terça-feira, julho 13, 2010

Å



Vivo em Å há duas semanas. Ainda não apanhei um dia de sol desde que cheguei, tem trovejado todas as noites e adormeço quase sempre ao som do múrmurio da chuva. Durante o dia, o ar está sempre coberto por uma névoa espessa que contrasta com as casas vermelhas sobre estacas que se estendem ao longo da costa.
Vim para aqui porque conheci uma mulher pela internet. A nossa relação virtual evoluiu ao ponto de ela confessar que gostava de ser açoitada. Creio ter-lhe dito que dar-lhe-ia açoites de bom grado se isso lhe dava prazer. Como é normal neste tipo de relações, não medi as palavras. Disse-lhe ainda que estava desempregado. Nessa mesma noite, convidou-me para ir viver com ela. Não hesitei. A minha mãe deu-me a sua bênção com a lágrima da praxe, e apanhei o primeiro avião para Oslo dois dias depois.
Ela era inevitavelmente loura e possuía um olhar meigo, sereno. Quando começámos a falar através do "chat", disse-me que tinha ficado viúva há um ano e que o marido tinha trabalhado numa plataforma do Mar do Norte. Quando cheguei, lembro-me de lhe ter perguntado a causa de morte do marido. Ela esquivou-se e levou-me para o quarto. Na nossa primeira noite, pediu-me constantemente para ser insultada sempre que lhe batia com o cinto de pele de baleia. O meu léxico norueguês era muito limitado e então ofendia-a na minha língua. O efeito foi ainda melhor do que o desejado. As suas nádegas brancas ficaram zebradas de vermelho, ela dava o corpo ao manifesto.
A minha companheira trabalha num mercado local. Passei os primeiros dias a deambular pela pequena vila. Os locais não me cumprimentam. Achei que talvez fosse a minha má pronúncia ou uma questão de temperamento, ou talvez até uma demonstração contida de xenofobia paroquial. Bom, os grunhidos nocturnos da minha companheira devem chegar à Irlanda, pode ser isso também. No entanto, senti pouco depois que era "outra coisa". O olhar deles dizia-me algo diferente.

Ontem à noite, enquanto punha a mesa, ela pediu-me para pôr mais um prato.
- Convidaste alguém para jantar? - perguntei.
Não respondeu. Levou a colher de pau à minha boca e perguntou-me a sorrir se o ensopado de peixe estava a meu gosto.
Sentei-me e, enquanto abria uma garrafa de vinho tinto do Chile, a campaínha tocou.
Tirou o avental, pousou a mão em cima do meu ombro e voltou a sorrir. Apalpou o penteado e lá foi abrir a porta. Uma voz masculina. Pareceu-me ouvir a troca de um beijo, seguido de um pequeno grito. Quando me virei, a minha "mulher" estava de braço dado com um homem alto e magro, com um sorriso idiota estampado na cara vermelha.
- Ålberto, apresento-te Knut, o meu marido. Knut, este é o nosso Ålberto.