sexta-feira, setembro 05, 2025

O Homem Estranho

O que é aquilo que aquele homem estranho traz ao peito?

Um colar feito de contas coloridas ao jeito dos xamãs? Um pedaço de vulcão que a qualquer momento pode entrar em erupção? Uma coroa de espinhos à volta do coração?

Ou talvez seja um disco dourado com o Sol alegre e uma Lua minguante triste. Em baixo pode ler-se:

 "Perdão".

- Pode ser isso tudo, diz o homem estranho. E sorriu.

quarta-feira, setembro 03, 2025

A tartaruga-devoradora

A tartaruga-devoradora (turturem devoransregressa à mesma praia todos os anos para desovar durante o início do verão. É uma espécie de tartaruga invasora que causa desequilíbrio e algum transtorno ao habitat da pequena ilha. 

O nome da ilha é tão longo que não me dou ao trabalho de escrever. Impronunciável. A grande mãe tartaruga deposita centenas de ovinhos na areia e durante a noite as pequenas tartaruguinhas-devoradoras partem a casca e o seu instinto leva-as para o oceano através de um grande areal.

Não se deixem enganar pelo seu aspecto pequeno e frágil. É uma espécie predadora. Ao contrário das outras espécies, as crias não são presa fácil. Tem uma alta taxa de sobrevivência e como o próprio nome indica, devoram tudo o que encontram pelo caminho. O impacto tem sido tal que fragilizou bastante o ecossistema local.

Recentemente, porém, ocorreu um estranho fenómeno. Os meninos da ilha deixaram de ter medo destas tartarugas. As crianças locais ganharam coragem (algo que os seus pais não conseguiam fazer durante séculos) e com um simples gesto, encararam e enfrentaram as tartaruguinhas-devoradoras. 

Os pequenos répteis, de forma muito intrigante, voltaram para os seus ovos partidos e ai definharam até perecerem. Apenas algumas conseguiam chegar ao grande oceano com vida.  Mas já não tão ameaçadoras como antes, já não representam um "verdadeiro perigo" para o habitat local. 

Como se costuma dizer, "a coisa começou a compor-se" naquele pedaço da terra perdido no vasto oceano de cor turquesa. Demorou algum tempo, anos e anos, mas dir-se-ia que o equilíbrio foi reposto.

Os meninos da ilha são agora considerados os grandes heróis da pequena ilha de nome impronunciável.

 

terça-feira, setembro 02, 2025

Três em Um

 


Ainda ontem estava num pais lindo e rosa chamado São & Salvo e agora encontro-me nas cavernas do submundo onde Orfeu foi resgatar a sua Euridice. 

Com a diferença de que eu também posso ser a Euridice que se encontra refém do Hades. 

Bom, talvez seja o próprio Hades, já agora. Tudo isto é muito confuso, eu sei, caro leitor. Até para mim que pareço ser aquilo que chamam de "um gajo porreiro". E atraente e musculado, acrescento. Não toco lira como Orfeu mas toco guitarra e baixo eléctricos que são muito mais rock n roll.

Mas "estou em crer que não", creio que o pobre do Hades poderá ser o meu Passado que também pede para ser resgatado e curado.

A regra que Hades impôs a Orfeu para salvar Eurídice era: 

"Não podes olhar para trás".

E foi precisamente isso que fiz. 
Ou que os Deuses me levaram a fazer.

 

quinta-feira, junho 17, 2021

Paradoxo de Salomão

 De vez em quando, acabo por conhecer pessoas que sofrem deste mal, o Paradoxo de Salomão.

São pessoas que são muito sábias e muito pragmáticas a dar conselhos, mas que não aplicam esses mesmos conselhos na sua vida, no seu dia-a-dia. Tal como o rei Salomão, ao que parece. Não é bem o tradicional "olha para que eu digo, não olhes para o que eu faço", mas quase. Digamos que é um upgrade.

E quase - quase - poderia jurar que me incluo nesse tipo de pessoas.



Chuva

Finalmente, chuva! Il pleut!

Chuva para um Verão que se adivinha tórrido e caliente como uma paixão de Verão*.

*A partir desta frase, é fácil adivinhar que ando a ler muita literatura light , livros escolhidos aleatoriamente da prateleira do Pingo Doce para não "pensar muito".

Mas, sinto muito, é verdade.


quinta-feira, janeiro 28, 2021

Godzilla, Joyce e vinhaça.

Já não venho aqui desde o ano passado. E não senti falta para ser honesto.

Como podem constatar, Portugal é um enorme complexo hospitalar. Os prédios onde vivemos são blocos, as casas são salas de espera. Ninguém convida ninguém. As nossas sombras querem sair à rua e não podem. A minha faceta adolescente aguarda por uma Godzilla que irá emergir a qualquer momento do oceano e arrasar tudo de vez. Ou então o súbito aparecimento nos céus de um esquadrão de ovnis de Arcturo ou das Plêiades. Ou menos as notícias mudavam. Mas não. Hospitais. A.V.. Ambulâncias. UCIs sobrelotadas, Boavista em último. Só tragédias.

Kafka, Tzara, Joyce, Cendrars, não tenho paciência, tudo para canto. É o mais triste filme de Fellini. As ruas são um baile de máscaras azuis, um cortejo solitário. Mas o que é isto? Um mega-teste à Humanidade? Um gigantesco exercício estóico? A Grande Depressão parte II? Durante semanas alimento-me apenas de iogurtes magros, arroz no forno e rodelas de banana com manteiga dos Açores. E álcool, claro; garrafas, pipas e mais pipas de vinho, "ambi pur" com fragrância do tal vinho da Lixa por toda a casa.

sábado, novembro 14, 2020

Princesa chinesa

Uma princesa chinesa

caminha entre nós. 

Não olhem, 

não ouçam, 

a profecia

ou a memória. 

Ela caminha erecta, 

de estatura matinal, 

carregando um jarro de escuridão

na sua cabeça. 

Fiquem quietos, 

não se mexam, 

o jarro está cheio

do orvalho dos seus olhos. 

Ela carrega-o erecto

nestes tempos inconstantes. 

O seu equilíbrio

é espantoso, 

não a assustem, 

tenham compaixão por ela, 

para vós próprios, 

cada gota

o nosso resgate. 

A princesa caminha

em segurança,

com coragem. 

Ela já está à porta, 

à espera

de subir as escadas.


quarta-feira, outubro 14, 2020

A escada em caracol

O que é que faz aquele homem de Deus subir a mesma escada em caracol uma, duas, três vezes por dia? Não há nada lá em cima, não há vistas grandiosas, não há nada que o surpreenda, não tem nenhum objecto que precise - porque é que ele continua a subir e a descer a estreita escada como um maníaco?!
Talvez seja um simples exercício de meditação. Talvez seja um acto compulsivo que não consegue resistir, um ritual, uma superstição. Talvez até seja um exercício cardio, quem sabe? E olhem só para aquelas manápulas. Parecem pequenos baldes de retro-escavadoras!
Nada disto faz muito sentido. Que homem tão estranho.