Não gosto de guerras. Gosto de batalhas tipo Borodino ou Waterloo. Quando não tomo banho, os meus braços cheiram a caramelo. Gostaria de ver o homem a ir à Lua. Gostaria de ver o homem a combater a gravidade quando obrasse na Lua. O meu bisneto chamar-se-à Andy War Hole e será presidente dos EUA. Nunca fumei ópio. Amo Jane Austen. É um amor louco porque ela já morreu. Não gosto de gatos. Metzengerstein é o nome do um pastor alemão. Gosto de fazer amor comigo mesmo. Isso não é masturbar. Vou a consultas regulares de obstetrícia. Uma vez caí na Casa de Usher. A Casa de Usher, o melhor prostíbulo de cidade. Sonho muitas vezes com a minha mãe. Dou puns que cheiram a açafrão-das-Índias.
Este texto foi encontrado no bolso do casaco que Edgar Allan Poe trazia vestido quando o encontraram morto nas ruas de Baltimore. Como é sabido, as roupas não eram suas e a caligrafia não era a sua. No entanto, alguns estudiosos de Poe defendem que poderá tratar-se do último texto que o escritor norte-americano escreveu antes de morrer. A tradução é minha.
terça-feira, março 29, 2011
sábado, março 26, 2011
O arcanjo Micha'el
E, por fim, o arcanjo desceu sobre a terra. E ninguém tinha observado o jejum, nem amado a Deus sobre todas as coisas. E todos guardavam terríveis segredos e persona honrava pai e mãe.
Banqueiros e outros usuários ficaram com a cara feita em manteiga da vaca que foi coberta várias vezes. A meretriz coxa voltou a andar e chorou lágrimas de lagartixas, porque nunca tinha visto um crocodilo. Ao ver o arcanjo a avançar sobre eles, padres e paladinos de distintas prelaturas entesoaram-se sem fazer cerimónia - não sem antes olharem para trás - e assim ficaram até serem chamados por Deus. Funcionários públicos foram resgatados pelo arcanjo e encaminhados para filas sem fim para as portas do Purgatório. Excepto os das casas de banho públicas das grandes babilónias - o bom Deus reservara há muito um lugar a Seu lado para esses mártires. Os cegos voltaram a ver e os seus acordeões miseráveis foram destruídos. E os velhos mestres cátedras e os eloquentes comentadores políticos de prime-time perderam a voz para sempre ao verem que o arcanjo não usava nada debaixo da gabardina que trazia.
Banqueiros e outros usuários ficaram com a cara feita em manteiga da vaca que foi coberta várias vezes. A meretriz coxa voltou a andar e chorou lágrimas de lagartixas, porque nunca tinha visto um crocodilo. Ao ver o arcanjo a avançar sobre eles, padres e paladinos de distintas prelaturas entesoaram-se sem fazer cerimónia - não sem antes olharem para trás - e assim ficaram até serem chamados por Deus. Funcionários públicos foram resgatados pelo arcanjo e encaminhados para filas sem fim para as portas do Purgatório. Excepto os das casas de banho públicas das grandes babilónias - o bom Deus reservara há muito um lugar a Seu lado para esses mártires. Os cegos voltaram a ver e os seus acordeões miseráveis foram destruídos. E os velhos mestres cátedras e os eloquentes comentadores políticos de prime-time perderam a voz para sempre ao verem que o arcanjo não usava nada debaixo da gabardina que trazia.
quarta-feira, março 23, 2011
segunda-feira, março 21, 2011
Ici Paris
Modo de utilização: substituir "Paris" por "Porto" e assaltar a câmara dos gases e a junta de freguesia de santo ildefonso:
Marianne rebelle me disait
Qu'elle est plus jolie metissee
Ici Paris
Caravanes, vent du desert,
Mais nous n'irons plus a la guerre
a l'attaque
Ici New York, ici Moscou
Chacun pour soi, tous pour les sous
solidaires
Ici Paris
Epargne moi
Ici Paris (3)
adonis et bulldozer
s'accouplent a la volontaire
Ici Paris
Hola madonne tu m'etonnes
Enleve ce col qui te donne
l'air emprunte
a l'amour et a la vie
a syd barret et c'est fini
Ici Londres
Ici Paris
Epargne moi
Ici Paris
Noir Désir (RIP)
Marianne rebelle me disait
Qu'elle est plus jolie metissee
Ici Paris
Caravanes, vent du desert,
Mais nous n'irons plus a la guerre
a l'attaque
Ici New York, ici Moscou
Chacun pour soi, tous pour les sous
solidaires
Ici Paris
Epargne moi
Ici Paris (3)
adonis et bulldozer
s'accouplent a la volontaire
Ici Paris
Hola madonne tu m'etonnes
Enleve ce col qui te donne
l'air emprunte
a l'amour et a la vie
a syd barret et c'est fini
Ici Londres
Ici Paris
Epargne moi
Ici Paris
Noir Désir (RIP)
quinta-feira, março 17, 2011
quarta-feira, março 16, 2011
O gosto solitário do orvalho - Barugon
quarta-feira, março 09, 2011
Muito silêncio por nada
Nota introdutória:
A peça passa-se no dias de hoje e tem mais do que três actos. O cenário é uma tela com o fundo do Odeón de Paris, há seis filas de cadeiras em palco.
