domingo, junho 28, 2020

Síndrome de Munchausen


E se tudo isto não passar de uma grande alucinação à escala mundial?

O primeiro a morrer, o designado "paciente 0",  não morreu da doença. Morreu de causas naturais. Morreu porque Deus ou ele próprio achou que era chegado o tempo para morrer.

E se a pandemia estiver apenas nas nossas cabeças? O paciente 0 deu o mote. Uns querem imitá-lo, apropriam-se de uma doença que não existe (uma espécie de placebo ao contrário), os mais tristes escolhem morrer, os mais velhos encontram o verdadeiro motivo. É realizada a grande dramatização, colocamos máscaras, desinfectamo-nos até ficarmos translúcidos, vamos acabar por desaparecer.

Recolhemo-nos nos nossos casulos por várias semanas para desesperar, para romper, para reflectir, para ressuscitar.

Os mais pequenos não entendem muito bem o que estamos a fazer. A sua inocência protege-os da paranóia generalizada ou, se quiserem, da grande imposturice.

Talvez seja o Inconsciente Colectivo a dizer que as coisas como estão não podem continuar, a velha ordem têm que acabar de vez, há que acelerar o processo para a mudança. Morte, ressurreição, vida, e por aí fora.

"Há tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de arrancar; tempo de matar e tempo de curar; tempo de derrubar e tempo de construir. Há tempo de ficar triste e tempo de se alegrar; tempo de chorar e tempo de dançar; tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntá-las; tempo de abraçar e tempo de afastar."

Eclesiastes 3:1-17

Irmãos











Orestes rodou sobre os calcanhares e virou-se para trás. A mesma estrada de pó estendia-se à sua frente. "Quando olhamos para trás, estamos no fundo a olhar também em frente", pensou. "Se eu caminhar para a frente e fizer outra vez o caminho que fiz até aqui, nada me diz que as mesmas coisas que me aconteceram até agora me vão acontecer novamente". Deu três passos para a frente. Ao fundo, uma fatia prateada do Egeu aparecia agora à sua direita. As alseídes davam gritinhos histéricos e uma delas apontou para ele. Orestes estugou a passada e começou a correr devagar, depois mais depressa, mais depressa ainda, abriu a boca o mais que pode para deixar entrar mais ar, levantou os joelhos quase até ao queixo, esticou os dedos das mãos para cortar o ar, correu, correu, correu até ficar sem fôlego, até que não pode mais e deixou-se cair exausto na berma do caminho. Respirava tragos de poeira que ele levantara e que a brisa lhe trazia. O coração deixou de rufar durante três segundos e um dos trapezistas deu finalmente o triplo salto mortal para os braços do outro que estava quase roxo de tanto balouçar de cabeça para baixo. Já não era sem tempo. Orestes tinha deixado a στενοχωρία para trás — ou à frente. Sentiu-se aliviado e recompensado por ter tido a coragem para se virar e fugir nem que fosse por uns breves instantes da στενοχωρία que o perseguia, correndo para trás-frente; a maior parte das pessoas escolhe fugir para a frente-frente o que raramente dá bom resultado; no entanto, também é verdade que algumas pessoas se aconchegam lá atrás, na tristeza que tão bem conhecem e de lá não querem sair.
Héspera, a deusa-ninfa do Entardecer, gostou tanto do crepúsculo que criou ontem para homenagear Homero que quis recriá-lo e preparava-se agora para tingir os céus com os mais belos tons arrebolados sobre o Egeu cálido e sereno; estendeu então um mapa feito de cumulus fractus que pareciam côdeas e migalhas rosadas e douradas, e que pretendiam ser todas as ilhas e acrescentou ainda um manto diáfano de cirrostratus com o qual a deusa iria reproduzir Ática e o Peloponeso com todos os seus recortes de costa sinuosos.
Orestes pousou os cotovelos secos nas ervas, queria descansar um pouco antes de enfrentar a cidade. Vê a στενοχωρία a ganhar terreno e a aproximar-se dele a passos largos; o moço sabe que não há nada a fazer senão esperar para a engolir como sempre fez, não sabe viver sem ela. Baixou a cabeça e desejou ser Métis, a deusa titânica da Prudência para se transformar num calhau como aquele que tinha a seu lado e nunca mais sentir a στενοχωρία no seu coração; se fosse Métis, mãe de Atena, teria sabedoria e poderes suficientes para preparar e beber uma poção igual à que deu a Cronos, a pedido de Zeus, forçando-o a regurgitar os irmãos devorados pelo pai receoso dos poderes que os filhos pudessem vir a ter. Tanto quanto sei, Orestes não engoliu o irmão, apenas queria que ele aparecesse. Desejava também cuspir de vez a στενοχωρία que lhe trespassava a garganta.


"Orestes", P.A.

terça-feira, junho 09, 2020

Coffee break

Freddy & David