.
- Temos de começar a pintar o mais depressa possível - disse por fim DeFreeze - e conto contigo, "Tanya".
Tanya sorriu.
- Já não comia um spaghetti tão bom há anos. Onde aprendeste a cozinhar assim, rapariga?

segunda-feira, novembro 16, 2015

sexta-feira, novembro 06, 2015

Equipa de sonho

Na 1ª fila: Tristan Tzara, André Breton, Salvador Dali, Max Ernst, Man Ray. Fila detrás: Paul Eluard, Hans Arp, Yves Tanguy, René Crevel. Foto de Man Ray em 1933

sábado, outubro 31, 2015

Em Γάλα Beach (um conto de Halloween)



As horas demoram mais tempo a passar quando estamos de férias, principalmente nos primeiros dias. Passei um pouco pelas brasas, deitei-me em cima do muro da praia e quase que apanhava um escaldão. Estava bastante cansado, a bebé não dormiu a noite inteira. De regresso ao hotel, lembrei-me da razão pela qual saí à rua. Comprar leite em pó para a bebé. O hotel era um "2 estrelas Superior", nem sequer me dei ao trabalho de perguntar na recepção se podiam dispensar um pouco de leite em pó. Voltei a sair, não podia regressar ao quarto de mãos a abanar, a minha mulher rachava-me o crânio. Havia um mercado mesmo no fundo do rua, não havia necessidade de tirar o carro do parque. O fim de tarde estava bonito, sereno, eu sentia-me cansado mas feliz. Havia ainda muita gente na praia. As crianças não paravam de gritar, algumas tinham um bigode branco e outras eram uns autênticos panados brancos. Os adultos limpavam-se imediatamente quando regressavam do mar, as toalhas ficavam todas brancas. Era engraçado ver alguns com a marca do leite até aos joelhos ou até meio da canela, pareciam que estavam a usar meias. Uma mulher bebia do buraco de uma rocha, punha as mãos em concha e sorria para o seu filho que tentava imitá-la. Entre duas linhas de barracas, descobri duas mulheres em topless deitadas. Tinham acabado de sair do leite, ainda tinham salpicos brancos espalhados pelos corpos bronzeados. Inspirei fundo. A brisa quente trazia um cheiro agradável a natas doces. 
Foi então que me caiu a ficha como se costuma dizer. Será que não poderia levar um pouco de leite marítimo para a Matildezinha? O leite em pó, conforme explicam os pediatras, é especialmente recomendado para bebés nascidos por cesariana como foi o caso da Matilde. Dizem que este bebés possuem menos recursos para combater agentes patogénicos. Já as crianças nascidas por parto normal têm mais contacto com bactérias da mãe quando nascem, o que estimula as suas defesas desde o início. Mas a Matildezinha já tem quase onze meses. A minha mulher iria estrebuchar, mas acho que não deveria fazer-lhe mal nenhum à bebé. O leite apenas teria de ser fervido.
O leite deste mar era conhecido por ter bastante cálcio. Está decidido. Só tinha de arranjar uma garrafa ou um recipiente limpo. Ouço uma ambulância, vem na minha direcção. Era o INEM local. Um grupo de mirones juntou-se no fim do quebra-mar, alguns esbracejavam e gritavam, os dois salva-vidas galgavam o areal ao sprint. Não consigo entender o que vai na cabeça das pessoas para arriscarem a vida delas assim. Só no ano passado, morreram 26 pessoas em Γάλα Beach por intolerância à lactose. 


quarta-feira, outubro 28, 2015

sexta-feira, outubro 23, 2015

Porn

Ainda morava em casa dos meus pais. Uma vez estava a ver tv no quarto e deixei ficar no canal onde o Cavaco Primeiro-ministro estava a falar. Era quase meia-noite. A sua voz grave sempre teve um efeito soporífero em mim. Não estou a querer dizer nada com isto, é apenas um pormenor biológico, se assim posso caracterizar. Nessa altura, o meu pai (que é comunista) andava a fazer o turno da noite. Não o ouvi a chegar a casa. O meu pai irrompeu pelo quarto (nunca batia à porta), fiquei todo atrapalhado, o comando caiu, as pilhas saltaram, etc. Ele olhou para o televisor, o Cavaco continuava a falar e depois olhou para mim. Não chegou a acender a luz. Por fim, lá fechou a porta e não me disse nada. Não me dirigiu a palavra durante quatro dias. Quando penso nessa noite, fico sempre com a sensação que o meu pai apanhou-me a ver um filme hard core.


