quinta-feira, outubro 28, 2010
O viúvo
Vivo sozinho e ainda sinto falta da minha mulher. Faz hoje um ano que ela morreu. Hoje vou dormir melhor, estou exausto. Consegui trazer para casa o banco de jardim onde costumávamos namorar. O filho do meu vizinho de baixo ajudou-me a trazê-lo ontem de madrugada. Apesar de todo aquele metal na cara e de cheirar mal, não é mau rapaz. Ele e o pai estão sempre aos berros um com o outro.
Foi neste banco que pedi a minha mulher em casamento. Os meus dois filhos visitam-me de longe a longe, porque não têm paciência para os meus queixumes de velho. Que surpresa, não? Sabemos que estamos velhos quando todos os meses parecem Novembro e quando não controlamos o nosso esfíncter em locais públicos.
Eu cresci para a minha mulher e a minha mulher cresceu para mim. E isso é amor, seus bastardozinhos. Pus o banco no meio da sala de estar, ao lado da cadeira de cabeleireiro onde ela passou quase um quarto da sua vida. Ela era muita vaidosa e ciumenta. É provável que se tenha queixado de mim nesta cadeira. Gostava muito dela. Dois meses depois da sua morte, comprei a cadeira ao salão que ela frequentou durante vinte e um anos. Veio com um daqueles vaporizadores de cabelo que apareceram nos anos sessenta e, apesar de eu ter a cabeça grande, consigo metê-la lá dentro enquanto vejo televisão à noite. Há noites em que adormeço sentado na cadeira e acordo de madrugada com o vidro embaciado. Às vezes, acordo com uma erecção (é verdade, seus bastardozinhos, não tenho porque mentir) e fico acordado a pensar nela até o sol nascer.
Foi neste banco que pedi a minha mulher em casamento. Os meus dois filhos visitam-me de longe a longe, porque não têm paciência para os meus queixumes de velho. Que surpresa, não? Sabemos que estamos velhos quando todos os meses parecem Novembro e quando não controlamos o nosso esfíncter em locais públicos.
Eu cresci para a minha mulher e a minha mulher cresceu para mim. E isso é amor, seus bastardozinhos. Pus o banco no meio da sala de estar, ao lado da cadeira de cabeleireiro onde ela passou quase um quarto da sua vida. Ela era muita vaidosa e ciumenta. É provável que se tenha queixado de mim nesta cadeira. Gostava muito dela. Dois meses depois da sua morte, comprei a cadeira ao salão que ela frequentou durante vinte e um anos. Veio com um daqueles vaporizadores de cabelo que apareceram nos anos sessenta e, apesar de eu ter a cabeça grande, consigo metê-la lá dentro enquanto vejo televisão à noite. Há noites em que adormeço sentado na cadeira e acordo de madrugada com o vidro embaciado. Às vezes, acordo com uma erecção (é verdade, seus bastardozinhos, não tenho porque mentir) e fico acordado a pensar nela até o sol nascer.
Nosferatu
Max Schreck a descansar entre "takes" e a assustar todos no estúdio de rodagem de Nosferatu, A Symphony of Horror, 1922, dir. F.W. Murnau. (via)
Durante as filmagens de Nosferatu, Scherck nunca "saía" da pele do seu personagem, mesmo quando as câmaras não estavam a gravar, e tanto o elenco como a equipa de filmagem nunca viram o actor sem a respectiva maquilhagem e guarda-roupa. Embora esta abordagem envolvente face ao papel seja agora muito comum, não era normal na época, e a sua aparência e comportamento deram origem a rumores de que Schreck era realmente um vampiro.
Se esta foto constituir uma boa prova do comportamento de Schreck em torno de Nosferatu, a cautela da equipa de filmagem parece-nos compreensível.
domingo, outubro 24, 2010
Srilanka
Quando andava no liceu,
tive um cão a que dei
o nome de "Srilanka" -
o cão esticava as orelhas
e rodava a cabeça
sempre que o pivot do telejornal
dizia "Tigres Tamil".
Como era um cão não fazia
muito sentido chamar-lhe
"Tigretamil".
Pouco antes de morrer,
Srilanka apanhou o
meu aparelho dos dentes
em cima da borda da banheira
e pôs-se a lamber
os restos do jantar.
