sexta-feira, abril 27, 2007

Franco-atirador

Digo-te isto a ti, e só a ti, porque sei que me entendes. Estou na mira de um franco-atirador omnipresente, bem colocado. Tenho as mãos suadas e tremo das pernas só de pensar. Aguardo pelo momento seguinte, pelo único tiro que me vai prostar sobre terra. Mas essa bala nunca é disparada, ele regozija-se ao ver-me a agonizar assim. Tu sabes, não sabes? Olho para cima, para os lados, e nada, ninguém. E vou me dobrando, aos poucos. Mais ou menos quando um homem, tu e eu, não os poetas, esses não sei quem são, nunca vi nenhum, quando um homem, dizia eu, escava, esgadanha e não encontra nada. Não há linha seguinte. Não há vasilha dourada para depositar as cinzas das palavras que traz consigo desde o dia em que nasceu. Sorte madrasta, soluçamos a vida e depois deixamos de respirar. E é tudo. Nada a alegar em nossa defesa. Sei que me entendes. Falhámos redondamente a nossa missão e depois, tarde demais. O nosso apelido torna-se inominável e todos nos viram a cara.