terça-feira, outubro 20, 2015

Uma História Enternecedora

A dona Rosa Maria era a única idosa no lar de Santa Teresinha que tinha um animal de estimação, era um lindo canário que insultava sempre Natércia mal esta punha os pés no quarto, o pequeno alado não devia gostar de lábios descaídos.
"Olhe, mas ele não se mexe, pschiuu, ó passaroco."
"Há agora, não se mexe, está mas é a dormir, é um dorminhoco, olhe que não sai à dona, já estou a pé desde as seis e meia!", responde a dona Rosa Maria com os tendões do pescoço salientes, as pregas da pele a abanar, falava sempre com aqueles olhos arregalados que quase lhe saíam das órbitas, parecia a Gloria Swanson naquela famosa cena d’“O Crepúsculo dos Deuses” em que a actriz diz a famosa deixa All right, Mr. DeMille, I'm ready for my close-up, tinha posto pestanas falsas, as bolsas azuladas sob os olhos ocupam-lhe quase o rosto todo.
"Que pivete, ai que não se pode estar aqui, tenha lá santa paciência...Vou abrir a janela."
A velhota contorna a cama e abre o armário que estava a transbordar de roupas, já não havia espaço para um lenço, tira um casaco grosso com golas felpudas e forro à la tigresse. Natércia pega na eau de toilette que não tinha a tampa, cheira o pulverizador, faz cara feia. Junta o frasco a um cacho de perfumes que ocupava quase todo o toucador.
"Dona Rosa Maria, já fui buscar a fotografia emoldurada à loja, esqueci-me foi de a trazer para cima, depois dou-lhe quando descer, está bem?"
"Que fotografia?"
"A do falecido."
"Qual falecido?"
"Ó criatura, a fotografia do seu falecido marido, o senhor Floriano!"
"Ah. Tenho dois falecidos, rapariga, sabia lá de qual é que você estava a falar. Obrigado minha filha, depois dá-me, está bem? Olhe quanto lhe devo?"
"Não foi esse que esteve num san..."
Natércia comprime os lábios, pega na pergunta da outra para disfarçar.
"Oh já não me lembro, depois fazemos contas. Vá, saia lá que eu quero dar um jeito a este quarto."
"Já lhe contei a história do dedo? O meu Floriano era dono de três talhos, um ficava ali no Carvalhido, outro em Costa Cabral, lá no fundo, quase a chegar à Circunvalação, e outro ficava no Marquês, ele também era talhante, trabalhava no talho do Marquês, gostava muito daquilo que fazia e... Um dia ao almoço bebeu mais do que era costume e estava a cortar carne do vazio e zás!, não é que corta o dedo, do indicador, metade do dedo rola pelo cepo e cai? O meu marido aos berros, as clientes aos berros, veja lá, foi um deus nos acuda. Eu quando me lembro disto, quando o homem me chega a casa sem meio dedo...Nem queira saber a minha aflição."
"Pois, imagino…"
"Espere…ora o meu Floriano era tolo por cães, não os enxotava como a maioria das pessoas que trabalham nos cafés e nas lojas, chegou a ter problemas com a vistoria e com algumas clientes por causa disso, e, claro, à porta do talho estavam sempre meia dúzia de rafeiros à espera de restos, de ossos, pobres dos bichos, e não é que um desses cães vadios entra disparado por lá dentro e leva-lhe o dedo cortado!?"
"Virgem Maria. Já, senhora, já me contou essa história."
"...Isto foi numa quarta, por mais anos que passe aqui neste mundo,…na semana a seguir, o meu Floriano já estava no talho como se nada fosse, já não se fazem homens assim...mas espere aí que a história ainda não acabou...não é que o raio do cão, o mesmo cão que lhe roubou o dedo, aparece outra vez no talho? A menina não vai acreditar quando lhe disser o que é que ele trazia na boca!"
"O pedaço de dedo cortado, não foi?"
"Mas qual dedo, qual carapuça! Era um bocado de chispe de porco, trazia-o preso nos dentes, cheio de terra, e deslarga-o aos pés do meu falecido! A menina não acredita? O cão estica-se todo no chão, rabo entre as pernas e fica a olhar para o meu Floriano com aqueles olhinhos que os cães fazem como que a pedir desculpa. A menina cuida que o Floriano se chateou? Qual quê! Começou a fazer-lhe festinhas e ainda lhe deu um osso. Ai só mesmo o meu Floriano, Deus o tenha, o homem era doido por cães. O bicho lá deve ter ficado com remorsos....Os cães são muito finos, sabe?
"Pois são, dona Rosa Maria."

sexta-feira, outubro 16, 2015

O Túnel

Vendi ontem "O Túnel" do E. Sabato. Despachei-o porque achei-o uma desilusão. Não sublinhei nada, não fiz setas, não fiz anotações nas margens, o livro estava como novo. Foi uma transacção em mãos, a senhora pareceu-me simpática. O dinheiro deu para pagar a minha parte da peladinha das quintas. Pisei na bola (lance perigoso para golo) e bati com a caixa craniana na relva sintéctica. Fiquei meio atordoado, mas continuei a jogar. Hoje levantei-me com tonturas e decidi ir às urgências. Fiz um TAC, tudo ok. Passei a manhã toda a ver pessoas a sofrer e a queixarem-se do SNS. Numa daquelas macas deixadas no corredor, reconheci a senhora à qual tinha vendido o Sabato. Não consegui perceber o que é que lhe tinha acontecido. Estava com uma das mãos debaixo da cabeça como se estivesse deitada numa espreguiçadeira. Parecia que estava a gostar da obra que lhe vendi. Apeteceu-me regressar às urgências só para lhe perguntar o que é que ela viu no livro.