A minha mãe, furiosa,
gritou comigo e
perguntou depois ao meu pai
onde é que se deve pôr
um aparelho dos dentes
com restos de comida,
se no amarelo ou no lixo
orgânico.
tive um cão a que dei
o nome de "Srilanka" -
o cão esticava as orelhas
e rodava a cabeça
sempre que o pivot do telejornal
dizia "Tigres Tamil".
Como era um cão não fazia
muito sentido chamar-lhe
"Tigretamil".
Pouco antes de morrer,
Srilanka apanhou o
meu aparelho dos dentes
em cima da borda da banheira
e pôs-se a lamber
os restos do jantar.
A minha mãe, furiosa,
gritou comigo e
perguntou depois ao meu pai
onde é que se deve pôr
um aparelho dos dentes
com restos de comida,
se no amarelo ou no lixo
orgânico.
quinta-feira, outubro 21, 2010
segunda-feira, outubro 18, 2010
sexta-feira, outubro 15, 2010
O Tio Tula
"Numa sociedade plenamente justa e orçamental, os senhores proprietários de cafés com fotos aéreas dos respectivos cafés seriam todos presos. Sentiriam consternação e arrependimento daquelas aberrações penduradas e chorariam como marias madalenas sempre que fizessem mal o troco."
Fils de Mon Pére
Antes de ser chamado para o serviço militar, trabalhei durante dois anos para o meu tio Tula que tinha um bordel no meio do monte. Sempre que chegava uma rapariga nova à sua reputada casa, o tio Tula fechava os olhos e unia as mãos como quem recebe o corpo de Deus e depois sorria ou fazia uma expressão triste. Se a moça fosse prazenteira e não vestisse mal de cara, encaminhava-a para mim. Não apreciava particulamente as folgazonas que vinham a mascar pastilha elástica. Dava-lhes guia de marcha logo ali. Como sobrinho-afilhado favorito, eu tinha algumas regalias. Gozava de uma espécie de prima nocte para dar o meu veredicto ao meu tio na manhã seguinte. Arrependo-me muito desses anos, principalmente quando faço amor com a minha mulher. Lembro-me que, no pico da toda aquela luxúria bacoca, usava um metrónomo para marcar os tempos das noviças. A maioria era allegrettos, mas houve uma eslava que tinha cara de anjo e que me deixou danos permanentes. Prestissima.
Voltando ao tio Tula. Se a rapariga fosse pouco expedita e não servisse nem para mudar os lençóis, o meu tio pagava-lhe o bilhete de volta e acompanhava a moça à estação. Depois fazia de conta que era o Humphrey Bogart e dizia:
- He's looking at you, kid.
Creio que era a única frase que ele sabia dizer em inglês.
Fils de Mon Pére
Antes de ser chamado para o serviço militar, trabalhei durante dois anos para o meu tio Tula que tinha um bordel no meio do monte. Sempre que chegava uma rapariga nova à sua reputada casa, o tio Tula fechava os olhos e unia as mãos como quem recebe o corpo de Deus e depois sorria ou fazia uma expressão triste. Se a moça fosse prazenteira e não vestisse mal de cara, encaminhava-a para mim. Não apreciava particulamente as folgazonas que vinham a mascar pastilha elástica. Dava-lhes guia de marcha logo ali. Como sobrinho-afilhado favorito, eu tinha algumas regalias. Gozava de uma espécie de prima nocte para dar o meu veredicto ao meu tio na manhã seguinte. Arrependo-me muito desses anos, principalmente quando faço amor com a minha mulher. Lembro-me que, no pico da toda aquela luxúria bacoca, usava um metrónomo para marcar os tempos das noviças. A maioria era allegrettos, mas houve uma eslava que tinha cara de anjo e que me deixou danos permanentes. Prestissima.
Voltando ao tio Tula. Se a rapariga fosse pouco expedita e não servisse nem para mudar os lençóis, o meu tio pagava-lhe o bilhete de volta e acompanhava a moça à estação. Depois fazia de conta que era o Humphrey Bogart e dizia:
- He's looking at you, kid.
Creio que era a única frase que ele sabia dizer em inglês.
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