Quando atravessaram o Bósforo, os encantadores de serpentes ficaram pasmados com a imponência e a nobreza dos templos europeus. O ancião do grupo, Boca de Áspide, ou o Grande Mestre Virtuoso, como lhe chamavam os seus pupilos, enterrou o seu funil de latão junto da catedral de S. Alexandre Nevsky, porque acreditava que iria ouvir finalmente as "sábias falas dos homens e as belas melodias da natureza". A grande diáspora dos encantadores de serpentes tinha começado. Contudo, e tal como nas histórias de alienígenas , os encantadores de serpentes ficaram contaminados com as palavras melífluas das castas mais letradas e, por mais que se esforçassem, não conseguiam compreender aquilo que os sacerdotes diziam. Estranhavam muito as suas vestes, pois, na sua terra natal, os homens sagrados andavam nus e não viviam enclausurados. Então começaram a imitar as gentes nativas até ao mais ínfimo pormenor, adoptando poses quando fumavam ou inalavam rapé, choravam nos ombros dos outros sem motivo e conspiravam entre si na troca de pequenos favores, sem nunca se cansarem destes gestos. Com os anos, estes gestos tornaram-se maneirismos; com os séculos, estes maneirismos transformaram-se em rituais que viriam a ser observados por todos. Deixaram de falar alto para falar baixinho e muito delicadamente. Quando lhes faziam perguntas para as quais não sabiam a resposta, inventavam frases evasivas, mas de um jeito muito gracioso e eloquente. Criaram uma linguagem própria e muito distinta de todas as outras. Agora, era a vez do povo de não compreender aquilo que os encantadores de serpentes diziam e, como ninguém queria ser visto como ignorante, começaram a respeitar e a louvar os encantadores. Os encantadores deixaram de vaguear de terra em terra para se estabelecerem nas capitais e engordarem até poderem rebolar sem grande esforço. Alguns, porém, ainda usam cintas de cetim para parecerem mais elegantes. Raramente suam e cheiram sempre a alfazema ou a frésias.
Naturalmente, nem todos foram bem sucedidos. Estes infelizes morreram na maior das misérias. Os cães parecem ser únicos que gostam de farejar e demarcar o sítio onde estão enterrados.