O Caminho das Garrafas


O segundo caminho para a Loja de Cima é o Caminho das Garrafas. Os vinhateiros da Ramada Alta e os donos das caves resolveram ajudar as pessoas que viviam no Monte e mandaram construir um caminho com garrafas vazias. O Caminho das Garrafas tem cerca de duzentos metros e atravessa os armazéns onde o vinho do Porto envelhece até à Loja de Cima onde os trabalhadores dos armazéns terminam o dia de trabalho a beber vinho a sério. São milhares de garrafas antigas que foram empilhadas e cimentadas e é o caminho mais usado pelas pessoas que vivem aqui. Quando parte alguma garrafa, é logo substituída por uma nova pelo responsável que é escolhido antes de fim do ano. Todos os dias, essa pessoa está encarregue de ver se há garrafas partidas ao longo do caminho, pois as pessoas que escolhem o caminho das Garrafas devem percorrê-lo sempre deitadas, é uma tradição muito antiga aqui no Monte, isto é-nos ensinado quando começamos a dar os primeiros passos. No Inverno, é bastante difícil passar pelo Caminho das Garrafas, a chuva molha as garrafas que ficam escorregadias e perigosas, podemos perder o controlo e magoar-nos contra as paredes de pedra dos armazéns, mas, no Verão, é muito agradável, gostamos de sentir o vidro quente das garrafas debaixo de nós, eu e os meus amigos passamos horas a rastejar e deslizar por cima das garrafas, serpenteamos, tocamos com os nossos corpos nos dorsos e nos gargalos das garrafas que não foram tapadas, os sexos dos mais velhos incham, os manos Guerra, o Sérgio Grande, o Pica, o Cabeças, o Jorge Tainha e os primos Baios deixam-se ficar no Caminho até o sol se pôr para depois brincarem às escondidas com o sexo nos gargalos, desejam fundir-se com as garrafas, fingem que já são adultos, gemem ali ao sol, mas fazem-no com muito cuidado, com muita delicadeza, pois as garrafas podem partir e cortar-lhes as jóias da coroa.

sexta-feira, outubro 09, 2015

segunda-feira, setembro 28, 2015

Pausa


Releio o meu discurso
algumas emendas
aqui e ali.
Fungo outra vez
acabei de sacar resgatar
uma catota do meu nariz
um burrié rectangular
resgatei
um mini-portugal de
oito séculos ressequido
no interior do meu nariz
(isso faz de Espanha
o meu nariz?)
Crostinhas no interior,
uma planura mais abaixo,
um pouco de muco no litoral,
amasso-o, arredondo-o,
brinco um pouco com ele
e aí vai Portugal
a minha criação nasal
pela janela fora.
Lá em baixo
um jota de boca aberta
engole sem querer
o meu Portugal.
Alguém da distrital
bate-me à porta.



 

Já faltou mais para ter tuiter (VII)

@pedroeoroubo: aposto a minha quinta em Fornos de Algodres que se fizessem um referendo entre as restantes regiões de Espanha, o "sim" também ganharia - "sim pela independência da Catalunha". Os espanhóis já não têm pachorra. Os catalães que levem lá a bicicleta mas sem as rodinhas. 

segunda-feira, setembro 21, 2015

Giro

Ontem de manhã, ao fazer o meu giro habitual pelas ruas de C., ouvi sem querer a conversa de dois sexagenários à entrada de um café.
"Então pá, vieste para estas bandas hoje?"
"Sim, vim ver a minha amante."

quarta-feira, setembro 09, 2015

Rock Explícito VI




(porque também sou filho de Deus)

segunda-feira, setembro 07, 2015

J. L. Borges

Roupa interior

Peço sempre à minha mulher para comprar a minha roupa interior. Ela já sabe a marca e o modelo que uso. A minha mulher trabalha ao lado do Corte Inglês, por isso não lhe custa nada. É claro que ela resmunga de vez em quando, mas faz-me sempre a vontade. Qual é a mulher que não gosta de ir às compras? Há esposas que escolhem a roupa para o marido usar no dia seguinte, a minha compra-me a roupa interior. Quando digo "roupa interior" estou a referir-me a "boxers" folgados. Deixei de usar cuecas aos 10 anos. Foi prenda de natal da minha mãe. Foi uma libertação, foi uma espécie de 25 de Abril para o meu corpo. A sério. Não dá para explicar a confiança que ganhei quando experimentei boxers largos pela primeira vez e senti o meu corpo liberto. Foi a melhor prenda de sempre (a partir desse ano, recebo sempre boxers no Natal). Também não gosto de usar camisolas de gola alta, nem cintas ou calças justas. Qualquer peça ou acessório apertado. E não me venham com a conversa das peúgas, porque é ridículo.
Sou daquelas pessoas que só usam uma vez qualquer peça de roupa interior. Adoro sentir o tecido novo na pele. Meia volta, a minha mulher queixa-se que o nosso orçamento é demasiado apertado, que não dá para este tipo de extravagâncias. No entanto, deixei isto bem claro quando nos conhecemos. Antes de passarmos a primeira noite juntos, tivemos esta conversa:
"Tenho uma coisa para te contar."
"O quê?"
"Vais achar que eu tenho a mania."
"Diz lá o que é."
"É a primeira vez que estou a usar aqueles boxers."
"Quais boxers?"
"Os que estão no chão, os que eu trazia."
"São muito giros."
"Pois são, mas já não vou usá-los mais."
"Porquê? Estão rotos?"
"Não. Só uso boxers uma vez. Depois ponho-os no lixo."
Uma vez comprou-me um pack de 5 da linha branca do Continente, disse-me que não teve tempo para ir ao Corte Inglês. É claro que fiquei pior que estragado, mas não disse nada. No manhã seguinte, parecia um pinheiro de Natal cheio de luzinhas vermelhas, ganhei uma alergia daquelas. Mostrei a minha "decoração comichosa" à minha mulher que naturalmente se sentiu culpada. Andei assim durante uma semana, não pude usar nada. Sou técnico comercial, as minhas vendas caíram a pique, a minha confiança foi afectada. Tive de marcar consulta no dermatologista que me proíbiu de comer roupa com pelo (pêssegos, etc). Quase cem euros para o seu doutor, fora o dinheiro do creme e do anti-histamínico. A quantidade de boxers que eu podia comprar com cem euros! A minha mulher encarregou-se de pôr os restantes quatro boxers do pack no lixo.

