Até sabermos quem somos de verdade, todo o conhecimento que adquirimos, tudo o que aprendemos, é pura ignorância acumulada.
sábado, dezembro 22, 2018
quarta-feira, dezembro 19, 2018
Beijo
Vou contar-vos o meu proto-sonho de hoje.
Vocês não tem nada melhor para fazer e eu também não. Vamos a isso.
Jon Bon Jovi e aquele pessimista romeno, o Cioran, estavam em cima de um muro de pedra a contemplar o pôr-do-sol.
Bon Jovi começou a cantar "Living on a Prayer" ao ouvido de Cioran que tentava encontrar um sorriso sob os destroços daquela sua expressão de betão.
"És o último dos dandies", disse Cioran.
"Cresceste em mim. Semeaste a semente de mostarda do teu amor no meu coração e nunca mais fui o mesmo", desabafou JBJ.
Abraçaram-se e beijaram-se como só dois homens intensos e apaixonados se podem beijar.
terça-feira, dezembro 18, 2018
quarta-feira, dezembro 05, 2018
quinta-feira, novembro 29, 2018
sexta-feira, novembro 23, 2018
Em algumas peças de bordado, o lado que fica escondido é bastante diferente do lado que fica visível. Na frente, tudo é simétrico, colorido, bonito. Atrás, nem sempre é assim.
A minha professora de Têxteis dizia-nos que o lado tapado, a parte escondida da peça, deveria ficar o mais semelhante possível ao lado exposto, à parte para decoração.
Todos temos um elemento de duplicidade. O tempo acentua essa duplicidade até ficar insuportável.
Nem tudo é suposto estar na frente.
A uma determinada altura, vemo-nos obrigados a virar o lindo pano bordado e ver o que temos oculto, a parte menos bonita. Creio que aprendemos sempre algo com as pontas de fio soltas, com o "feio". Julgo que, deste modo, ficamos finalmente conscientes da peça toda. Poderá levar algum tempo, no entanto.
A minha professora de Têxteis dizia-nos que o lado tapado, a parte escondida da peça, deveria ficar o mais semelhante possível ao lado exposto, à parte para decoração.
Todos temos um elemento de duplicidade. O tempo acentua essa duplicidade até ficar insuportável.
Nem tudo é suposto estar na frente.
A uma determinada altura, vemo-nos obrigados a virar o lindo pano bordado e ver o que temos oculto, a parte menos bonita. Creio que aprendemos sempre algo com as pontas de fio soltas, com o "feio". Julgo que, deste modo, ficamos finalmente conscientes da peça toda. Poderá levar algum tempo, no entanto.
quarta-feira, novembro 21, 2018
O primeiro pensamento que me caiu em cima hoje de manhã ao acordar:
"Vais ligar ao Manuel Luís Goucha. Vais elogiar-lhe as fatiotas e propor-lhe redigir a biografia em jeito de ghost writer. Vais encontrar-te com ele numa grande estação ferroviária (ia usar o galicismo "gare" mas arrependi-me), tomar um capucino e pedir-lhe para falar sobre a sua vida antes da Cristina."
E é assim que se começa o dia.
"Vais ligar ao Manuel Luís Goucha. Vais elogiar-lhe as fatiotas e propor-lhe redigir a biografia em jeito de ghost writer. Vais encontrar-te com ele numa grande estação ferroviária (ia usar o galicismo "gare" mas arrependi-me), tomar um capucino e pedir-lhe para falar sobre a sua vida antes da Cristina."
E é assim que se começa o dia.
sábado, novembro 03, 2018
quinta-feira, novembro 01, 2018
Mamoudou, o mauritano
Ando arredado deste blogue porque estou a atafulhar a minha cabeça com números e lentes.
As minhas desculpas ao meu único e estimado leitor que me segue da Mauritânia.
Mamoudou, o mauritano, vive numa aldeia a norte do intrigante "olho de África".
Confessou-me que gosta muito de Barry White e Sade (a cantora) e que se orgulha do seu passado de Atlante. O seu sonho é conhecer o Algarve de sotavento e barlavento e passar um mês num resort de "papo para o ar". Lê avidamente J. L. Borges e dispensa Pessoa porque acha-o muito chato e "previsível".
Mamoudou, o mauritano, pediu-me para escrever este pequeno texto para o único leitor deste blogue.
.
terça-feira, outubro 23, 2018
Armistício
Hoje sonhei com o Marechal Foch.
Estava na sala de espera de uma destas modernas clínicas dentárias. Foch chegou, tirou as medidas à sala e olhou para mim durante uns bons dois minutos. Depois, sentou-se a meu lado (a sala estava praticamente vazia) e perguntou-me que horas eram.
- São três e vinte, meu General, disse-lhe.
Foch ainda não tinha sido distinguido com o posto de marechal.
- Está na hora, meu rapaz.
Sim, o momento chegou. Estou pronto para assinar o Armistício com a minha mente.
Estava na sala de espera de uma destas modernas clínicas dentárias. Foch chegou, tirou as medidas à sala e olhou para mim durante uns bons dois minutos. Depois, sentou-se a meu lado (a sala estava praticamente vazia) e perguntou-me que horas eram.
- São três e vinte, meu General, disse-lhe.
Foch ainda não tinha sido distinguido com o posto de marechal.
- Está na hora, meu rapaz.
Sim, o momento chegou. Estou pronto para assinar o Armistício com a minha mente.
sábado, outubro 13, 2018
terça-feira, outubro 09, 2018
Colóquio
Acho que foi o G. Grass que disse "eu não sou fiel mas sou dedicado".
