quarta-feira, dezembro 29, 2010

Bar de hotel

O bar do hotel era conhecido por ser um local de primeiros encontros. Não era nada de extraordinário, tinha aquilo que um bar de hotel era suposto ter. Os primeiros clientes começavam a chegar ao fim da tarde. Se a coisa corresse bem, o casal não precisava de procurar muito para passar a noite.
Reservei duas noites no hotel. Ontem foi véspera de Natal e passei-o sozinho no meu quarto Executive a ver canais para adultos. Aborreci-me de tanta carne e de tantos gemidos e comecei a fazer zapping. Parei num canal chinês e descobri que o mandarim tem um efeito relaxante em mim, principalmente quando é falado por mulheres pivot de pele reluzente. A minha mulher trabalha numa seguradora e deixou-me no último Verão. Levou o nosso filho com ela e está a viver em casa dos pais.

Hoje é a minha última noite. Para ser honesto, estou a gostar de estar sentado ao balcão deste bar, enquanto me vejo ao espelho a beber Jim Beam. O barman ainda não pegou ao serviço, quem me serviu foi um dos recepcionistas que está agora a atender um casal de idosos. O velhote parece-se um pouco com o Burt Lancaster nos últimos anos. É aquele tipo de pessoas que inclina o queixo para a frente e olha por debaixo dos óculos quando escuta alguém.
Quando cheguei, estava apenas um tipo no balcão. Andava na casa dos quarenta, usava blazer e calças de bombazine verdes e estava a beber uma água com gás. Não tenho paciência para meter conversa com estranhos, mas era Natal, estava cheio de fé e boa vontade nos homens e apetecia-me tagarelar um pouco. O sujeito pareceu-me inofensivo.
- Mais um Natal que passou, estamos quase no ano novo - disse estupidamente.
Ele virou a cabeça e sorriu.
- É verdade, o tempo voa. Quando damos por ela, já estamos ali como o casal de jovens que chegou agora.
Foi a minha vez de retribuir o sorriso.
- O importante é viver um dia de cada vez, não é assim? - eu estava verdadeiramente inspirado.
O sujeito estendeu o braço e ajeitou o banco.
- Chamo-me Orlando, muito gosto.
- Óscar C*. Os nossos nomes começam por "O". Não é muito comum.
Ele voltou a sorrir e acabou a água.
- Reparei que anda a água com gás, abusou das iguarias ontem à noite?
- Nem por isso. Estou um pouco nervoso. Estou à espera de uma pessoa.
- Ah, ok. Não...
O Blackberry que estava em cima do balcão começou a vibrar e apareceu "Julia" no ecrã azul.
- Com licença.
Ele pegou no pda e dirigiu-se para o lobby. Atendeu em voz baixa.
Comecei a tremer e bebi num trago o uísque que ainda tinha no copo. Não perdeu tempo a miserável, já anda à caça. Passei a mão pelo cabelo e corri para a casa de banho. Como é que é possível? Ela também conhece o hotel. De repente, tudo ficou vermelho, a roupa começou a fazer-me comichão. Dei o pontapé da praxe numa das portas do WC. Deveria ter subido para o meu quarto, que idiota. Olhei-me ao espelho e molhei a cara. Inspirei fundo. Isto é um sinal. É a prenda do menino Jesus, foste um bom rapaz ao longo do ano e agora aqui tens a tua recompensa. Tu mereceste. Resolvi sair e enfrentar aquilo, não podia ficar ali a vida toda, afinal até poderia ser outra Júlia, há muitas Júlias neste mundo. Abri a porta.

Ela estava de costas. O tipo desviou o olhar e acenei-lhe cordialmente com a cabeça. Dirigi-me para o elevador e premi no 5. Enquanto esperava, olhei para trás. Não era ela.
Entrei no elevador e deixei sair um traque de alívio ao som do Jingle Bells.