quinta-feira, setembro 03, 2015

Já faltou mais para ter tuiter (VI)

@pedroeoroubo: e a expressão "estrada de Damasco" que ganhou novo significado nos últimos meses. Morte em vez de iluminação. Desconfio que nem São Paulo se habilitava agora-

No café

"O tempo não espera por ninguém", disse a senhora do café para a cliente no balcão enquanto pincelava a minha torrada.
"Desculpe, disse muita ou pouca manteiga", perguntou-me, olhando-me de viés de esguelha.
"Pouca, pouca".
O jornal do café estava ocupado por um velho tuberculoso. Comecei a escrever um verso sobre a dona do café no meu bloco do continente. Era assim:

Matteo, Rita de Cássia e Mia não abriram a boca

Quando pousou a torrada e a meia de leite ("escurinha") na mesa, a senhora leu o meu verso. Revirou-me os olhos e abanou a cabeça enquanto regressava ao balcão, não gostava que escrevessem sobre ela.
Risquei o verso várias vezes, envergonhado. Um nado-morto, mais um.

segunda-feira, agosto 31, 2015


quarta-feira, agosto 26, 2015

Interlúdio para uma história a sério

- Madison, jura pela saúde da tua filha que o teu nome não está na lista.
- ...nem sequer te vou responder, Odete.
- Eu não quero ver a lista. Recuso-me a fazê-lo. Foi a minha irmã que me disse. O teu email estava lá. Eu quero ouvir da tua boca que isto não é verdade, Madison.
- Odete, pelo amor de Deus. A tua irmã nunca foi com a minha cara.
A mulher sai do quarto e abre a porta do quarto ao lado.
- Ashley, chega aqui. O teu pai vai jurar pela tua saúde que nunca me traíu.

quinta-feira, agosto 20, 2015

Mais cláusulas

- Lord Alfred Tennyson punha as barbas de molho (inglês) e só bebia Somersby. Com leite, claro.

- Em Guersey, se voltarmos a cara sobre o ombro e virmos ao longe dois mastros (de uma escuna), devemos ignorá-los.

- As gemas de ovo são efectivamente verdes na terra da Herta Müller.

- Já se fabricam gaitas de foles para asmáticos e para pessoas que não gostam de gaitas de foles.

- Há uma grande procura de línguas nesta terra; as pessoas já não falam, têm medo.

- Tacteio sempre os bolsos à procura das chaves quando não quero prolongar uma conversa.

- Os romanos e os gregos choraram muito a glória do passado; foi assim que o Mar Mediterrâneo se formou.

- Tenho algum prazer em lamber os cotovelos de noivas que seguram o buquê.

- As bundas vigorosas e oleadas das cariocas representam 1.3 % do PIB brasileiro.

- Boa noite, senhor Dedalus!

quarta-feira, agosto 19, 2015

Na praça de táxis

Consigo ouvir a conversa entre os taxistas lá em baixo. Conhecem-se todos, tratam-se por tu e atenção que eu não moro numa cidadezeca qualquer! Estão sempre a par das últimas notícias e gostam de saber as coisas ao pormenor; por exemplo, ainda hoje de manhã, ouvi o mais novo a falar sobre o novo muro que está a ser erguido entre a Hungria e a Sérvia para travar o fluxo de refugiados. Soube dizer quantos quilómetros tem o novo muro, quantos militares estão a ser usados na sua construção e até o nome do fabricante do arame farpado que reforça a vala e o muro (Google Notícias rói-te de inveja!).
Sem papas na língua (mas um pouco sopinha de massa), o mais velho dos taxistas respondeu-lhe:
- Vai-te uber.

domingo, agosto 09, 2015

Já faltou mais para ter tuiter (V)

@pedroeoroubo: e estes desempregados que reaparecem de forma inesperada, que irritantes. São como aquele jogo arcade, o whac–a–mole: metem as cabecitas de fora (eu sei eu sei) e não há meio dos partidos conseguirem acertar-lhes.

sexta-feira, julho 31, 2015

terça-feira, julho 28, 2015

Índia

Quando Deus NS estava modelar a Índia, uma vaca veio por trás e lambeu-Lhe a orelha esquerda. Deus NS tapou a orelha com o ombro, mas a vaca fez o mesmo na orelha direita; Deus NS não conseguiu evitar, contorceu-se todo com as cócegas. As mãos distraídas apertaram o barro com demasiada força: a peça acabou por ficar adelgaçada na base e muito rugosa na parte de cima. Depois da secagem, um trabalho algo atamancado mas único.
"Selfie" de 1900

Good lord!

O Martin Amis não precisa de se esforçar muito. "Assim também eu."

