No
"meu tempo de mortal", propus uma solução para acabar com a fome em
França, chamaram-me de louco. Não quero que me chamem de louco outra vez. Nunca
ninguém me chamou de louco na cara, mas eu sabia o que diziam nas minhas
costas. Foi poucos anos antes de "morrer".
A partir dos 35 anos, tive
de fazer de conta que estava a envelhecer. As pessoas desconfiam se não mostrarmos sinais de velhice. As pessoas
são muito desconfiadas. Para acabar com a fome em França naquela altura, sugeri
a criação maciça de porcos. A solução estava no porco. O porco é um animal que
tem uma enorme fecundidade, tal como os coelhos. Inspirei-me em parte no
"Liber Abaci" do grande Fibonacci. Mas o coelho é um animal de
pequeno porte, não resolveria os problemas de quase vinte milhões de franceses
no século XVII. Quando me retirei quase à força da minha vida profissional,
resolvi escrever as minhas "memórias" e estudar a res publica. Um desses estudos foi
consagrado ao porco.
O porco é um animal grande e extremamente fecundo. Uma
única porca pode gerar ao longo de dez gerações — graças às porcas descendentes
— mais de seis milhões de porcos. Suponhamos que uma porca no segundo ano de
vida tem um parto de 6 leitões, 3 machos e 3 fêmeas. Para chegar a este número
impressionante, não preciso dos machos — ficam então as 3 fêmeas. No terceiro
ano que corresponde à segunda geração, a porca-mãe tem 2 partos e cada uma das
3 filhas da primeira geração têm 3 leitões. Total: 5 partos compostos cada um
por três fêmeas, perfazendo um total de 15 fêmeas. No quarto ano, a porca mãe —
já avó — tem 2 partos. As 3 filhas da primeira geração têm dois partos cada
uma, o que vem a ser 6 por cada filha; as filhas da segunda geração têm cada
uma ninhada, 15. Total: 23 partos, o que dá uma média de 3 fêmeas por cada
ninhada, somando um total de 69 fêmeas. Continuando com este cálculo, vamos
admitir que, no sétimo ano, a porca mãe deixa de ser fértil. No oitavo ano,
vamos excluir a produção das 3 primeiras filhas da porca mãe. No nono ano,
suprime-se do número das fecundas as 69 bisnetas, descendentes de 3ª geração.
No décimo primeiro ano, que corresponde à 10ª geração, saem 321 tetranetas. O
resultado das 10 gerações é de 1 072 473 partos que, à média de 3
fêmeas cada um, totalizam na décima geração 3 217 419 fêmeas. Não
vamos considerar os machos, embora suponho que sejam tantos como as fêmeas.
Todos os partos foram calculados igualmente em 6 leitões cada um (machos e
fêmeas), quando, em condições normais, são mais numerosos. A produção de uma só
porca ao fim de dez gerações, dar-nos-ia 6 434 838 bacorinhos, não
incluindo 434 838 por doenças, acidentes e obteremos um total de 6 milhões
de porcos.