segunda-feira, outubro 10, 2016

O Caminho

Caminhámos de madrugada
por entre videiras e figueiras
Fizemos os caminhos das pedras
Peidámo-nos à sombra de tílias e castanheiros
Deixámo-nos seduzir por uma holandesa de
's-Hertogenbosch,
uma catequista ninfo da Azurara
e uma descompensada de Trancoso
Entrámos em capelas belíssimas
À noite, escutámos a consciência do
verdadeiro e violento ressonar
dos albergues
Ouvimos os ensinamentos
de um catedrático chato como a potassa
Cagámos generosamente junto a riachos de
águas cristalinas
Escutámos gaios, corvos e pegas rabudas
Vimos as mesmas nuvens descritas por Goethe
Passámos por aviários que fediam a milhas
Comemos tapas e bocadillos bons, maus e assim assim
Bebemos bidões de Estrella Galicia
Insultámos e louvámos Santiago,
a Virgem do Caminho e outros santos
Passámos ainda por um casarão
habitado por um casal de cavalos
que tinha um ar um pouco desolado
"Buenas, bo camiño"
Chegámos por fim à cidade sem pés nem joelhos
Não entrámos no nosso destino final:
Um casamento jet set patrocinado pela !Hola!
impediu a nossa entrada triunfal na Catedral
Apanhámos o autocarro para casa
a cheirar a bosta, com as mãos a abanar e
o coração cheio.