Pois bem, eu sou dedicado aos meus humores, aos meus fígados. Durante algum tempo, abafava-os numa bacia escura, metálica, mas essa bacia começou a transbordar. Verpiss dich Freud! Arschloch!
De qualquer maneira, quero pensar que respeito agora esse lastro de "muddy waters" e ponho-o ao sol a corar. Não, já não barro esse pastoso lastro cinzento com geleia de optimismo ou condescendência para depois se transformar numa coisa intragável e falsa. O pequeno budinha risonho (que não é o verdadeiro Buda , mas não me apetece explicar isso agora) ri-se ainda com mais vontade, mesmo à minha frente.
Outra coisa. O Marx (vou dizê-lo com todos os dentes e próteses, com quase toda a certeza do mundo) e o Lenine eram meninos de coro quando comparados com o Lutero. Pensem.
Pois bem, eu sou dedicado aos meus humores, aos meus fígados. Durante algum tempo, abafava-os numa bacia escura, metálica, mas essa bacia começou a transbordar. Verpiss dich Freud! Arschloch!
De qualquer maneira, quero pensar que respeito agora esse lastro de "muddy waters" e ponho-o ao sol a corar. Não, já não barro esse pastoso lastro cinzento com geleia de optimismo ou condescendência para depois se transformar numa coisa intragável e falsa. O pequeno budinha risonho (que não é o verdadeiro Buda , mas não me apetece explicar isso agora) ri-se ainda com mais vontade, mesmo à minha frente.
Outra coisa. O Marx (vou dizê-lo com todos os dentes e próteses, com quase toda a certeza do mundo) e o Lenine eram meninos de coro quando comparados com o Lutero. Pensem.
segunda-feira, outubro 01, 2018
Restos de verão
Na esplanada "Escobar" todos os clientes são especiais.
Mãe e filha estão sentadas duas mesas à minha frente. A filha tenta explicar como funciona o novo smartphone da mãe. Começa todas as explicações com um "Oh mãe" impaciente, mas a mãe tolera-a. A filha tem pernas macias, robustas de ginásio, mas não muito trabalhadas, um celulite residual baila perto das nádegas quando cruza e descruza as pernas. Viajo para longe.
A mãe cinquentona desafia-me com um olhar seco e verde. Não querendo ser vulgar, vê-se que a senhora ainda tem gasolina no depósito para gastar. Não sei se me reprova ou se tem ciúmes. O meu ego incha e vai molhar os pezinhos no mar.
A água está gelada, chega o namorado da filha. Cumprimenta-as. A mãe olha agora para mim com algum gozo enquanto parece desfrutar daquele falso ménage.
Peço mais um fino e um pratinho de tremoços. Finjo ignorá-las e volto ao que não estava a fazer.
Mãe e filha estão sentadas duas mesas à minha frente. A filha tenta explicar como funciona o novo smartphone da mãe. Começa todas as explicações com um "Oh mãe" impaciente, mas a mãe tolera-a. A filha tem pernas macias, robustas de ginásio, mas não muito trabalhadas, um celulite residual baila perto das nádegas quando cruza e descruza as pernas. Viajo para longe.
A mãe cinquentona desafia-me com um olhar seco e verde. Não querendo ser vulgar, vê-se que a senhora ainda tem gasolina no depósito para gastar. Não sei se me reprova ou se tem ciúmes. O meu ego incha e vai molhar os pezinhos no mar.
A água está gelada, chega o namorado da filha. Cumprimenta-as. A mãe olha agora para mim com algum gozo enquanto parece desfrutar daquele falso ménage.
Peço mais um fino e um pratinho de tremoços. Finjo ignorá-las e volto ao que não estava a fazer.
terça-feira, setembro 25, 2018
"Ah"
Informo-vos que gostaria de estar - neste momento e no momento a seguir - na Bahia Drake, Costa Rica, a beber água de coco enquanto folheava languidamente um livro sobre cultura pré-colombiana.
À falta de melhor, comprei um Jeff Abbott usado, "Colisão", e apostei no território nacional. Dois euros e meio (o livro apenas, viagem e estadia não incluídas).
O livro tinha vários sublinhados e algumas notas na margem a classificar de "giro" e alguns "ah" em certas passagens.
O leitor/antigo dono deste livro deixou de fazer isto ao fim da terceira ou quarta página, talvez porque já não achasse "giro" ou talvez porque tornou-se absurdo sublinhar todas as passagens e avaliá-las com um "ah".
Acho que me enquadro nesse tipo de leitor, o leitor "ah".
À falta de melhor, comprei um Jeff Abbott usado, "Colisão", e apostei no território nacional. Dois euros e meio (o livro apenas, viagem e estadia não incluídas).
O livro tinha vários sublinhados e algumas notas na margem a classificar de "giro" e alguns "ah" em certas passagens.
O leitor/antigo dono deste livro deixou de fazer isto ao fim da terceira ou quarta página, talvez porque já não achasse "giro" ou talvez porque tornou-se absurdo sublinhar todas as passagens e avaliá-las com um "ah".
Acho que me enquadro nesse tipo de leitor, o leitor "ah".
segunda-feira, setembro 24, 2018
terça-feira, setembro 11, 2018
Pequeno "cair da ficha"
Realizei-me agora da bipolaridade dos meus últimos textos. Descansem, estou em crer que sou apenas um simples e inofensivo neurótico à procura de algo. Tenho a dizer a meu favor que sou incrivelmente bem-parecido e que funciono bem a quase todos os níveis.