Melhor comentário ao vídeo:
A fiver? Fucking cheapskate.

quinta-feira, julho 23, 2015

Los tres amigos

Fecharam o gato na marquise. Na verdade, não fecharam, as janelas da marquise estava abertas, os donos do gato é que se fecharam a eles próprios. O bichano está agachado na calha das janelas da marquise, está a olhar para as estrelas. Para ser mais preciso, o gato está a contemplar Arcturus. Arcturus, ou Alpha Boötes, ou Arturo, é uma estrela gigante laranja tipo ko III e, segundo o wiki, fica relativamente perto da Terra, a apenas 36,7 anos-luz. Só para terem uma ideia, se Arcturus explodisse agora, neste momento, só daqui a 36,7 anos é que iríamos poder ver a explosão no céu nocturno. Arcturus é muito maior do que o Sol. É tipo quase trinta vezes maior do que o sol (agora com letra pequena). Só para terem uma ideia, se Deus pusesse as duas estrelas lado a lado, o sol seria uma ervilha e Arcturus seria uma abóbora. Agora pensem, sungazers.
O gato não desvia o olhar da estrela gigante. Eu também me encontro fechado na minha marquise. Chateei-me com a minha mulher, ela deu-me a escolher: ou o sofá da sala ou a marquise. E aqui estou eu, de boxers, na marquise, com uma garrafa de água na mão, a tentar seduzir um gato do prédio da frente. Mas nada, o gato está em transe, está hipnotizado pela grande estrela. Formou-se ali uma espécie de triângulo cósmico na madrugada, eu, o gato e Arcturus, e quando dei por ela, estava a trautear uma música de um tipo inglês marado chamado Squarepusher.

terça-feira, julho 21, 2015

Jacob Munkhammar


















Os nossos emigrantes estão aí. Próximo da Barragem da Falperra, V. P. Aguiar.

segunda-feira, julho 20, 2015

Já faltou mais pra ter tuíter (IV)

@pedroeoroubo: rah não é todos os anos que se tem a mesma idade do número que se calça. Ok português de c@c@, vocês entenderam.

quinta-feira, julho 16, 2015

Poor Boy Slim

Poor Boy Slim seguia pela estrada poeirenta numa passada arrastada e pesarosa (mais pesarosa do que arrastada talvez) em direcção a Norte. O sol inclemente apoia-se sob o seu ombro esquerdo, a guitarra pesava-lhe uma tonelada. Aproximava-se lentamente de uma encruzilhada, da famosa encruzilhada onde se diz que Robert Johnson vendeu a alma ao diabo há alguns anos. O pai de Poor Boy Slim era amigo de Robert Johnson e em miúdo ouviu muitas aventuras do famoso bluesman. Poor Boy Slim teve de esfregar os olhos. Pareceu-lhe ver um sapador bombeiro sentado na berma do cruzamento. Estava com ar cansado e desolado, talvez até mais desolado do que cansado. Antes de se sentar, Poor Boy Slim cumprimentou o velho bombeiro que devolveu o cumprimento tocando na pala metálica do capacete. O capacete era uma peça líndissima. Passada nem meia hora, os dois avistaram ao longe aquilo que parecia ser um chinês a pedalar uma daquelas bicicletas de gelados. O cruzamento estava uma fornalha àquela hora, os dois estavam completamente ensopados. À medida que o estranho vulto se aproximava, as suas suspeitas confirmaram-se. Era efectivamente um chinês a pedalar uma daquelas bicicletas de gelados.
- Vai um geladinho? - perguntou o chinês todo sorridente.
- Sim - responderam os dois ao mesmo tempo. - Quanto custa? - perguntaram os dois em coro.
- Não quero dinheiro - respondeu o chinês com um sorriso de orelha a orelha.

sexta-feira, julho 10, 2015

Knut

Durante a sua segunda passagem pela América, entre 1886 e 1888, trabalhou como operário não qualificado e durante nove meses foi condutor de eléctricos em Chicago. Era conhecido pelo seu hábito de ler Aristóteles e Eurípides entre as paragens. Era muito pobre e resistiu ao rigor do Inverno de Chicago usando folhas de jornal sob a roupa; os seus colegas gostavam de tocar-lhe para o amarfanhar.

quarta-feira, julho 01, 2015

Já faltou mais para ter tuiter (III)

@pedroeoroubo O lema de Tsipras é o lema dos Lannister (GoT):

"A Greek always pays his debts*

*with bailout extension."

segunda-feira, junho 29, 2015

O goulash

Hoje é dia de São Pedro e por isso decidi ir a São Pedro da Cova almoçar. Mandei vir o famoso "goulash" à moda de São Pedro da Cova de que toda a gente fala. O guisado tinha sido afogado numa espécie de molho de cor antracite. O único funcionário da Casa Macedo poderia ser irmão gémeo do R. Quaresma, não fossem os óculos e o bigode à J. Joyce. Apenas três mesas estavam ocupadas, o empregado aproveitava todas as pausas no serviço para escrevinhar numa imitação de Moleskine.

"Hoje, forasteiro de ar pretenciosamente misterioso, blusão Levi's
genuinamente gasto, goulash & verde tinto. Demasiado polido para o
padrão local. Julga que sabe tudo sobre nós, mas não sabe. Deixa ficar
metade da comida do prato. "Café curtinho", gorjeta de cinquenta cêntimos. Que
odioso, que miserável. Não pede factura com NIF, oh que magnânimo!
Despede-se como se voltasse cá amanhã. Mas quem é que
ele pensa que é, este suburbano? Aí vai ele no seu comercial branco para o
seu T1+1 em Valbom ou no cu de judas onde ele mora. Mas que miserável
tão miserável, o paladino dos miseráveis, aí vai ele."

quarta-feira, junho 24, 2015

segunda-feira, junho 22, 2015

LDS Church



Quando li a primeira vez, pensei que a sigla estava mal escrita. Tal como a maioria (pensei logo em LSD que pode significar Least Significant Differences ou Lucky Strike Devils).
Às vezes adoro o meu trabalho.

