quinta-feira, junho 30, 2005

A raça dos escritores


George Grosz

A raça dos escritores tem um cheiro de pele nauseabundo e, para cozinhar, utiliza os métodos mais sórdidos. É uma raça nómada que pernoita sobre o próprio vómito, que é expulsa das cidades e perseguida nas aldeias, e por todo o lado se torna íntima do poder que lhe concede lugar nos bairros amarelos, como às prostitutas. Porque a literatura cumpre em toda a parte o mesmo desígnio: ajudar os chefes a manterem os soldados em obediência, e os juízes a justiçarem os condenados.
O escritor é um misto de papagaio e de padre. É papagaio no sentido mais elevado da palavra. Fala francês se o seu dono é francês, mas se for vendido para a Pérsia dirá em persa «o loiro é parvo» ou «o loiro quer açúcar». O papagaio não tem idade, não sabe distinguir o dia da noite. O dono, quando se aborrece, cobre-o com um lenço preto, o que constitui para a literatura uma imitação da noite.


"Guarda Minha Fala Para Sempre", Ossip Mandelstam
Trad. Nina Guerra/Filipe Guerra
Assírio & Alvim