Não, não me considero narcisista (se bem que um narcisista poderia dizer isto), sou antes um grande empata. Empato-me a mim mesmo na maioria das vezes e tenho isso bem presente. Acho que faz parte do meu charme.
Não, não me considero narcisista (se bem que um narcisista poderia dizer isto), sou antes um grande empata. Empato-me a mim mesmo na maioria das vezes e tenho isso bem presente. Acho que faz parte do meu charme.
Revista Maria
Revista Maria,
Às vezes vou à biblioteca da minha cidade e sou crivado com olhares por parte de uma funcionária quarentona que é muito voluptuosa, muito atraente. Eu devolvo-lhe o olhar mas como sou muito tímido, disfarço folheando um livro qualquer do José Maria Tallon ou "A Bíblia da Menopausa".
Ora isto está cheio de universárias muito bonitas mas que não me interessam minimamente.
Os meus amigos gozam comigo quando lhes contam, não me compreendem.
Serei normal? O que posso fazer para combater a minha timidez? Não sei mais o que fazer.
Obrigado.
Às vezes vou à biblioteca da minha cidade e sou crivado com olhares por parte de uma funcionária quarentona que é muito voluptuosa, muito atraente. Eu devolvo-lhe o olhar mas como sou muito tímido, disfarço folheando um livro qualquer do José Maria Tallon ou "A Bíblia da Menopausa".
Ora isto está cheio de universárias muito bonitas mas que não me interessam minimamente.
Os meus amigos gozam comigo quando lhes contam, não me compreendem.
Serei normal? O que posso fazer para combater a minha timidez? Não sei mais o que fazer.
Obrigado.
sexta-feira, setembro 07, 2018
Dores de parto
Experimentamos plenas dores de parto, estamos todos a renascer, todos os dias. Uns são mais sensíveis, sentem mais do que outros, o que é normal. Mais dor, mais vale de lágrimas, mais sofrimento*.
Vivemos numa espécie de Idade Média da Mente (ofuscados ou seduzidos pela ilusão da Tecnologia) em que tudo é permitido, o logro, a ilusão, a imbecilidade, o ruído, a distracção ("tracção para diversos lados", descentrar, falta de atenção). A Verdade (Deus, se quiserem) está nas pequenas coisas como diria a indiana Arundhati Roy.
No entanto - e trago esta certeza comigo como uma segunda pele - acredito num novo Renascimento.
* Curioso que quando vamos a um médico - por qualquer motivo - ele não pergunta "Como pensa?"; pergunta antes "Como se sente?".
Vivemos numa espécie de Idade Média da Mente (ofuscados ou seduzidos pela ilusão da Tecnologia) em que tudo é permitido, o logro, a ilusão, a imbecilidade, o ruído, a distracção ("tracção para diversos lados", descentrar, falta de atenção). A Verdade (Deus, se quiserem) está nas pequenas coisas como diria a indiana Arundhati Roy.
No entanto - e trago esta certeza comigo como uma segunda pele - acredito num novo Renascimento.
* Curioso que quando vamos a um médico - por qualquer motivo - ele não pergunta "Como pensa?"; pergunta antes "Como se sente?".
segunda-feira, setembro 03, 2018
Rapidinha
Ora aqui segue uma história que creio que nunca foi contada.
Um homem vem à varanda e apoia-se no seu tapete que está a arejar. Acende um cigarro e olha para um céu cinzento, triste, muito contemplativo. O que estará ele a pensar? Mora no 4ª andar e a sua varanda-cubículo é a única do prédio que não tem marquise.
A vizinha do 3º aparece na terceira passa do vizinho de cima. Começa a estender a roupa, fá-lo com uma ligeireza que irrita um pouco. Deve ter uns cinquenta anos e usa uma blusa com um decote ousado.
O homem desce o olhar a pique e vê as raízes brancas do cabelo pintado da mulher. Estou convencido que consegue ver mais coisas.
Ela não se dá conta daquela presença superior. Suspira, acabou de estender a última peça de roupa e fecha a janela da marquise com alguma violência.
O homem fuma a última passa e vai para dentro.
O cinzento do céu prolonga-se para tarde fora.
Um homem vem à varanda e apoia-se no seu tapete que está a arejar. Acende um cigarro e olha para um céu cinzento, triste, muito contemplativo. O que estará ele a pensar? Mora no 4ª andar e a sua varanda-cubículo é a única do prédio que não tem marquise.
A vizinha do 3º aparece na terceira passa do vizinho de cima. Começa a estender a roupa, fá-lo com uma ligeireza que irrita um pouco. Deve ter uns cinquenta anos e usa uma blusa com um decote ousado.
O homem desce o olhar a pique e vê as raízes brancas do cabelo pintado da mulher. Estou convencido que consegue ver mais coisas.
Ela não se dá conta daquela presença superior. Suspira, acabou de estender a última peça de roupa e fecha a janela da marquise com alguma violência.
O homem fuma a última passa e vai para dentro.
O cinzento do céu prolonga-se para tarde fora.
quarta-feira, agosto 29, 2018
Paciência
O ideal seria isto:
os meus pensamentos têm sempre via verde. Todos eles. Os legais e os ilegais. Não há controlo alfandegário. Não há muros de Berlim, texmex, etc. Olho para eles, aceno, sorrio se estiver bem disposto, etc. Porque se reagir ao seu tráfego, eles criam laços, há uma identificação e eles encostam-se a mim, à minha permeabilidade e não avançam. Ficam para jantar.
