- Meu caro. A melhor imagem que lhe posso dar para a maleita que padeço é a seguinte. Imagine um rádio muito antigo numa sala bafienta com móveis de carvalho, pesados, maciços. Flores de plástico numa jarra, cacos. Um cinzeiro de alabrasto, uma pequena estatueta de Fátima vigia uma estatueta de um cavalheiro do século dezoito a fazer a corte a uma dama do século dezoito. Esse tipo de coisas. Mas o rádio é bonito, é uma...
- ...telefonia?
- Sim, uma telefonia. Estou a tentar sintonizar uma estação, mas só apanho estática, ruído. O rádio é muito antigo, não ajuda. A minha cabeça só consegue ouvir ruído e algumas vozes e músicas abafadas, "lá ao longe". Até que finalmente consigo sintonizar uma estação, mas talvez por escutar tanto ruído durante tanto tempo, não me soa bem. E volto a procurar. Mais ruído, mais estática, estou hipnotizado. Rodo o botão para a esquerda e para a direita, já estou em modo automático, procuro a melhor estação com a sintonização mais fina, mais distinta. Mas sei que, na verdade, não interessa. Caí na malha do ruído. O ruído torna-se confortável para os meus ouvidos. Está-me a seguir?
- Sim. Porque não compra um rádio novo?
- Porque gosto mais deste.