É assim que acaba

O pasteleiro aparece atrás do balcão com um belíssimo bolo branco e pergunta à dona "o que é para pôr". Ela agarra-o pela braço, encaminha-o para a parte de trás do café como que se tivesse vergonha do pasteleiro. Dou o meu primeiro gole de café para conseguir ouvir a conversa.
"O bolo tem de ser azul e com muitas estrelinhas, a miúda adora estrelinhas."
"Sim, mas quantas?"
"Doze...assim em círculo, 'tás a ver?"
Naquele momento, Tsipras enche a televisão pendurada num canto e começa a falar, parece muito sério. Não dá para ouvir nada, o som está cortado. Ainda tenho um restinho de café no fundo da chávena, agito-o e dou o meu último gole. A mulher atende o telefone e aperta a cana do nariz com o indicador e o polegar. Corre atrás do balcão, abre a porta de vai-e-vém e berra lá para dentro.
"Afinal, são onze estrelinhas."

sexta-feira, junho 19, 2015

quarta-feira, junho 17, 2015

A bicicleta

Comecei a ler "O Homem Lento" do Coetzee no dia em que comprei a bicicleta. No "Homem Lento", o protagonista perdeu uma perna num acidente de bicicleta, gosto sempre de me preparar para o pior. Coetzee quer dizer "de Kocz", Kocz é uma cidade que fica no norte da Hungria. A bicicleta é amarela, tem um autocolante a dizer Rally no quadro, tem mudanças Shimano (!), trava mal, mas custou-me apenas trinta euricos (usada). E agora, preparem-se: o Porto não é Amesterdão, nem Gaia é Haarlem. Espumo-me e suo como um cavalo, mas que coça que eu levo quando pego na minha Rally, é bem feito para mim, confiei em excesso nas minhas pernas, assoberbei a nossa topografia.

A insídia católica

A enfermeira pergunta à recém-acamada qual é a sua religião. A mulher deu entrada há coisa de quinze minutos, os olhos são de um verde indeciso, seria muito difícil acertar no pantone daquele verde, é jovem e a cair para o forte, usa um buço que lembra a pele de um pêssego maduro. Já forneceu quase todos os dados, às vezes parece que fala suomi ou uma língua eslava qualquer, como é que ela conseguiu trepar a Muralha? Já tem o tubo do soro enfiado no pulso da mão direita, a mão esquerda não larga um grande molho de chaves que devem abrir todas as portas da sua aldeia. A enfermeira, de baixa estatura mas muito solícita, repete a pergunta.
"Portuguesa."
"Não, a sua religião."
"...acho que é portuguesa."
"Posso pôr católica?"
"Sim, acho que sim."

segunda-feira, junho 15, 2015

O escritor


O escritor molha os lábios enquanto lê o rótulo da composição química colado na garrafa de plástico. A carta está pousada sobre a sua fiel Corona que comprou há muitos anos na feira da ladra. Rasga o envelope com um abre-envelopes com o brasão de armas do Egipto e começa a ler em voz alta:

"Queremos antes de mais agradecer a confiança que depositou na nossa editora ao apresentar-nos o seu original.
Após análise do mesmo, cumpre-nos informar que entendemos não proceder à sua publicação,(...), o que em nada afecta a qualidade e o mérito do seu texto
."

Era o seu terceiro romance, o mais bem conseguido até à data. O escritor torna a encher o copo e pega na garrafa para acabar de ler a composição química da água que está a beber. O escritor acende o cachimbo electrónico e diz:
Agora posso escrever. Agora posso simplesmente escrever.”

sexta-feira, junho 12, 2015

co-thinking

Ah trabalhar outra vez com seres humanos.
Pensar duas vezes
antes de enfiar lascivamente
o dedo no nariz;
pensar duas vezes
antes de tirar fios de laranja
presos entre os dentes;
pensar duas vezes
antes de remover cotão do umbigo
(ou de outra parte anatómica qualquer).

Tal como diria o infame Gary Glitter:
"Hello, hello, it's good to be back".

terça-feira, junho 09, 2015

























Mais palavras intraduzíveis (os japoneses e os alemães abusam um pouco), aqui.

sexta-feira, junho 05, 2015




















You wanna be like Errol Flynn
Captain Blood was a whore
You wanna be like Gary Cooper
High on a horse
You wanna be like Lorne Chaney
Howlin´ at the moon
You wanna be like Baby Glass
Give me a kiss too soon, yeah


Timothy Taylor

quinta-feira, junho 04, 2015

Já faltou mais para ter tuiter (II)

@pedroeoroubo
Ancelotti no melhor clube do mundo, Boavista.
Mais do que confirmado.

quarta-feira, junho 03, 2015

Ah o Primavera

Ariel Pink e Electric Wizard (e talvez os Spiritualized se tiverem num dia bom).
O resto é para encher chouriços.