Mesmo aqueles que querem voltar para trás, vindos não sei de onde, porque simplesmente gostaram da decoração, do recheio da minha linda cabeça. Não, meus amigos, têm se seguir caminho. Acabaram-se os caramelos, as caracoletas.
Paciência. Sim, muita paciência.
os meus pensamentos têm sempre via verde. Todos eles. Os legais e os ilegais. Não há controlo alfandegário. Não há muros de Berlim, texmex, etc. Olho para eles, aceno, sorrio se estiver bem disposto, etc. Porque se reagir ao seu tráfego, eles criam laços, há uma identificação e eles encostam-se a mim, à minha permeabilidade e não avançam. Ficam para jantar.
Mesmo aqueles que querem voltar para trás, vindos não sei de onde, porque simplesmente gostaram da decoração, do recheio da minha linda cabeça. Não, meus amigos, têm se seguir caminho. Acabaram-se os caramelos, as caracoletas.
Paciência. Sim, muita paciência.
quinta-feira, agosto 23, 2018
O Tao Torturado de Tom Ford
Estava aqui a pensar. O que é que o Tom Ford não sabe fazer?
So who is the real Tom Ford? He's a modernist who speaks with nostalgia about the past. A radical who considers himself old-fashioned ("Loyalty is very important to me"). An insomniac who drinks multiple cups of coffee a day ("I completely rely on sleeping pills and tranquilizers to go to sleep"). A recovering alcoholic who sees a therapist once a week ("It used to be two or three times a week"). And an A-lister who critiques the very lifestyle that has made him rich (though never the people who live it, paying $200 for his sunglasses or $3,000-plus for his suits).
So who is the real Tom Ford? He's a modernist who speaks with nostalgia about the past. A radical who considers himself old-fashioned ("Loyalty is very important to me"). An insomniac who drinks multiple cups of coffee a day ("I completely rely on sleeping pills and tranquilizers to go to sleep"). A recovering alcoholic who sees a therapist once a week ("It used to be two or three times a week"). And an A-lister who critiques the very lifestyle that has made him rich (though never the people who live it, paying $200 for his sunglasses or $3,000-plus for his suits).
terça-feira, agosto 21, 2018
quarta-feira, agosto 08, 2018
domingo, agosto 05, 2018
Três rapidinhas
1. A canícula impede-me de escrever coisas interessantes. Sou muito sensível ao calor térmico. Quase, quase que ia escrever "calor humano" mas o meu poderoso gene dostoevskiano filtrou tal coisa.
O suor generoso escorre-me de forma ininterrupta pelos braços e nascem-me membranas interdigitais feitas de suor seco. Sou um pato-homem. Tenho muita, mas mesmo muita dificuldade em escrever. Esperem aí. Um pato não, um cisne porque sou um gajo bonito. Estou a fazer este post com a ponta do meu bico-nariz. Obrigado Gogol.
2. A minha mente fervilha de obscenidades. A irmã da minha sogra é freira e anula de uma forma muito dócil, muito subtil os pensamentos daninhos. A sua candura ataca e cauteriza os meus delírios persecutórios. É uma curadora. A senhora veio passar uns dias cá a casa. Sinto-me de certa forma alivado e nem sequer me toquei ou fui tocado. Tenho um farol de Luz debaixo do meu tecto. Não, não estou a brincar.
3. Acredito piamente (tem de ser sempre piamente, senão o verbo acreditar perde força) no Karma e na Roda de Samsara. Para obter redenção, tenho de perdoar. Custa para carago. Uma travessia no deserto. Falsos oásis, tenho de continuar. Dois anos disto. Basicamente, tenho de perdoar o mal que fiz noutras vidas e perdoar o que essa malta me está a fazer (só para terem uma ideia, não sei o que os obsessores fizeram ao meu corta-unhas e nunca tenho papel higiénico disponível quando faço o que ninguém pode fazer por mim). Sobretudo, tenho de me perdoar a mim mesmo. Vejo daqui os vossos esgares e sorrisos trocistas. Mas sei que há uma pequena parte que se sente solidária comigo porque já passou pelo mesmo. Freud, às vezes, não explica.
quinta-feira, julho 26, 2018
terça-feira, julho 24, 2018
Teorema
A minha questão do momento é esta:
Se um chimpazé pode escrever aleatoriamente toda a obra do Shakespeare por um infinito período de tempo, porque é que não hei-de conseguir?
Já não digo Shakespeare, contentava-me com um Verne, um Machado, um Millerzinho, um Forster, um Saroyan. Oh, mas, esperem, o que vem a ser isto, um esquadrão de Ninfas e Ninfetas a vir na minha direcção?
Até digo mais: dêem-me a ilha do Pessegueiro por tempo ilimitado e eu escreverei coisas melhores do que Louys, Bataille, Hilda Hilst (Sade não, é imbatível, intransponível).
Tudo isto é ficção como é óbvio.
Se um chimpazé pode escrever aleatoriamente toda a obra do Shakespeare por um infinito período de tempo, porque é que não hei-de conseguir?
Já não digo Shakespeare, contentava-me com um Verne, um Machado, um Millerzinho, um Forster, um Saroyan. Oh, mas, esperem, o que vem a ser isto, um esquadrão de Ninfas e Ninfetas a vir na minha direcção?
