Orestes rodou sobre os calcanhares e
virou-se para trás. A mesma estrada de pó estendia-se à sua frente.
"Quando olhamos para trás, estamos no fundo a olhar também em
frente", pensou. "Se eu caminhar para a frente e fizer outra vez o
caminho que fiz até aqui, nada me diz que as mesmas coisas que me aconteceram
até agora me vão acontecer novamente". Deu três passos para a frente. Ao
fundo, uma fatia prateada do Egeu aparecia agora à sua direita. As alseídes
davam gritinhos histéricos e uma delas apontou para ele. Orestes estugou a
passada e começou a correr devagar, depois mais depressa, mais depressa ainda,
abriu a boca o mais que pode para deixar entrar mais ar, levantou os joelhos
quase até ao queixo, esticou os dedos das mãos para cortar o ar, correu, correu,
correu até ficar sem fôlego, até que não pode mais e deixou-se cair exausto na
berma do caminho. Respirava tragos de poeira que ele levantara e que a brisa
lhe trazia. O coração deixou de rufar durante três segundos e um dos
trapezistas deu finalmente o triplo salto mortal para os braços do outro que
estava quase roxo de tanto balouçar de cabeça para baixo. Já não era sem tempo.
Orestes tinha deixado a στενοχωρία para trás — ou à frente. Sentiu-se aliviado
e recompensado por ter tido a coragem para se virar e fugir nem que fosse por
uns breves instantes da στενοχωρία que o perseguia, correndo para trás-frente; a maior parte das pessoas
escolhe fugir para a frente-frente o
que raramente dá bom resultado; no entanto, também é verdade que algumas
pessoas se aconchegam lá atrás, na tristeza que tão bem conhecem e de lá não
querem sair.
Héspera, a deusa-ninfa do Entardecer,
gostou tanto do crepúsculo que criou ontem
para homenagear Homero que quis recriá-lo e preparava-se agora para tingir os
céus com os mais belos tons arrebolados sobre o Egeu cálido e sereno; estendeu
então um mapa feito de cumulus fractus
que pareciam côdeas e migalhas rosadas e douradas, e que pretendiam ser todas
as ilhas e acrescentou ainda um manto diáfano de cirrostratus com o qual a deusa iria reproduzir Ática e o
Peloponeso com todos os seus recortes de costa sinuosos.
Orestes pousou os cotovelos secos nas
ervas, queria descansar um pouco antes de enfrentar a cidade. Vê a στενοχωρία a
ganhar terreno e a aproximar-se dele a passos largos; o moço sabe que não há
nada a fazer senão esperar para a engolir como sempre fez, não sabe viver sem
ela. Baixou a cabeça e desejou ser Métis, a deusa titânica da Prudência para se
transformar num calhau como aquele que tinha a seu lado e nunca mais sentir a
στενοχωρία no seu coração; se fosse Métis, mãe de Atena, teria sabedoria e
poderes suficientes para preparar e beber uma poção igual à que deu a Cronos, a
pedido de Zeus, forçando-o a regurgitar os irmãos devorados pelo pai receoso
dos poderes que os filhos pudessem vir a ter. Tanto quanto sei, Orestes não
engoliu o irmão, apenas queria que ele aparecesse. Desejava também cuspir de vez a στενοχωρία que lhe trespassava a garganta.
"Orestes", P.A.