Joseph Blatter

Joseph Blatter é o oitavo filho de uma humilde família de Rajshahi, Bangladesh. O seu pai era um hábil tecelão que ao cabo de muitos anos de ofício conseguiu tecer fios da água no velho tear que herdara do seu pai. Vinham pessoas do locais longínquos como o Botão Butão ou Myanmar para comprar os seus belíssimos tecidos e urdiduras de água. A sua mãe chamava-se গৃহিনী que em bengali significa Doméstica. Quando Joseph fez um ano, Doméstica resolveu consultar um adivinho para saber qual seria o destino do seu filho. O adivinho era um homem de muitas posses e tinha a seu cargo um jardineiro que, no dia anterior, lançou linhas de cal sobre o jardim que era gabado e cobiçado por todos na cidade. O jardineiro já tinha alertado o seu patrão que se este não pagasse aquilo que lhe devia, iria fazer algo ruim ao seu jardim. Na verdade, o jardineiro era um homem estóico e estava a ficar cego, mas não teve coragem de confessar isto ao seu patrão com receio de perder o emprego. Quando Doméstica se sentou com o bebé Joseph Blatter à frente do adivinho, a cabeça do vidente estava pantanosa e o seu coração estava muito pesaroso, e profetizou que aquela criança iria ter uma vida longa mas cheia de dor e canseiras, com muita gente a desejar-lhe mal, como um longo rio barrento cheio de entulho e troncos rachados. O adivinho aconselhou ainda que Joseph deveria dormir sempre em beliches de pinho e, de preferência, na cama de cima.

segunda-feira, maio 25, 2015

domingo, maio 17, 2015

Riley Ben King

Quem disse que para reinar não se deve ter amigos enganou-se redondamente. Creio que é a melhor qualidade que consigo encontrar no homem. Curiosamente, sempre gostei mais do seu vozeirão do que do som da Lucille que é demasiado limpo para o meu gosto. Mas que tocava para o mundial, tocava.

terça-feira, maio 12, 2015

Duelo

Para acabar de vez com acusações, insultos e verborreias via sms, tuítes, face, he-mails, she-mails, comunicados, etc., proponho a reabilitação da melhor tradição dos séculos dezoito e dezanove: duelos ao fim do dia nos bosques para repor a honra e a taxa de mortalidade.
Vou desenhar a petição e volto já.

quarta-feira, maio 06, 2015

Já faltou mais para ter conta tuiter

@pedroeoroubo
Em função da nova ameaça da greve dos pilotos, TAP assegura a aquisição de centenas de milhares de parapentes e drones XXXL.

@pedroeoroubo
E não seria mais barato transformar a companhia "de bandeira" numa low cost? Uma única classe, sem lugares marcados, com raspadinhas e cornetas a soar a bordo? E a aterrar a horas já agora? Não, isso é tudo muito left-wing (!) (excepto a parte das raspadinhas).

terça-feira, maio 05, 2015

sexta-feira, maio 01, 2015

Bula

A Bula de Maio já está disponível nas Farmácias de Serviço
e aqui.

sábado, abril 25, 2015

Proverbial

Quatro provérbios para encerrar a acta da última reunião de condomínio que durou até às tantas:

Liberdade que rebenta em Abril
dá pouca memória para o barril.

Abril, tempo de cuco
de manhã liberto
e à tarde caduco.


Em Abril,
ingerências mil.

O MFA derrubou
a ditadura
À tarde, piscina.

sexta-feira, abril 17, 2015

Guerra

Como é possível ter sido plagiado por um autor mais velho, um escritor mais do que conceituado, um tipo ao qual não me importaria de engraxar os sapatos, um homem que trabalhou com Fellini e Antonioni? Irritado, atirei as Histórias para uma noite de calmaria para trás do sofá e fui para a cama a pensar no dinheirão que iria gastar com os meus advogados. Escusado será dizer que dormi mal e porcamente. Hoje de manhã, enquanto me calçava, ouvi um coaxar que vinha da frincha entre o sofá e a parede. Olhei para o meu odradek, ele devolveu-me aquele seu olhar imperturbável e fingimos os dois que não se passava nada. Acabei por esquecer o assunto.

segunda-feira, abril 13, 2015

Na fila

Enquanto esperava que as Finanças abrissem para pagar o IMI das minhas quatro casas, pus-me à escuta da conversa entre quatro seniores, consegui manter-me escondido atrás de um excelente camalhaço para o efeito, "Críticas e notícias - Dados Biográficos - 1927-1995". Um dos idosos vestia um fato casual, muito elegante, tinha voz de tenor, as vidraças da repartição vibravam quando punha pontos de exclamação em quase todas as frases, ainda tinha a pronúncia carregada e musical da Serra de Bornes.
- Em 1900, andei nove meses a fazer gamelas de massa, tinha de ganhar dinheiro para mim e para os meus pais, pois então, só depois é que fui para trás de volante, fui chofer durante mais de trinta anos, trabalhei muito de noite, às vezes quinze dias seguidos, mas primeiro acartei pedra para fazer quase todos os bairros de Porto, só depois é que comecei a ir lá para fora, ia e vinha da Inglaterra, França, Luxemburgo, Países Baixos, País dos Sudetas, etc, etc. Em Agosto de 1939, já estava a caminho de Portugal, vinha eu do sul da Alemanha, metade da camionete estava cheia de judeus, já estávamos no sul da França, caralho, senhores, que sorte que eles tiveram! E eu também, pois então!".
Foi a primeira vez que estive a meia dúzia de passos de um imortal, de um Struldbrug, e ainda por cima português.

segunda-feira, abril 06, 2015

Leonora Carrington


















Muitos parabéns D. Leonora.
A senhora é a minha Nossa Senhora.

sexta-feira, abril 03, 2015

segunda-feira, março 30, 2015

Novo haiku da mudança da hora


Com esta coisa de
adiantar a hora,
às nove oito ainda é dia.

sábado, março 28, 2015

sexta-feira, março 27, 2015


quarta-feira, março 25, 2015

Ainda o poeta

Ainda tenho alguma esperança que encontrem a caixa negra do H.H. para tornarem públicas as "causas da sua morte", seja feita a vontade da alguma comunicação social que o descobriu ontem. Aquela sua poesia que manda logo para as ligas distritais qualquer poesia que se fez na "segunda metade do séc. XX" - havia necessidade para este tipo de comentários nesta hora? Sim, há, poupar-se-ia muito tempo e muito papel.
Estou a ser injusto. Excepção para o Cesariny que também era bom com as duas mãos. É claro que depois tenho as minhas simpatias (sem qualquer tipo de condescendência, como se eles precisassem): António Osório, Ana Paula Inácio, Adília Lopes*.


