terça-feira, fevereiro 19, 2008

A Première

Todos batiam palmas na cara do espectador ao lado, Beckett passou com distinção na première. Cada um dos presentes viu a sua vida miserável a melhorar a olhos vistos, afinal era para isso que ali estavam. Contudo, e quando nada fazia prever, um dos jovens actores deu três passos à frente, pediu silêncio com as mãos no ar e bradou:
- Cavalheiros! Queria apenas dizer-vos que sois uns símios encasacados! E vós, minhas senhoras, não passam de uns camafeus! Qual de vós é que gostou realmente desta estrumeira que tive a infelicidade de representar?!
Redobrou o silêncio na sala. A seguir, virou-lhes as costas e baixou as calças, exibindo o alvo e orgulhoso traseiro. De súbito, todos se levantaram como se tivessam molas nos bancos e urraram, atirando os chapéus e os filhinhos ao ar. Num dos camarotes de primeira ordem, o cônsul, que tinha acordado em sobressalto, tentava perceber o que se passava em seu redor. O juíz desembargador, seu estimado amigo, estava atrás de si a lamber o pescoço da sua mulher que ainda estava impregnada com os restos das emoções projectadas pela peça.
-...Sua galdéria!...mas ele é meu, ouviste? Só meu! - vociferou o cônsul, meio incrédulo, meio inconsolável.