Acto I
Todos os personagens da peça entram em cena, um a um, e sentam-se nos respectivos lugares. Burburinho. Tosse. Risos abafados. Silêncio. Os personagens olham para o público. O público, se Deus quiser, olha para os personagens.
Acto II
Ofélia tosse. Ricardo II sai para uns instantes.
Acto III
Os Dois Nobres Parentes trocam sorrisos entre si e apontam para uma senhora espectadora da 3ª fila. Ricardo II volta ao seu lugar.
Acto IV
António (o mercador de V., não o de Cleópatra) tira um moleskine do bolso do casaco e faz algumas anotações. Gratiano, Solanio, Salarino e Salerio bocejam de forma sequencial, da esquerda para a direita. Salerio parece estar enviar uma sms no Blackberry.
Acto V
Silêncio.
Acto VI
Silêncio interrompido pela respiração asmática do Duque Frederick que faz como lhe aprouver.
Acto VII
Otelo levanta-se e vai-se embora visivelmente aborrecido. Mais trinta e um minutos de silêncio. O Green Lantern também sai e todos o imitam.
O Rei Ubu, que se encontra no meio do público, vaia e atira as calças para o palco em forma de protesto.
Fim da peça.
A peça passa-se no dias de hoje e tem mais do que três actos. O cenário é uma tela com o fundo do Odeón de Paris, há seis filas de cadeiras em palco.
Acto I
Todos os personagens da peça entram em cena, um a um, e sentam-se nos respectivos lugares. Burburinho. Tosse. Risos abafados. Silêncio. Os personagens olham para o público. O público, se Deus quiser, olha para os personagens.
Acto II
Ofélia tosse. Ricardo II sai para uns instantes.
Acto III
Os Dois Nobres Parentes trocam sorrisos entre si e apontam para uma senhora espectadora da 3ª fila. Ricardo II volta ao seu lugar.
Acto IV
António (o mercador de V., não o de Cleópatra) tira um moleskine do bolso do casaco e faz algumas anotações. Gratiano, Solanio, Salarino e Salerio bocejam de forma sequencial, da esquerda para a direita. Salerio parece estar enviar uma sms no Blackberry.
Acto V
Silêncio.
Acto VI
Silêncio interrompido pela respiração asmática do Duque Frederick que faz como lhe aprouver.
Acto VII
Otelo levanta-se e vai-se embora visivelmente aborrecido. Mais trinta e um minutos de silêncio. O Green Lantern também sai e todos o imitam.
O Rei Ubu, que se encontra no meio do público, vaia e atira as calças para o palco em forma de protesto.
Fim da peça.
terça-feira, março 08, 2011
segunda-feira, março 07, 2011
O gosto solitário do orvalho - Guiron
A característica mais proeminente de Guiron é a sua cabeça em forma de faca que é 100 vezes mais dura do que o diamante, repleta de "shuriken" que podem ser disparados a partir de um par de orifícios situado acima dos olhos. A criatura tem uma visão radar de 360 graus, tem 60 vezes mais dentes de que uma piranha, pulmões adaptados para percorrer viagens espaciais de longa distância, órgãos em forma de saco que armazenam energia e urânio, órgãos em forma de balão nas pernas que lançam jactos de líquido através dos pés, barbatanas que lhe confere estabilidade na água e ventosas magnéticas nas mãos.
sexta-feira, março 04, 2011
quinta-feira, março 03, 2011
O gosto solitário do orvalho - Gamera
(clicar para aumentar a imagem)
Gamera possui olhos de visão infravermelha e nocturna, braços que podem erguer 50 mil toneladas, um órgão que produz as chamas que a criatura dispara das mãos, espinhos eléctricos no dorso, garras venenosas, órgãos em forma de bolsa que armazenam lava, carvão, petróleo e urânio, órgãos em forma de balão que disparam jactos de ar através dos membros inferiores, e uma cauda de cartilagem elástica que disfere poderosos golpes.
