quarta-feira, junho 06, 2018

A mosca


Na minha segunda visita à ala psiquiátrica, reparei num novo paciente que foi colocado em reclusão. Aparentemente, o homem demonstrara comportamentos profusamente psicóticos após a sua admissão e encontrava-se num estado mental bastante desorganizado, desordenado.

Quando me aproximei do quarto, a primeira coisa que notei foram os seus olhos. Estavam vidrados, tinha dificuldade em fixar o olhar e acompanhar objectos em movimento lento. Usava um chapéu de papel que tinha feito a partir de um jornal e segurava um pedaço de papel com a mão esquerda. Estava alheio à minha presença, embora estivesse a poucos metros dele e o quarto tivesse uma grande janela de vidro.

Quando recuei alguns metros e comecei a concentrar-me no espaço à volta, reparei naquilo que pareciam ser manchas incomuns de cor castanha espalhadas pela parede branca atrás dele e no chão.
Comecei a examinar o quarto. Não demorou muito até perceber que as manchas castanhas nas paredes e no chão eram as suas fezes. Com base nos padrões na parede (splash art) parecia que estava a atirá-las pelo quarto e na sua cama. Todo o quarto estava cheio de fezes e o paciente brincava com o chapéu de papel e com a revista.

O paciente não parecia muito incomodado. Na verdade, não estava presente. Estava ostensivamente psicótico e de acordo com aquilo que via, o indivíduo não sabia onde estava nem o que estava a fazer.

Virei-me e olhei para a equipa de enfermagem no aquário (uma sala de vidro no meio da enfermaria onde os funcionários observavam os pacientes e faziam o seu trabalho). Pareciam concentrados no seu trabalho e a cena que acabara de testemunhar parecia ser uma novidade para eles. O pessoal de limpeza estava a caminho.

Fiquei algo desencantada e vi-me forçada a voar dali para fora para encontrar alimento noutro espaço daquela unidade. Como é aquele ditado? Quando a esmola é grande...