Até digo mais: dêem-me a ilha do Pessegueiro por tempo ilimitado e eu escreverei coisas melhores do que Louys, Bataille, Hilda Hilst (Sade não, é imbatível, intransponível).
Tudo isto é ficção como é óbvio.
quinta-feira, julho 12, 2018
segunda-feira, julho 09, 2018
terça-feira, julho 03, 2018
Telefonia
- Meu caro. A melhor imagem que lhe posso dar para a maleita que padeço é a seguinte. Imagine um rádio muito antigo numa sala bafienta com móveis de carvalho, pesados, maciços. Flores de plástico numa jarra, cacos. Um cinzeiro de alabrasto, uma pequena estatueta de Fátima vigia uma estatueta de um cavalheiro do século dezoito a fazer a corte a uma dama do século dezoito. Esse tipo de coisas. Mas o rádio é bonito, é uma...
- ...telefonia?
- Sim, uma telefonia. Estou a tentar sintonizar uma estação, mas só apanho estática, ruído. O rádio é muito antigo, não ajuda. A minha cabeça só consegue ouvir ruído e algumas vozes e músicas abafadas, "lá ao longe". Até que finalmente consigo sintonizar uma estação, mas talvez por escutar tanto ruído durante tanto tempo, não me soa bem. E volto a procurar. Mais ruído, mais estática, estou hipnotizado. Rodo o botão para a esquerda e para a direita, já estou em modo automático, procuro a melhor estação com a sintonização mais fina, mais distinta. Mas sei que, na verdade, não interessa. Caí na malha do ruído. O ruído torna-se confortável para os meus ouvidos. Está-me a seguir?
- Sim. Porque não compra um rádio novo?
- Porque gosto mais deste.
segunda-feira, julho 02, 2018
quinta-feira, junho 28, 2018
Efeito Dunning-Kruger
Se me permitem, vou agora colocar a minha capa de super-herói e combater esta gente que procria como coelhos. Nos trabalhos, nas repartições, nas paragens do autocarro, na fila para o pão.
"O que é aquilo no céu? É uma pássara, um avião?"
"Não! É o Super-Consciente".
"..."
"..."
"Mais um. Tem a mania."
quinta-feira, junho 21, 2018
quarta-feira, junho 20, 2018
segunda-feira, junho 18, 2018
Oh sim, a minha mente é a de um macaco, sempre a saltar de ramo em ramo, a trepar novas e velhas árvores. E ao dizer a minha mente, no fundo quero dizer a vossa mente. Somos todos filhos da mãe, da mesma mãe que viveu há milhões de anos. Ou seja, incestamos todos os dias.
Quero descer da árvore e sentar-me como o Sidarta e observar tudo pela primeira vez. Como um gato.
Alguém disse que todos os gatos são mestres zen.
Quero descer da árvore e sentar-me como o Sidarta e observar tudo pela primeira vez. Como um gato.
Alguém disse que todos os gatos são mestres zen.
segunda-feira, junho 11, 2018
quarta-feira, junho 06, 2018
A mosca
Na minha segunda visita à ala psiquiátrica, reparei num novo paciente que foi colocado em reclusão. Aparentemente, o homem demonstrara comportamentos profusamente psicóticos após a sua admissão e encontrava-se num estado mental bastante desorganizado, desordenado.
Quando me aproximei do quarto, a primeira coisa que notei foram os seus olhos. Estavam vidrados, tinha dificuldade em fixar o olhar e acompanhar objectos em movimento lento. Usava um chapéu de papel que tinha feito a partir de um jornal e segurava um pedaço de papel com a mão esquerda. Estava alheio à minha presença, embora estivesse a poucos metros dele e o quarto tivesse uma grande janela de vidro.
Quando recuei alguns metros e comecei a concentrar-me no espaço à volta, reparei naquilo que pareciam ser manchas incomuns de cor castanha espalhadas pela parede branca atrás dele e no chão.
Comecei a examinar o quarto. Não demorou muito até perceber que as manchas castanhas nas paredes e no chão eram as suas fezes. Com base nos padrões na parede (splash art) parecia que estava a atirá-las pelo quarto e na sua cama. Todo o quarto estava cheio de fezes e o paciente brincava com o chapéu de papel e com a revista.
O paciente não parecia muito incomodado. Na verdade, não estava presente. Estava ostensivamente psicótico e de acordo com aquilo que via, o indivíduo não sabia onde estava nem o que estava a fazer.
Virei-me e olhei para a equipa de enfermagem no aquário (uma sala de vidro no meio da enfermaria onde os funcionários observavam os pacientes e faziam o seu trabalho). Pareciam concentrados no seu trabalho e a cena que acabara de testemunhar parecia ser uma novidade para eles. O pessoal de limpeza estava a caminho.
