O Padre da paróquia de Santa Marinha já era muito velho quando me baptizou com vinho-bento e continuou a ser muito velho quando fiz a primeira comunhão. Lembro-me bem dele e o hálito a vinho benzido que ele bufava através da rede de vime do confessionário quando me absolvia dos meus pecados de criança. Com o passar dos anos tornou-se cada vez mais impaciente e rabugento e cheguei a ouvi-lo a mastigar palavrões durante a missa quando deixava cair uma hóstia ou quando se esquecia da ladainha do Credo. O Brandão, amigo de copos do meu pai, não gostava nada do padre, nunca atinou com ele e sempre que ia confessar-se (a mãe de 87 anos obrigava-o), demorava duas, às vezes três horas, se estivesse inspirado, inventava pecados, narrava-os ao pormenor.
Uma vez disse ao meu pai que tinha confessado ao padre que recebia mulheres casadas em casa e que estas se ajoelhavam em círculo à sua volta e faziam-lhe coisas. Coisas. Segundo o Brandão, estas confissões faziam nascer grutinhas de suor na cara chupada do padre que saia disparado do confessionário, desesperado, e começava a partir jarras de flores e a mandar velas ao chão, partia tudo o que encontrava à frente, insultava-o com palavrões que faziam corar a Maria Madalena e tremer as flechas que trespassavam o São Sebastião, por onde passava o chão tremia. O padre estava a um passo de ficar louco e era isso que o Brandão mais desejava neste mundo e no outro. As beatas quase mortas que estavam a rezar o terço ou a limpar os nichos e os santinhos acendiam-se sozinhas, davam estalos com a boca e saíam da igreja a benzerem-se, muito chocadas com o comportamento alucinado do seu padre.
No dia seguinte, tudo voltaria ao normal.