No nosso terceiro encontro, Klinghoffer deu ordens ao concierge para que subisse e me acompanhasse à sua suite. O concierge indicou-me a porta, fez-me uma pequena vénia e regressou em passo firme ao elevador. A porta estava entreaberta, mas não deixei de bater.
"Avanti", ordenou-me uma voz rouca.
Klinghoffer era americano, mas, como ja referi, passara uma grande temporada em Itália, pelo que não deixava de falar num italiano com sotaque e esforçava-se por falar português.
Leon estava junto à janela a olhar para a pequena praça. Tinha a pele macilenta, o queixo cheio de pregas e a cara estava coberta com aqueles típicos sinais de velhice. Apesar de estar entrevado numa cadeira de rodas, o velho judeu tinha um ar autoritário, napoleónico.
"Como se chama esta piazza?", perguntou, parecendo não demonstrar muito interesse pela resposta.
"Praça D. Filipa de Vilhena", respondi.
"Ah si. Uma vez estive com uma puttana que se chamava Fillipa. Era la cosa piú bella, anche molto molto putana questa donna."
Sem olhar para mim, dirigiu-se vigorosamente para o minibar e perguntou-me se queria tomar algo.
"Sim, uísque com uma pedra, por favor", respondi, avançando um passo.
Como estava distraído a olhar para o magnífico tecto da suite, não reparei que já estava com o meu copo erguido há algum tempo. Foi quando lançou o seu olhar sobre mim.
"Antes de brindarmos, queria fazer-lhe um pedido."
Apontou a mão que segurava o seu copo para uma poltrona verde.
"Queria que publicasse no seu Pierino e il lupo, é assim que chama, vero? Allora, queria que publicasse que acredito que o Bom Ladrão nunca foi uno ladrone, mas sim o maior pederasta da Galileia no tempo de Cristo e que, na sua última hora, seduziu o Senhor. Quem me provar inequivocamente o contrário, ofereço a generosa quantia de cincuenta mille dollari à questa persona."
Se dúvidas houvesse quanto ao avançado estado da doença de Klinghoffer, caíram completamente por terra com esta proposta irrecusável.