quarta-feira, setembro 17, 2025

As 1001 Batalhas da Mente

 Num dia tão intenso como hoje, sinto-me como um templário que está a travar uma batalha contra uma legião de inimigos desconhecidos. 


Gostaria de descrevê-los esses "inimigos" (que curiosamente podem ser vistos como "arautos" ou "mensageiros") como cavaleiros negros e terríveis, ou criaturas ou monstrinhos bizarros com tentáculos e mais não sei o quê, mas não são. 

Aparecem-me do nada estes entes sem forma, invencíveis à primeira vista e então ao longo de um bom bocado travam-se batalhas. Que me parecem às vezes um ritual, uma dança estranha de avanços e recuos.

Não são embates físicos, não existem castelos nem campos de batalha, cenários de guerra, não há casualidades a registar como se costuma dizer nas notícias.

Já foram travadas milhões de batalhas iguais a esta ao longo dos séculos - desde que o Homem é Homem, desde que se tornou um ser ciente, vulnerável. E depois degeneraram em escritores, poetas e filósofos.

(Estou a brincar como é óbvio).

Pode ser a mais solitária e a mais difícil das batalhas - como tudo na vida, é uma questão de perspectiva, de ângulo de abordagem, de como se olha para o tabuleiro de xadrez.

Um pormenor que me intriga: este vosso templário (oh que imagem tão nobre eu encontrei, tão grandiosa, tão altiva!) tem a estranha tendência para absorver medos e memórias que não lhe pertencem. Poderia ser um super-poder se ele soubesse gerir a coisa, mas é uma arte que terá de aperfeiçoar. É aqui que os inimigos desconhecidos atacam de uma forma quase insidiosa, ardilosa.

Confusos? Eu também. Mas aposto que pelo menos um dos meus milhares dos leitores já travou estas batalhas interiores.

Jogo a carta Tarot do dia - que mais poderia ser: a Morte. Talvez a mais poderosa das cartas dos Arcanos Maiores. Lidar com aquilo que mais temo. Fim de ciclo, início de novo ciclo, regeneração após a transição. Sensação de esmagamento, de confronto que não pode ser evitado. Deixar para trás a velha pele como as serpentes. 

É pela ferida que entra a Luz, dizia alguém.

domingo, setembro 14, 2025

Toupeiras


Muitas pessoas têm-me dito que tenho de escutar o coração - já escrevi neste espaço sobre isso -, preciso de escutar a minha criança interior, de dar ouvidos aquilo que ela guardou durante anos a fio, sozinha. Que estes pensamentos ou medos são apenas ilusões, devaneios, fantasias (o que queiram chamar) para me distrair do meu propósito - escutar e cuidar da minha criança interior.

Normalmente, uso metáforas e imagens para tratar destas coisas, mas hoje não vou fazê-lo. 

Por exemplo, poderia escrever algo como isto:

Estou num terreno cheio de toupeiras: aparece uma, ameaço dar-lhe uma paulada, ela desaparece pela toca abaixo para, mais ao lado, aparecer uma outra toupeira noutro buraco. E ando nisto, nesta caça à toupeira. Vou chamar estes animais irritantes de toupeiras-pensamento. 

É uma imagem pueril, quase inocente, que transmite na perfeição o meu padrão mental. 

Mas hoje, parece-me que ao abordar o tópico de uma forma mais ou menos literario-infantil (o leitor decide!), estou também aqui a usar um subterfúgio, um mecanismo de escape. Alguns dirão que não, mas hoje sinto isso.

A Aceitação desempenha aqui um papel importante. Mas creio - sem qualquer tipo de pretensiosismo ou arrogância - que já estou na fase seguinte. Mas até isto, esta minha abordagem (não pretendo tornar este texto em algo de foro filosófico-existencial, não é a minha "praia", asseguro-vos) é uma forma de racionalizar a coisa. Uma racionalização ad eternum, ad nauseum. É claro que isto causa exaustão. 

O que eu sinto que tenho de fazer é SENTIR. A dor, a mágoa, a angst. Que vem do peito, num ponto entre os chamados chacras cardíaco-solar.

Não posso andar numa caça desenfreada e obsessiva de toupeiras no meu quintal a que chamo de Mente, porque isso não me leva a lado nenhum. E talvez, e apenas talvez, em vez de me distrair com estas toupeiras-pensamento que me desgastam, talvez eu deva escavar a fundo, ir além destes túneis labirínticos  para apurar a causa-mãe (ou a causa-pai) da questão. Por algum motivo que me ultrapassa, ainda não o consigo fazer. Pelo menos, por agora*.

*Como acabaram de ler, acabei por não cumprir aquilo que me propus: não usar imagens para descrever o que me vai na Alma.  Até isto é mais forte do que Eu. 



sexta-feira, setembro 12, 2025

Lua


 

 

 

 

 

 

 

 

 

  

 

Hoje, sexta-feira, foi dia de transmutação, de catarse, de inconsciente a reinar. 

