É raro, mas acontece - calhei de tropeçar neste blog e fiquei algum tempo estendido no chão, pernas abertas e olhos esbugalhados:
De alguma maneira, o velho Doutor Homem, meu pai, incorporou todos os defeitos das burguesias e do racionalismo do Porto, moldado pela penumbra do céu e pela chuva que caía nas suas ruas de granito escuro. A sua vida intelectual era um luxo permitido pela família; a moeda de troca eram viagens e temporadas de preguiça. As viagens levavam-nos a hotéis e cidades com museus, lojas e restaurantes, em Espanha, França e – por duas vezes – em Inglaterra; a preguiça depositava-nos em Ponte de Lima para um a dois meses de Verão, onde as tardes eram invadidas pelos seus discos e pela desarrumação na biblioteca do velho casarão miguelista – onde se misturavam, nos sofás e nos cadeirões, jornais da época e livros que convidavam à sesta. Se me contagiasse, algum dia, a tentação (cada vez mais frequente nos portugueses) de escrever um romance, eu teria nos anos de ouro de Ponte de Lima um cenário atraente e luminoso.