sexta-feira, janeiro 27, 2012

Catecismo


quinta-feira, janeiro 26, 2012

Ghost writer

Se me convidassem, teria todo o prazer em ser o ghost-writer das memórias do nosso Presidente de República. E não me importava de ser a última opção da editora, caso outros recusassem a proposta. Gosto muito de biografias e de fábulas.

terça-feira, janeiro 24, 2012

Braille e os novelos de lã



Braille, nessa altura, dedicava-se a fazer novelos de lã para fora e era realmente bom nesse ofício. Tinha uma longa fila de clientes à porta logo de manhã, e alguns vinham de muito longe. Sempre fora muito metódico e gostava de dar um toque dramático a tudo aquilo que fazia. Antes de começar a enrolar, punha bastante pó-de-arroz na cara e pintava-se ao jeito dos oonagata, os actores de kabuki. Dizia-se que a cabeleira postiça que usava tinha sido feita com cabelos de Napoleão. De Napoleão! Quem podia confirmar se isto era verdade ou não?
Ao longo da "novelada" que se desenrolava na sua sala de visitas, Braille fazia movimentos que intercalavam entre o abrupto e o gracioso para grande rejubilo do cliente e de Sklerós, seu assistente. Os clientes saiam quase sempre muito satisfeitos. Quando não gostava de determinado cliente, não o recusava: entrava em cena normalmente, mas depois permanecia imóvel durante longos minutos com uma expressão inusitada e com meio novelo na mão. O cliente mais cedo ou mais tarde acabaria por ceder. Sklerós pousava então a malha por enrolar e indicava gentilmente a saída ao infeliz.

quinta-feira, janeiro 19, 2012

Padres de choque

Os padres de choque tiveram origem na região da Apulia (Itália) nos anos 50 e foram os predecessores dos famosos carrinhos de choque que todos nós tão bem conhecemos. É apresentada em seguida uma tradução das "domande frequenti"/FAQs extraídas de um Manual do Utilizador Fiel encontrado recentemente na biblioteca de Santa Croce, em Lecce:


- Quem pode usufruir dos padres de choque?
- Toda a gente que tenha sido crismada, excepto rabinos e albaneses.

- Como é que funciona?
- A pessoa deve dirigir-se à sacristia, pedir uma hóstia, escolher o padre da sua preferência e colocar a hóstia na boca do padre. Depois basta subir às suas cavalitas. Existem padres de várias cores e de diferentes batinas.

- Os padres são seguros?
- Estes são.

- Quanto tempo posso andar nas cavalitas do padre?
- Cada hóstia dá direito a um tempo de viagem correspondente a mais ou menos três padres-nossos.

- Podemos orar em silêncio quando estamos às cavalitas dos padres de choque?
- Sim.

- Podemos cantar ao Senhor quando estamos às cavalitas dos padres de choque?
- Sim.


A falta de vocação e a escassez de leigos especializados na manutenção fizeram com que os padres de choque fossem substituídos por máquinas na década seguinte.

sexta-feira, janeiro 13, 2012

quarta-feira, janeiro 04, 2012


A maleta


Quando um homem de capachinho sai de um banco com uma maleta encostada ao peito é mau sinal. Os juros foram castigados, mas ele não quer saber. O senhor do banco sofre e ninguém nota, nem mesmo os colegas. Sofre em silêncio enquanto olha para o contador automático. O frufru das notas secam-lhe as lágrimas e ele lá se recompõe por fim.
O homem de capachinho pousa a mala no meio da praceta e senta-se no banco de jardim. Os transeuntes certificados olham para a maleta, mas ninguém pega nela. Passa a manhã. Passa a tarde. O homem de capachinho repara que o carvalho à sua frente está pintado de vermelho da cintura para baixo. Ainda assim, não sente qualquer intimidade com o carvalho. Alivia-se. Um grupo de mulheres aproxima-se e forma um círculo em torno da mala. As mulheres gesticulam e riem, e depois partem. Um miúdo omnipotente em cima de um skate pára ao pé da maleta. Tenta pegar na maleta, mas não consegue. Atira-a para os arbustos e parte para enfrentar o seu destino. O homem de capachinho levanta-se e volta a pousar a maleta no meio da praceta. Não há crepúsculo, o céu fica estrelado como uma tela de fundo que cai sobre um palco. É tempo de regressar a casa.
No dia seguinte, o homem de capachinho vai ao banco para voltar a depositar o dinheiro que tinha na maleta. O senhor do banco começa a chorar de felicidade e sente algo parecido com amor conjugal pelo homem de capachinho.
"Cada início é só continuação, e o livro das ocorrências está sempre aberto ao meio", pensa o homem de capachinho.

segunda-feira, janeiro 02, 2012

Seres Imaginários e Mitológicos da Lapónia - III parte


O ándagassii haŋŋá é um pato de rabo comprido cuja dieta alimentar inclui lentilhas e juncos, tendo por hábito evacuar flatos intestinais durante longos períodos de tempo, descrevendo grandes círculos na água. Quando termina, o pato vem a terra e abana com a cabeça como que a lamentar-se pelo seu comportamento (ándagassii: lamentar-se; pedir desculpa). Os lapões acreditam que se usarem uma pena deste pato sob a orelha ficam curados da prisão de ventre.

O biebmobárdni beskkoš é um andorilhão que vive nos beirais dos telhados. A ave gosta de pousar no ombro de crianças órfãs e de lhes limpar o cerume dos ouvidos.

O cealkit dearvvuođaid cizášfálli era utilizado antigamente para enviar agradecimentos e cumprimentos a familiares e amigos que viviam a grandes distâncias. Na maior parte das vezes, o pequeno falcão enganava-se no destinatário ou simplesmente desaparecia, e a ave deixou de ser usada na troca de mensagens. Curiosamente, é o símbolo dos correios na Lapónia.

A jos skuolfi (coruja-da-neve lacónica) emite um som parecido com "jos" ("se..." em português) quando se sente ameaçada. A ave permanece imóvel e parece mostrar uma atitude de desafio quando é avistada por caçadores, cantando sem parar "jos jos jos". A ave parece confiar absolutamente na sua penugem branca e na reputada falta de pontaria dos caçadores lapões.