segunda-feira, setembro 19, 2005

A grande realidade


Georgia O'Keeffe

A grande realidade neutra do que eu estava vivendo me ultrapassava na sua extrema objectividade. Eu me sentia incapaz de ser tão real quanto a realidade que me estava alcançando – estaria eu começando em contorções a ser tão nuamente real quanto o que eu via? No entanto toda essa realidade eu a vivia com um sentimento de irrealidade da realidade. Estaria eu vivendo, não a verdade, mas o mito da verdade? Toda vez em que vivi a verdade foi através de uma impressão de sonho inelutável: o sonho inelutável é a minha verdade.
Estou tentando te dizer de como cheguei ao neutro e ao inexpressivo de mim. Não sei se estou entendendo o que falo, estou sentindo – e receio muito o sentir, pois sentir é apenas um dos estilos de ser. No entanto, atravessarei o mormaço estupefacto que se incha do nada, e terei que entender o neutro com o sentir.

“A Paixão Segundo G.H.”, Clarice Lispector
Relógio D’Água