Enquanto a mulher do 22 assinava o aviso, o Carteiro penteava lentamente o bigodinho hirsuto com o dedo e o polegar, sem desviar o olhar da figura que tinha diante de si. A jovem tinha o cabelo apanhado e usava uma camisa de seda escarlate. A corrente de ar trazia do interior da casa um aroma a mel misturado com suor. Há quatro anos que entregava a correspondência naquela casa e fora sempre recebido por uma mulher diferente. Chegou a fazer vigílias à noite, durante horas a fio, no pequeno jardim de Boulevard Rousseau, mas nunca viu ninguém a entrar ou a sair daquela casa.
- Como é possível? - pensava, ajeitando o bigodinho.
Ao contrário de outros colegas mais madraceiros, o Carteiro nunca falhou uma carta e nunca trabalhava em contraluz tal como lhe recomendara o seu chefe no primeiro dia. Para evitar surpresas desagradáveis, trazia sempre uma sombrinha consigo. Conhecia cada pedra, cada janela, cada esquina do Boulevard Rousseau como a palma da sua mão e, tal como no filme da Lara Turner, fazia questão de tocar sempre duas vezes.
Dois dias antes de ser transferido para outra zona da cidade, verificou que tinha uma encomenda para o 22. Deixou-a para o fim do giro. O dia estava anormalmente quente para aquela altura do ano.
A mulher que veio à porta parecia ser mais velha do que todas as outras e teve a sensação de que já a vira em qualquer lado. Era madura como uma maçã vermelha pronta a comer.
- Não quer entrar e beber uma limonada? - perguntou, enquanto abanava lentamente um leque com uma paisagem oriental.
O coração do Carteiro saiu disparado pelo peito, mas recompôs-se de imediato.
- É muito gentil, mas não é necessário.
- Vá lá, faço questão! Não deve ser fácil trabalhar debaixo deste calor horrível! Entre.
A mulher deixou a porta escancarada e desapareceu no interior da casa. Faltava pouco mais de cinco minutos para o meio-dia e o sol não dava sinais de tréguas.