quarta-feira, setembro 14, 2005

Invento o Mundo


Invento o mundo, segunda edição,
segunda edição corrigida,
no riso, para os idiotas,
no choro, para os melancólicos,
nos pentes, para os carecas,
nos sapatos, para os cães.

(…)

O Tempo (capítulo II)
tem direito a intrometer-se
em tudo, seja no bom ou no mau.
E contudo, o que corrói as montanhas
e afasta os mares e usa
estar presente no giro das estrelas,
não há-de ter o mais pequeno poder
sobre os amantes,
porque nus de mais,
porque abraçados de mais, o espírito
eriçado como pássaro num ombro.

A velhice é só moral
em vida de criminoso.
Por isso todos são jovens!
Sofrer (capítulo III)
não tira o peso ao corpo
e a morte
virá enquanto dormires.

E sonhares
que afinal nem é preciso respirar,
que o silêncio sem respiração
é boa música,
és pequeno, uma faúlha,
e se te tocam apagas-te.

Morte, só uma assim. Dor maior
experimentaste ao segurares uma rosa,
e terror maior sentiste
vendo a pétala no chão.

Mundo, só um assim. Viver,
só desta maneira. E morrer, como antes visto.
tudo o resto é como Bach
tocado em serra de circo.


Wislawa Szymborska, “Paisagem Com Grão de Areia”,
Trad. Júlio Sousa Gomes
Relógio D´Água