terça-feira, março 01, 2011
Terapia
Enquanto espero pelo eléctrico que me vai deixar perto da capela mortuária, penso no meu amigo que faleceu recentemente. Começa a chuviscar. Toda a gente foge para debaixo do coberto da paragem, um grupo de turistas-trogloditas solta exclamações de afectada surpresa para depois desatarem às gargalhadas como verdadeiros cretinos. As semelhanças entre os turistas-trogloditas e os cretinos-pedigree são notáveis. Estamos todos zipados, encostados uns aos outros, o meu nariz encolhe e fica anestesiado. Os trogloditas cheiram a suor e o mais velho tresanda a Porto quando abre a boca. Ainda por cima é aquela zurrapa de três anos que lhes dão a provar nas caves. Verdade seja dita, até é bom demais para os trogloditas. Sei do que falo, fui aprendiz de tanoeiro, mas tive de desistir - o chamamento do palco falou mais alto. Volto a pensar no meu falecido amigo. Ele também era actor. O que faria ele nesta situação? Talvez deixasse escapar a mão para o traseiro da quarentona troglodita de olho azul ou então tentava falar aquela língua de farrapos, lamentando a chuva e desculpando-se em nome de todo o povo português. Na verdade, comecei a odiar o meu amigo de há dois anos para cá. Era um ódio mútuo, sem motivos e talvez por causa disso tornou-se cada vez mais sombrio. Qualquer incidente, qualquer pequena fatalidade que acontecesse ao outro, fazia-nos ganhar o dia. Era um ódio não declarado, um rancor saudável que me fazia continuar e dava sentido à minha vida. Contracenei com ele várias vezes e tentávamos sempre superar um ao outro. Não existia mais nada à nossa volta. O gajo era bom, mas eu era melhor. Ele sabia disso, pois dava-me sempre os parabéns nos camarins. O cabotino implodia de fel, mas dizia-me sempre que "esta tinha sido a minha actuação". Todas as noites. Por outro lado, quando saímos os dois, fazia-me confidências sobre a sua vida amorosa, apenas porque sabia que me irritava profundamente. Falava das suas façanhas sexuais, das suas conquistas durante horas a fio, roçando às vezes o obsceno. No entanto, ouvia-o como um padre num confessionário. Por uma razão que desconheço, não conseguia mandá-lo calar e lançava-lhe apenas olhares de raiva que só lhe davam mais força para continuar com mais prosápia. Bastardo. Agora tudo isto acabou, o gajo partiu, foi ceifado em cheio por um taxista embriagado quando saia do teatro. Chegou o eléctrico. Deixo subir primeiro os turistas-trogloditas que quase atropelam a senhora de idade que os manda a todos para o órgão sexual masculino. Não especificou qual. Quando cheguei à capela, já lá estava meia dúzia de amigos e familiares que se reuniam à volta do caixão. Lá estava ele. Para quem pensava que iria morrer louco (como a mãe), tiveste um fim menos glorioso, ah bastardo? Sorrio. Senti uma mão no ombro. Caio em mim e viro-me. Era um homem na casa dos trinta e muitos, fato preto Zegna, óculos de massa escuros, parecia ser meio estrábico.
- Peço desculpa, o senhor era amigo do meu irmão?
Desvio o olhar. Atrás dele está uma mulher de idade com o rosto ossudo que leva um lenço branco ao nariz e encara-me com os olhos molhados. Dirijo-me imediatamente para a porta e desço as escadas de pedra sem olhar para os degraus. Conheço-os bem. Não consegui ficar mais tempo, é pena. Tiro a maçã que tinha no bolso do casaco e trinco-a. O próximo eléctrico só chega daqui a meia hora. Não há trogloditas à vista.
Desde que fiquei desempregado há um ano que tenho por hábito frequentar funerais e missas de sétimo dia de desconhecidos. Por motivos que ainda não escavei, a dor de estranhos faz-me sentir bem.
- Peço desculpa, o senhor era amigo do meu irmão?
Desvio o olhar. Atrás dele está uma mulher de idade com o rosto ossudo que leva um lenço branco ao nariz e encara-me com os olhos molhados. Dirijo-me imediatamente para a porta e desço as escadas de pedra sem olhar para os degraus. Conheço-os bem. Não consegui ficar mais tempo, é pena. Tiro a maçã que tinha no bolso do casaco e trinco-a. O próximo eléctrico só chega daqui a meia hora. Não há trogloditas à vista.
Desde que fiquei desempregado há um ano que tenho por hábito frequentar funerais e missas de sétimo dia de desconhecidos. Por motivos que ainda não escavei, a dor de estranhos faz-me sentir bem.
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