*Sim, começam todos pela letra "A", é o meu critério infalível para estas cenas.

terça-feira, março 24, 2015

Herberto Helder

terça-feira, março 17, 2015

Palavra d'honra

Bati-me ontem em duelo e venci, a minha honra foi reposta. Arma escolhida: florete. Sofri apenas um ligeiro corte na perna, uma tentativa trapalhona de um golpe de Jarnac por parte do meu adversário, o Barão do Chão Vermelho. O motivo? Não posso dizer porque já me esqueci, o meu adversário deve ter golpeado a minha cabeça sem que eu desse conta; para piorar ainda mais as coisas, amanhã tenho de comparecer numa comissão de inquérito qualquer. Que maçada, o que é que vou para lá fazer se não me lembro de nada? Como se não bastasse, um dos membros da comissão foi minha testemunha no duelo, porque é que ele requereu a audição? Mas que maçada, que maçada.

quinta-feira, março 12, 2015

Alcaparras

Não consigo livrar-me
do hálito
a alcaparras.

Há uma semana
que falo com este
fedor verde,
a minha boca é um walker.

A minha mulher
faz cara feia
e vira a cara pró lado
quando a vou beijar,
deveria ser "na saúde,
na doença,
na pestilência,
etc.".

Já bochechei hextril
umas quarenta vezes,
bebi limonada com
água salgada,
fui à Santa Rita
a pé e nada,
nada resulta.

Esta merda é o que dá
armar-me em
masterchef.

quarta-feira, março 11, 2015

Prejuízo literário

Tento interiorizar que cada dia que passo sem escrever 300 palavras, perco quase 3000€ diários como aquele totalista do Euromilhões que ainda não reclamou o prémio. 30 mil. 300 mil. Por aí fora.

A situação política no Uzbequistão

À falta de melhor, tenho acompanhado os últimos desenvolvimentos políticos no Uzbequistão e não consigo deixar de associá-los a contínuas jogadas de Batalha Naval. Senão vejamos: o ex-PM encontra-se em "prisão preventiva" há quase meio ano; foi um porta-aviões que embora já tenha ido ao fundo há algum tempo, ainda consegue enviar mísseis/missivas do fundo do mar (não, não é um submarino, esse é representado pelo RP do Governo, é um caso de estudo de resiliência e sagacidade política). O actual PM é outro porta-aviões que se mantém à tona a todo o custo; se sofrer mais um tiro, é provável que vá ao fundo. A ministra das Finanças é uma bela fragata com uma pesada divida pública no bojo (não pode largá-la em alto-mar) que se farta de navegar por misteriosos mares interiores. O PR é um navio-almirante que conta já com inúmeras comissões no currículo, mas que agora parece navegar ao sabor das ondas. A sua manutenção sai cara. Precisa de reforma. Não consigo definir o actual líder da oposição; actuou com alguma eficácia como contra-torpedeiro no passado, foi concebido para escoltar o porta-aviões naufragado, mas pergunto-me se possui autonomia e capacidade suficientes para enfrentar os mares revoltosos do Uzbequistão.

segunda-feira, março 02, 2015

O sonho



Vou contar-vos o sonho que tive esta noite. 
Ia com a minha mãe numa daquelas velhas camionetas dos Carvalhos, da UTC, daquelas que estão a cair de podres e que encharcam o ar de fumo preto, íamos já a meio da viagem, quando resolvi confirmar com o motorista que era russo se a camioneta ia mesmo para Ecaterimburgo; ele disse que não, que só ia até Perm. A minha mãe começou a mandar vir comigo, "estás a ver, estás a ver, o que é que eu te disse? Tu nunca me ouves", começou a esbracejar a dizer que queria sair, ela bem me tinha avisado que tínhamos entrado na camioneta errada. O motorista travou a fundo, um grupo de hospedeiras de bordo que ia lá trás foi projectado para a frente, era cada uma melhor do que a outra, metiam todas a Irina, a ex do R7, no bolso, as lindas hospedeiras ficaram prensadas no vidro da frente e começaram a disparar insultos para o motorista. A minha mãe e eu estávamos mesmo atrás do lugar do motorista que se virou e olhou para os meus pulsos; muito calmamente, desapertou a bracelete do meu Rolex, enfiou-o no bolso, voltou-se e piscou-me o olho pelo retrovisor. Arrancamos. Olhei lá para fora, árvores e mais árvores que aborreciam de morte a paisagem. A minha mãe já dormia com a boca aberta, acabei por adormecer também.
Alguém me puxava pelo braço e dava tabefes meigos para me acordar. Olhei atarantado para o lado. Em vez da minha mãe, vi a minha mulher a sorrir para mim, estávamos outra vez parados. A camioneta estava vazia. O motorista russo estava lá fora a ver a pressão do pneu careca com a bota texana. À nossa frente, uma placa branca dizia "Serzedo".