segunda-feira, dezembro 21, 2015

Passeio

Encosto a cara a este sol de Inverno, que dia magnífico para dar uma volta pela paróquia. Até os homens da junta trabalhavam com mais afinco e dedicação. Estavam a arranjar o passeio de uma esquina e faziam-no com uma alegria sincera e transbordante, que profissionais. Tal e qual aquelas pinturas murais do Rivera. Que referência inteligente que eu introduzi aqui. Parei na beira do passeio e enquadrei-os com o polegar e o indicador. Que belíssimo quadro daria se eu tivesse jeito para pintar. Um casal adorável de velhinhos passa por mim. Vão os dois de braço dado. São meus vizinhos, velhos conhecidos. Idosos conhecidos, quero eu dizer. A senhora vira-se para mim. Hesitou em cumprimentar-me, desde que pusemos os olhos um num outro que vivemos os dois neste impasse, ninguém ousa dar o primeiro passo para a saudação. Aposto que foi professora de História, tem muita classe, cabelo grisalho, quase azul, casaco e calças creme, uma écharpe de motivos florais, discreta. Muito charme. O sol acaricia-me, que dia de Inverno lindo. Quem me dera ter FB para publicar estas coisas que me vão na alma. Sigo o casal, vão para o mesmo lado que eu vou. O homem não lhe fica atrás, é ele que marca o passo de nós os três. Têmporas brancas, reverentes, usa um fato azul escuro impecável, apenas alguns vestígios de caspa sobre os ombros, nada de grave. Aposto que escreve crónicas para o jornal local. Aposto que gosta de Aquilino. Faz-me lembrar o frei Bento Rodrigues O.P.. Mais uma referência inteligente, que senhor distinto. Vão demasiado devagar, tenho demasiado energia dentro de mim, vejo-me obrigado a ultrapassá-los, sinto-me envergonhado quando o faço, parece que estou a cometer uma infracção. O homem deixa de falar. Já vou uns bons cinco passos adiantado quando ouço um valente e magnífico traque. Sim, já não é a primeira vez. Da última vez que isto aconteceu, eu ia atrás. O velho cronista não tem qualquer tipo de clemência, não deixa prisioneiros.