segunda-feira, março 14, 2016

Livros

Na fila para a caixa de um Pingo Doce qualquer. Atrás de mim, um homem e uma criança com um cesto de compras. O petiz resolve quebrar o silêncio:

"Oh pai, o que é que estão aqui a fazer estes livros? Os livros são tão chatos."

Olhei sobre o ombro, o pai estava a deslizar o dedo sobre o ecrã do Samsung e ignorou a observação do filho que deveria ter os seus dez anitos. Estavam duas senhoras à minha frente, tinha mais do que tempo suficiente para intervir. Rodei sobre os meus calcanhares, pus as mãos nas pernas e verguei os costados para ficar ao nível do olhar da criança. Consegui a sua atenção.

"Sabes meu menino. Os livros não são chatos. São até muito interessantes. Engraçados, estás a ver? Se tivesses lido este livro que trago comigo, saberias S. Mathurin é o santo invocado para curar a epilepsia e a loucura. Tinha muitos devotos na Idade Média. Também é o santo patrono dos bobos, dos palhaços. Gostas de palhaços, não gostas, meu menino? É claro que gostas. E olha. Caso tivesses lido este livro que trago aqui comigo, ficarias a saber também que S. Mederico, o eremita, é invocado quando temos desarranjos intestinais. Aqui, aqui (apontei para os meus intestinos). E já agora, puto, sabes que Santa Zita de Luca passou a vida a trabalhar como empregada doméstica e sofreu muitas situações de austeridade...já ouviste falar em austeridade, não já? É claro que sim...., passou muitas situações de austeridade, na esperança que essa mesma austeridade a ajudasse a combater os seus problemas de alcoolismo e de turbulência nocturna. Não sabias, pois não? Pois ficas a saber. Como vês os livros estão longe de serem chatos. Bom...alguns conseguem ser muitos chatos, tens alguma razão, mas nem todos."

O pai queria tirar satisfações comigo, mas tive de sair da fila, tinha-me esquecido das filetes de pescada congeladas.