O fresco do altar apresentava já as marcas indeléveis do tempo, mas não deixava de ser uma obra de qualidade mediana, possuíndo pormenores bastante singulares que fizeram despertar a minha atenção. Subi então os degraus, contornei o altar e aproximei-me do quadro.
Era dominado por uma babelesca, imponente torre de marfim, em forma de chifre, que tinha como pano de fundo uma daquelas paisagens renascentistas, quase etéreas. A parede da torre estava incrustada com rubis e diamantes e havia uma espécie de friso dourado que a circundava, parecendo dividir a parte de cima do resto da torre. Ainda no "chifre", podia ver-se uma magnífica sacada onde surgia alguém que, pelas vestes brancas e pelo solidéu, parecia ser um papa. Estava a sorrir, enquanto abençoava a lua e o sol que retribuíam o sorriso de volta.
Este papa possuía umas longas tranças ruivas que caíam fartas até à base da torre. As criaturas de Bosch seriam consideradas normais quando comparadas com aquilo que observei de seguida: vários bispos ou cardeais, não sei bem, estavam a tentar trepar pelas tranças de sua santidade; não manifestavam qualquer sinal de esforço, subiam com as expressões inertes, absolutamente neutras. Os pontos negros na tela pareciam ser corvos que esvoaçavam em seu redor.
Uma multidão uniforme de padres e monges concentrava-se como carneiros na praça da torre, agitando fervorosamente bíblias pelos ares, enquanto outros seguravam cruzes de madeira.
Dois monges gigantescos, completamente desproporcionais às restantes figuras, estavam representados curvados nas extremidades do estranho quadro: um deles estava a chorar copiosamente e afagava um lobo que lhe lambia a mão; o outro, o do lado esquerdo, tinha a fúria espelhada no rosto e estava a queimar com um archote uma pilha enorme de livros amarelecidos.