domingo, julho 01, 2007

Domingo de manhã


Com a vozinha velada, o gato miou-me ao ouvido, meio a medo:
- Tens de tapar a melena grisalha dessa tua cigana com uma mitra dourada, gasta, a cheirar a incenso. O safado do bispo está no compartimento que serve de quarto da rulote e a porta não pode ser trancada, deixaram-na entreaberta. Sua Eminência esconde-se debaixo dos velhos lençóis de linho que faz questão em abençoar todas as semanas. Ainda não o descobriste, mas está cagado de medo e faz promessas ao Patrão que nunca irá cumprir. Ela olha para dentro dos teus olhos e age, imperturbável, cerimoniosa, como se estivessem só os dois. Pede-te a mão direita para iniciar a leitura. Miau, escreve isso, vá, és um homem ou um rato?

O bichano deu-me uma trinca na orelha, e antes que eu pudesse esboçar qualquer reacção, saltou do meu ombro para cima da colcha com a agilidade de um acrobata chinês e correu em direcção à cozinha para terminar o resto da ração. Anda meio doido, gosta muito do Miró, o gatarrão do último andar do velho prédio da frente. Já me mijou no chã por duas ou três vezes.