Fiquei algo desencantada e vi-me forçada a voar dali para fora para encontrar alimento noutro espaço daquela unidade. Como é aquele ditado? Quando a esmola é grande...
sexta-feira, junho 01, 2018
sexta-feira, maio 18, 2018
quarta-feira, maio 16, 2018
quinta-feira, maio 03, 2018
terça-feira, maio 01, 2018
segunda-feira, abril 30, 2018
segunda-feira, abril 16, 2018
terça-feira, abril 10, 2018
Frases úteis em várias línguas eslavas
Ucraniano Моє судно на повітряній подушці наповнене вуграми
(Moje sudno na povitrianij podušci napovnene vuhrami
Eslovaco Moje vznášadlo je plné úhorov
Esloveno Moje vozilo na zračni blazini je polno jegulj
Sérvio Мој ховеркрафт је пун јегуља
(Moj hoverkraft je pun jegulja)
Russo Моё судно на воздушной подушке полно угрей
(Moë sudno na vozdušnoj poduške polno ugrej)
Croata Moja je lebdjelica puna jegulja
Checo Moje vznášedlo je plné úhořů
(Moje sudno na povitrianij podušci napovnene vuhrami
Eslovaco Moje vznášadlo je plné úhorov
Esloveno Moje vozilo na zračni blazini je polno jegulj
Sérvio Мој ховеркрафт је пун јегуља
(Moj hoverkraft je pun jegulja)
Russo Моё судно на воздушной подушке полно угрей
(Moë sudno na vozdušnoj poduške polno ugrej)
Croata Moja je lebdjelica puna jegulja
Checo Moje vznášedlo je plné úhořů
quinta-feira, abril 05, 2018
terça-feira, abril 03, 2018
Descida
Desci a rua Mousinho da Silveira que não estava calcetada, ainda era em terra batida. Havia néons e leds nas fachadas e nas montras das lojas. Uma contradição tecnológica que era aceitável na minha cabeça. O meu cabelo estava do tamanho do cabelo do Carpinteiro, entrei na primeiro salão que encontrei. A dona tinha um bronze de solário, a boca era ampla e dardejava um olhar de matrona romana. Lavou-me o cabelo mas não
quis cortá-lo. Levou-me para a pequena sala de depilação nas traseiras e tirou-me as calças. Depois tirou as suas de lycra rosa. Um fio branco, arqueado, contínuo contornava-lhe a cintura. A barriga não era escandalosa, aliás despertou-me ainda mais a libido. Fez-me aquilo que tinha de fazer, senti-me bloqueado no início com o Alain Delon desbotado na parede a olhar para nós, mas depois conseguir dar andamento à coisa. A boca da senhora era um aspirador industrial e olhava constantemente para mim, de baixo para cima, como nos filmes HC. Fin.
- E o cabelo?
- Não to corto, é um crime cortar essa cabeleira à Sansão.
Despediu-se com um beijo molhado no rosto e mordeu-me a orelha.
Meti pela rua São João onde estavam velhotas em todas as portas. Eram todas amarelas como as fachadas dos prédios a caírem de podre. Umas estavam com as mãos a segurarem os grandes queixos, outras observavam simplesmente quem passava.
Não entrei no túnel da Ribeira. Algo ou alguém não me deixou entrar. não sei dizer-vos o que era. A rua dos Mercadores não existia. Descobri um caminho de lama que seguia em paralelo com a parede em abóbada do túnel. Um regato feito pela chuva dividia o caminho. Uma enorme poça mais à frente. Os grossos salpicos do salto cagaram-me as calças. A Ponte. O Douro era igual ao Douro que todos nós conhecemos.
quis cortá-lo. Levou-me para a pequena sala de depilação nas traseiras e tirou-me as calças. Depois tirou as suas de lycra rosa. Um fio branco, arqueado, contínuo contornava-lhe a cintura. A barriga não era escandalosa, aliás despertou-me ainda mais a libido. Fez-me aquilo que tinha de fazer, senti-me bloqueado no início com o Alain Delon desbotado na parede a olhar para nós, mas depois conseguir dar andamento à coisa. A boca da senhora era um aspirador industrial e olhava constantemente para mim, de baixo para cima, como nos filmes HC. Fin.
- E o cabelo?
- Não to corto, é um crime cortar essa cabeleira à Sansão.
Despediu-se com um beijo molhado no rosto e mordeu-me a orelha.
Meti pela rua São João onde estavam velhotas em todas as portas. Eram todas amarelas como as fachadas dos prédios a caírem de podre. Umas estavam com as mãos a segurarem os grandes queixos, outras observavam simplesmente quem passava.
Não entrei no túnel da Ribeira. Algo ou alguém não me deixou entrar. não sei dizer-vos o que era. A rua dos Mercadores não existia. Descobri um caminho de lama que seguia em paralelo com a parede em abóbada do túnel. Um regato feito pela chuva dividia o caminho. Uma enorme poça mais à frente. Os grossos salpicos do salto cagaram-me as calças. A Ponte. O Douro era igual ao Douro que todos nós conhecemos.
terça-feira, março 27, 2018
segunda-feira, março 26, 2018
quarta-feira, março 14, 2018
quarta-feira, março 07, 2018
O Cicerone do Amor e a Bombeira
O meu Cicerone do
Amor diz-me para eu me sentar aqui, no quinto degrau destas escadas apertadas e
escuras que vão dar ao Caminho das Garrafas. As escadas fazem um L e cheiram a
mijo neste canto, daqui eles não nos conseguem ver, estão no fundo das escadas
e demasiado entretidos um com outro para se darem conta que está alguém a
espiá-los.
O meu Cicerone do Amor é a minha cara chapada, tem gestos rápidos
como eu, arranca as sobrancelhas quando está nervoso, mas agora parece estar
muito sereno, já deve ter feito isto muitas vezes. Aconselha-me a ficar ali
agachado e quietinho para aprender como se faz, aponta o dedo para o casal de
namorados. Aquelas escadas apertadas e escuras são agora uma sala de aula da qual
eu sou o único aluno. Chamo-o de Cicerone do Amor porque é exactamente isso que
ele é, está a mostrar-me os desconhecidos territórios do amor, e não me parece que
aquilo que estão a fazer seja pecado como dizia o seu padre que se foi embora,
estão apenas a explorar-se um ou outro, asfixiam-se com as línguas, mas não se
vêem, trocam carícias, as barrigas palpitantes tocam-se, ela trinca-lhe na
orelha e calha de fixar os seus olhos negros em mim.