O dia de "Friday" (Frīgedæg) era dedicado à deusa Friga, a equivalente germânica da romana Vénus. Hoje, porém, não senti muito o Amor, confesso. Senti sim as violentas Paixões que assolam tudo e todos. Emoções fortes, medos, dúvidas, o Ego a ser atropelado e a contorcer.

Acordei apreensivo e algo pesaroso. À medida que a manhã se desenrola, parece que a minha cabeça é uma ruidosa fábrica metalúrgica com bigornas, ferros incandescentes, com mil lascas, faúlhas e faíscas. Principalmente em dias de descanso, de ócio. "Mente desocupada (....)".

Lembrei-me agora do ambiente de trabalho do meu pai: industrial, duro, metálico, ferrugento. Era um operário incansável, adorava o que fazia, apesar de tudo. Este "tudo" fica para outra história.

Deixei o Sam na escola, ele estava feliz, os olhos enormes a brilhar. Despedi dele com um abraço, beijei o seu cabelo sedoso, desgrenhado. Tive por momentos algo parecido com um sentimento de inveja em relação ao meu filho; não me lembro da última vez que me senti como um puto de 8 anos: livre, solto, quase inconscientemente feliz.

Talvez esteja aqui a cair no exagero: foi há 3 meses, mais ou menos, sentia-me empoderado, firme, com momentos de despreocupação e leveza. Nunca pensei que houvesse um 2º round; o primeiro foi há quase dez anos e foi. Foi.

Talvez houvesse aqui uma fina camada de melancolia "mas nada de mais" - tem uma certa piada isto que acabei de escrever, as coisas que falamos ou escrevemos para relativizar a coisas desconfortáveis. Eu sei.

A caminhada higiénica pelo pinhal e pela praia foi muito, muito higiénica: de tal forma que parecia que tinha sido regado por uma tonelada de lixívia. Passo a explicar: a cada passo que dava, a mente oferecia-me coisas para lidar, uma sucessão de pensamentos, de triggers vindos do éter, como se houvesse um congestionamento mental e emocional. Doloroso, no mínimo. Deti-me por momentos a olhar o mar impávido e sereno, um horizonte imenso de azul e esperança.

Antes deste vale de sombras que estou a atravessar (há momentos de claridade, o sol brilha aqui e ali naturalmente) com velhos fantasmas a aparecerem a cada curva, a vida fluía, em aparente harmonia. Este tem sido o verão da minha vida, porque isto também é Vida, dizem. Assim quero acreditar.

Mas hoje foi assim, o Subconsciente a vir à tona, a beijar violentamente o Consciente, a vir à "Luz" - com tudo aquilo que acarreta. E a nível físico, uma dor na base da cabeça, na nuca, como se fosse uma batata quente a latejar.

Carta tarot do dia: a LUA. Claro. As comportas do subconsciente a abrirem-se: com as suas ilusões, fascinações, incertezas. Uma aparente fuga à realidade. Sim, FUGA, INCERTEZA também poderiam ser as palavras do dia. Mas sinto que não pode haver aqui evasão, não tenho como não lidar com isto tudo. Pode ser avassalador quando sinto a ansiedade a escalar em mim. 

Fui muito geográfico, muito topográfico nesta descrição, não é verdade, caro(a) e paciente leitor(a)?

O velho Rei-Medo sussurra-me ao ouvido: com que então queres cuidar dos outros, não é? Queres "estar" para os outros, não é assim? Então pega lá, e qual tal cuidares de ti antes? E fustiga-me com estas dúvidas que dilaceram a alma. O Rei-Medo, às vezes, é uma hera grande e velha que estende os seus tentáculos verdes pela minha Casa-Cabeça. Tenho fundações seguras, quase posso afirmar isso; por mais que ele tente me cobrir, não consegue destruir estas paredes com a cal queimada pelo sol. 

E "apesar de tudo, amanhã é sempre outro dia", como diria Scarlett O'Hara.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

   

 

 

quarta-feira, setembro 10, 2025

A chave

Onde está a chave?

Onde está aquele folheto com as soluções todas?

Onde está o mantra ou a solução mágica para dissipar esta cortina de fumo que em dias como o de hoje se tornou espessa como chumbo?

Onde está aquele menino que se escondeu tanto tempo mas que agora quer ser visto?

Onde está a portão para o Castelo Interior?

De onde vieram estes espelhos convexos, côncavos, distorcidos que se reflectem entre si?

De onde vêm estas rajadas de ventos que se erguem de manhã cedo até evoluírem para furacões avassaladores?

Porque estas viagens constantes ao Passado que já foi há muito e depois ao Futuro que ainda não sequer existe?

E porquê agora? 

(e porque não, claro)

 

E, no entanto, eu volto a perguntar:

Onde está a chave?

Por favor não digam que está dentro de mim, da minha alma, do meu ser.

Porque eu sei que ela está cá dentro, mas ainda não a encontrei.

Tal como aquela música. 

 

terça-feira, setembro 09, 2025

Coração

 


 Abrir o coração deveria ser algo mais fácil. Mas não é. Pelo menos para mim.  

