sexta-feira, agosto 05, 2005

A Caldeira

O acesso à Caldeira da ilha faz-se por um túnel estreito onde o vento sibilava continuamente. Pude finalmente apreciar a beleza avassaladora daquelas paragens que esmagaria os sentidos do viajante mais rodado e que parecia estar toda concentrada naquele sítio.

Aproximei-me devagar das margens da célebre Caldeira, sentei-me, inspirei fundo e deitei-me, entorpecido com tanta beleza. Deixei-me adormecer enquanto admirava o carrocel de nuvens no céu.

Devo ter dormido uma ou duas horas, acordei com uma valente dor de cabeça. O céu estava encoberto, mas quase se podia apalpar o calor húmido do ar.

Foi então que notei a presença de dois indíviduos que estavam a meu lado. Mais dois turistas, pensei eu. Reparei no estado andrajoso das roupas que traziam, a pele estava bastante queimada pelo sol, e ostentavam os dois grandes barbas desgrenhadas. Um deles olhou placidamente para mim e disse:
- Eu sou Saulo de Tarso. O meu amigo chama-se Mateus e é da Palestina, de uma pequena aldeia chamada Cafarnaum.
Apresentei-me, disse que este local era lindíssimo ou algo do género, quando, de súbito, Saulo levantou-se e exclamou, quase em estado de delírio:
- Meu jovem, o fim do mundo está próximo! Já o disse aos Coríntios e volto a dizê-lo: casa-te e evita o pecado mortal. A fornicação fora do casamento é altamente reprovável pelo Nosso Deus Todo Misericordioso. Abandona a vida pecaminosa que levas, irmão, e pratica o celibato até ao dia do teu matrimónio.
Mateus anuiu com a cabeça e acrescentou num tom de voz mais calmo, mas com uma segurança inabalável:
- Ainda que não pratiques adultério, meu irmão, a cobiça pela propriedade alheia - pela mulher do próximo - é condenável e profundamente desaconselhável.

Dito isto, pegaram nos respectivos cajados e começaram a descer a encosta verde em direcção à base da Caldeira, acenando-me enquanto se afastavam.