Fico paralisado, sinto o
meu segundo coração a bater na garganta, não tenho tempo para me transformar
num pardal ou num gato, mas a moça não se assusta, não se retrai, é muito
melosa, continua a fazer aquilo, sorri com os olhos para mim, fecha-os devagar
e continua a lamber o rapazola que está de costas para mim. Desce um degrau
para lhe dar mais jeito, a cabeça da moça afunda-se aos poucos e agora só o
vejo a ele. O Ccerone do Amor receia que o rapazola se vire a qualquer
momento, se o marmanjo se aperceber que estamos a dar uma de mirones, faz-nos
uma cruz na testa, acaba connosco.
O meu Cicerone do
Amor tem um cordel atado a um dedo, a outra ponta está em casa, diz que é para
não se perder no labirinto do Monte, agarra-me no braço e faz-me sinal para
irmos embora, diz que por hoje já vi o suficiente, subimos as escadas de pedra. Ouço o rapazola a gemer e depois a dizer "continua, continua, és
linda", ela suspira e diz "amo-te tanto", e já não ouço mais
nada.
As escadas acabaram e já estou cá em cima, na Viela dos Gatos, o meu Cicerone do Amor desaparece, une-se a mim, não tem poderes para estar ali,
naquele quelho, onde ainda moram meia dúzia de velhos e um pelotão de gatos,
ele só aparece quando há jovens casais por perto, a consumirem-se pela
paixão, agasalhados pelo entardecer na viela e nas escadas.
A viela cheira a
pessoas velhas e a mijo de gato. O meu Cicerone do Amor passa a vida a dizer-me
que os velhos parecem-se todos uns com os outros. A Bombeira vive sozinha. Passo
pela porta da casa dela, é conhecida como Bombeira, porque o falecido marido
era bombeiro.
Digo "boa noite", ela responde com a sua voz rouca,
"olá menino", tem os braços brancos e sinaleiros apoiados numa porta
pequena, está calor, ela segura com a mão esquerda um espelho oval, a moldura
dourada tem uma grinalda de rosas, e na outra mão, tem um cigarro enfiado entre
o indicador e o dedo do meio que têm uma cor âmbar. Ela esconde-o, mas já não
vai a tempo, já o vi, acelero o passo e escondo-me mais à frente, atrás de três
degraus que dão acesso à porta da cozinha da casa do Caça-Balões. A luz do
candeeiro em frente à casa da Bombeira desfalece um pouco antes do fim da
Viela, ela já não me consegue ver. Não há ninguém cá fora àquela hora, ouço o
tinir dos talheres nos pratos e o mastigar de bocas abertas, alguém desata aos
berros do outro lado do Monte, é hora do jantar, um cheiro a peixe frito que
vem da cozinha da Martinha castiga-me o nariz.
A Bombeira
deve ter uns sessenta e tal anos, ela suga o cigarro e solta uma enorme fumaça que
quase parte o espelho, consigo ver as suas mãos azuis, as peles do antebraço
esquerdo abanam-se sempre que ela dá uma passa, ela põe o espelho num ângulo
que me permite ver a sua cara. Esfrego bem os olhos, dormi mal a noite passada,
arregalo-os bem, tento furar a penumbra da Viela. A Bombeira parece-me agora
dez anos mais nova, quer dizer, não sei como é que ela era há dez anos, eu
ainda era um bebé ranhoso, mas sei que é o rosto dela que aparece naquele lindo
espelho oval, com menos rugas, menos cansado e mais luminoso, e então ela chupa
outra vez o cigarro e torna a apreciar-se, o espelho devolve uma mulher na casa
dos quarenta, a beleza de uma mulher madura e segura espalha-se naquele espelho
generoso, as pequeninas peles ao dependuro são ainda muito aceitáveis, o cabelo
fica mais forte, ela sorri e olha para cima, para as estrelas como que a
agradecer-lhes por aquele momento. Mais outra passa demorada, esta valeu por duas,
da sua boca sai um fio de fumo que não tem fim, a dona Bombeira é agora a
menina Bombeira de vinte aninhos, “um docinho”, como diriam os homens da Loja
de Cima. O falecido senhor Bombeiro tinha olho, ele sabia o que estava a fazer
na altura.
Por uma razão qualquer (deve ser a minha velha paixão por barcos), a Bombeira faz-me lembrar uma velha âncora a ser puxada para dentro do casco de um navio, ouço-a a trancar a porta, ouço-a a pigarrear durante algum tempo. Encosto-me à parede enrugada da cozinha da Martinha, tinta tartaruga, apoio o braço num dos degraus, não me apetece ir já para casa, deixo-me estar sentado até que a minha mãe me chame para jantar, o olho esquerdo começa-me a tremer, esfrego-o e fico com comichão. Só nesse momento é que me dou conta que o meu Cicerone do Amor não voltou a unir-se a mim, é um tipo muito caprichoso, mas sei que ele vai voltar.