Deveria haver um curso de cirurgia intensivo sobre como abrir o peito para curar o coração. Um curso acessível, ao alcance de todos. Com uma bolsinha/kit de bisturis e demais instrumentos cirúrgicos. Conheço muitas pessoas que sofrem muito e andam sempre com "o coração muito apertado, destroçado" ou então dizem algo como "às vezes parece que o meu coração vai-me sair pelo peito", etc. 

Por outro lado, são pessoas que "estão com a cabeça cheia de coisas". E a maior parte dessas coisas são inúteis. 

Eu incluo-me nesse grupo de pessoas. 

Deveríamos todos saber como dar livre-arbítrio ao coração. Os especialistas, os grandes cirurgiões, dizem que é um órgão muito sábio, muito generoso. Basta possuir as ferramentas adequadas para chegar "lá". Os mestres da medicina chinesa dizem que é um órgão "oco", um pouco "tonto" e é alimentado pelo fígado que é visto como o órgão da Ira, da Fúria. Curioso.

Enquanto escrevo estas palavras, o meu coração está a bater-me no peito como se fosse uma bateria furiosa de uma banda de punk rock. Será que é isto quando dizem "o teu coração está a falar. Escuta-o." O meu agora é o baterista dos Dead Kennedys.

Mas como, se escutamos com as orelhas/ouvidos? Que coisa lírica de se dizer. 

Escrevi "livre-arbítrio". Mas isso também não é uma coisa racional, da mente?

Isto é um pouco confuso. Ou então a minha mente está a tornar confuso. 

Gostaria que houvesse um canal, uma via directa, fluida, rápida entre a mente e o coração.

Os grandes especialistas, os ditos cirurgiões do coração, juram que é mais fácil do que  parece. 

"Basta deixar-se ir, deixar fluir", dizem. 

O que é que isto significa na verdade, alguém me pode dizer?

"Tens mesmo de comprar esse curso, esse kit.", diz-me a minha mente. 

"Não é preciso", contrapõe o meu coração que parece agora bem mais calmo. 

Curioso. 


segunda-feira, setembro 08, 2025

A cama-sonâmbula

Lembro-me de estar deitado na minha cama - creio que a minha irmã ainda não era nascida - e sentir os móveis a falarem. Sussurravam algo entre eles que não conseguia compreender. 

Depois da minha pequena oração desajeitada, sentia que os móveis e demais objectos do quarto conferenciavam entre si. Não saíam do sítio, não se moviam, excepto a cama. 

Esta recordação - ou sonho não sei bem - é o da minha cama estender-se, aumentar duas ou três vezes de tamanho (como se fosse um daqueles gavetões de arquivo intermináveis) ao ponto do fundo do quarto me parecer longe, muito longe. Uma espécie de cama sonâmbula que se mexia e se esticava durante a noite. Ficava com a sensação estranha de estar entre duas dimensões, entre dois planos de realidade (ainda que não fizesse ideia do que era uma "dimensão").

É um "para-sonho" muito estranho, eu sei. A minha mãe dizia-me que tive alguns episódios de sonambulismo e que, durante um período, agitava freneticamente a cabeça de um lado para o outro no travesseiro e só depois adormecia. Auto-regulação, dirão os especialistas. 

Mais parecia que estava a escutar o mais intenso ritmo africano de sempre, mas sem ter de usar aqueles auscultadores enormes e magníficos dos anos 70. 

E resultava bem, porque depois adormecia profundamente.

O piano


A imagem de um piano

Abandonado numa praia

A bruma é uma doce manta 

Sobre a praia deserta

A areia é lisa, sem rochas

O mar é um lago sereno

As vagas vão e vem 

Muito tímidas 

Parecem beijar

Os pés do piano


Ouço uma melodia triste, 

arrastada, bela.

A praia está deserta 

A música dança suave 

Com as vagas indolentes


Um vulto revela-se ao longe

Caminha lentamente 

Por entre a bruma 

Detém-se ao lado do piano


O vulto parece olhar

Na minha direção.

Mas eu 

não sei muito bem

Onde estou. 


E a doce e triste melodia

continua

E as vagas lentas 

vão e vem. 

sábado, setembro 06, 2025

O bosque encantado

 


 

 

 

 

 

 

Num bosque encantado, tudo pode acontecer. Já todos sabemos isto de antemão. 

Podem variar as personagens, as "magias", o enredo, mas, em boa verdade, neste tipo de história, partimos sempre desta premissa: "tudo pode acontecer". 

O urso, um dos personagens desta história, sabe disso muito bem. Sabendo que "tudo pode acontecer", ele contempla o bosque à espera que algo aconteça. E passa-lhe várias coisas pela cabeça enquanto espera por esse "algo". Algumas das coisas são muito intrigantes e absurdas; algumas são tão desconcertantes que nem ele próprio sabe como a sua mente de urso concebe tais coisas. 

"Acontece" muita coisa dentro da sua cabeça castanha mas, ao fim e ao cabo, nada acaba por acontecer naquele bosque encantado.