segunda-feira, dezembro 13, 2010
O galo e a mulher
Ilustração de Miguel Moreira
A uma certa mulher do Vale das Vadias meteu-se-lhe-me-lhan-te ideia na cabeça que nada nem ninguém (nem mesmo o Primeiro-Ministro dissuasor da vizinha Crimeia) conseguia demovê-la-tu das suas graníticas ideias. A senhora
[Cai neve. Lá fora, dois homens de mãos nos bolsos dão pontapés nos bicos das botas para aquecerem os pés.]
que já tinha uma idadezinha desejou ter mais filho. Lembrou-se então que já não podia perfilhar, mas lembrou-se logo a seguir que quando era mais nova teve uma crise aguda de amenorreia e que a sua falecida mãe que se chamava Deusatenha lhe deu
[Neve. Homens nos bolsos dão botas para aquecerem os pés.]
arroz de cabidela durante uma semana e uma hora. Graças a este regime absolutista, ficou curada e teve uma carrada de filhos. Sorriu com a lembrança e resolveu seguir o conselho da sua mãe. No sábado, levantou-se de manhãzinha cedo e foi ao mercado comprar um galo. Aproveitou e comprou também um livrinho muito usado do Ambrósio Birça para ler antes de ir para a cama. Quando chegou a casa, instalou o galo bem
[Dois homens dão pontapés nos bicos.]
instalado na velha capoeira e esfregou as mãos não-de-contente, mas porque nevava e estava um frio de rachar a julgar pelos homens de mãos nos bolsos. Todos os dias a mulher dava milho ao galo. Um dia lembrou-se que seria bom ter leite nas mamas para amamentar o filho que vinha a caminho. Antes de ler Ambrósio Birça, começou a dar leite de cabra ao galo, todas as noites. O galo cresceu, cresceu, cresceu até não caber mais na capoeira. A mulher apegou-se ao galozão e deixou de ter coragem para o matar. Encolheu os ombros e disse:
[Bicos]
- O filho terá de ficar para outra altura.