sábado, fevereiro 24, 2018
sexta-feira, fevereiro 16, 2018
terça-feira, fevereiro 06, 2018
domingo, fevereiro 04, 2018
O Monte Atos
O Monte Atos. A montanha é a ponte que
pode unir a Terra e o Céu. Ao contemplarmos o seu cume do sopé, desejamos subir
até ele, desejamos fazer essa travessia vertical, porque achamos que iremos
estar mais perto da Eternidade. E quando o homem atinge por fim o cume, a
divindade revela-se ao homem. Abraão levou o seu filho Isaque ao Monte Moriá
para ser sacrificado. No último momento, um anjo aparece e impede que o pai
mate o filho: Abraão passou no teste de Fé. Foi também no pico do Monte Sinai
que Moisés recebeu as Tábuas da Lei com os Dez Mandamentos escritos pelo dedo
do próprio Deus; Jesus subiu várias vezes ao Monte das Oliveiras para orar e
pregar levando consigo os apóstolos; e finalmente "carregando Ele mesmo a
sua cruz, saiu para o assim chamado Lugar da Caveira, que em hebraico se diz
Gólgota."; a Santíssima Trindade é representada, muitas vezes, sob a forma
de triângulo equilátero que lembra a forma de uma montanha. O Monte Olimpo, ali
"ao lado", trono dos titãs e dos deuses do panteão grego. O Monte
Kailash nos Himalaias onde mora Shiva e onde as pedras rezam. Machu Picchu, a
cidade perdida dos Incas. O Monte Atos e os seus imponentes mosteiros, os seus
anacoretas que vivem isolados do mundo para estarem mais próximos de Deus.
O misterioso Monte Atos, a
"Montanha Santa", ou ainda o "Jardim dos Virgens", onde
está vedada a entrada a qualquer representante do sexo feminino, seja mulher,
cadela, gata, égua, capivara, etc.* Esta lei é o avanton e diz que a Montanha Sagrada de terra não pode ser
profanada com a presença do género feminino: "que o seu acasalamento não
forneça um espectáculo bizarro para as almas que detestam todas as formas de
indecência".
* Não, leitora, não estou a espicaçá-la, o meu bolbo raquidiano é frágil, não dá
para mais, apenas controla o momento em que devo mastigar e o momento em que
devo chorar e agora sei que não me apetece chorar, porque não quero que me
chame de misógino. Amo todas as mulheres deste mundo.
Porcos
No
"meu tempo de mortal", propus uma solução para acabar com a fome em
França, chamaram-me de louco. Não quero que me chamem de louco outra vez. Nunca
ninguém me chamou de louco na cara, mas eu sabia o que diziam nas minhas
costas. Foi poucos anos antes de "morrer".
A partir dos 35 anos, tive
de fazer de conta que estava a envelhecer. As pessoas desconfiam se não mostrarmos sinais de velhice. As pessoas
são muito desconfiadas. Para acabar com a fome em França naquela altura, sugeri
a criação maciça de porcos. A solução estava no porco. O porco é um animal que
tem uma enorme fecundidade, tal como os coelhos. Inspirei-me em parte no
"Liber Abaci" do grande Fibonacci. Mas o coelho é um animal de
pequeno porte, não resolveria os problemas de quase vinte milhões de franceses
no século XVII. Quando me retirei quase à força da minha vida profissional,
resolvi escrever as minhas "memórias" e estudar a res publica. Um desses estudos foi
consagrado ao porco.
O porco é um animal grande e extremamente fecundo. Uma
única porca pode gerar ao longo de dez gerações — graças às porcas descendentes
— mais de seis milhões de porcos. Suponhamos que uma porca no segundo ano de
vida tem um parto de 6 leitões, 3 machos e 3 fêmeas. Para chegar a este número
impressionante, não preciso dos machos — ficam então as 3 fêmeas. No terceiro
ano que corresponde à segunda geração, a porca-mãe tem 2 partos e cada uma das
3 filhas da primeira geração têm 3 leitões. Total: 5 partos compostos cada um
por três fêmeas, perfazendo um total de 15 fêmeas. No quarto ano, a porca mãe —
já avó — tem 2 partos. As 3 filhas da primeira geração têm dois partos cada
uma, o que vem a ser 6 por cada filha; as filhas da segunda geração têm cada
uma ninhada, 15. Total: 23 partos, o que dá uma média de 3 fêmeas por cada
ninhada, somando um total de 69 fêmeas. Continuando com este cálculo, vamos
admitir que, no sétimo ano, a porca mãe deixa de ser fértil. No oitavo ano,
vamos excluir a produção das 3 primeiras filhas da porca mãe. No nono ano,
suprime-se do número das fecundas as 69 bisnetas, descendentes de 3ª geração.
No décimo primeiro ano, que corresponde à 10ª geração, saem 321 tetranetas. O
resultado das 10 gerações é de 1 072 473 partos que, à média de 3
fêmeas cada um, totalizam na décima geração 3 217 419 fêmeas. Não
vamos considerar os machos, embora suponho que sejam tantos como as fêmeas.
Todos os partos foram calculados igualmente em 6 leitões cada um (machos e
fêmeas), quando, em condições normais, são mais numerosos. A produção de uma só
porca ao fim de dez gerações, dar-nos-ia 6 434 838 bacorinhos, não
incluindo 434 838 por doenças, acidentes e obteremos um total de 6 milhões
de porcos.
sexta-feira, fevereiro 02, 2018
sexta-feira, janeiro 26, 2018
quinta-feira, janeiro 25, 2018
terça-feira, janeiro 23, 2018
terça-feira, janeiro 09, 2018
quinta-feira, janeiro 04, 2018
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