segunda-feira, dezembro 28, 2009

O morto e o corcel

Um homem cansado de estar morto ressuscitou ao terceiro dia conforme as escrituras e decidiu visitar o parque de diversões que ficava ao lado do cemitério. Quando chegou, sentiu um irreprimível desejo de comer algodão doce. O homem lembrou-se que era diabético, mas como já tinha morrido, achou que não deveria haver grande problema. Levou as mãos aos bolsos e nem...um cêntimo! Regressou ao cemitério e vasculhou cada canto e arrumo do seu caixão em pau preto com mezzanine. Encontrou uma barra de sabão cor-de-rosa, um guarda-chuva partido e o cheque em branco que a sua querida mulher deixara sobre a sua testa. Guardou o cheque no bolso de dentro da casaca e quando já estava com um pé fora da cova, viu um belo corcel a pastar junto da sua campa. Montou e apeou-se várias vezes para ver se o corcel lhe servia e decidiu ficar com ele. A galope!
Comprou algodão doce para os dois e passou o cheque em nome do senhor Barbe-à-Papa. Assim que terminou, deu umas palmadas de satisfação no dorso do corcel. De repente, ficou muito pálido e apercebeu-se que tinha cometido um erro terrível.

Harry Clarke

quarta-feira, dezembro 23, 2009

Sugestão de Natal

Cor do texto Cor do texto
Depois da abençoada consoada, leia e reencaminhe o ebook gourmet Des Petits Morts aos seus familiares, estranhos, amigos e inimigos!
Vai ver que não se arrependerá!
(bom, mesmo que se arrependa, o e-coiso é totalmente gratuito, por isso).

terça-feira, dezembro 22, 2009

Fábula do Novíssimo Testamento

Um viúvo muito rico e sem herdeiros sabe que vai morrer muito em breve. Chama de imediato o advogado que redige prontamente o seu testamento:
"Deixo toda a minha fortuna nas mãos de Deus."
O homem morre no dia a seguir. Duas semanas depois, entra em Cena-a-Nova um sobrinho-neto emigrante que se chama João Filho de Deus e reclama a fortuna do seu querido tio-avó. O velho advogado, crédulo e impotente, entrega a fortuna ao herdeiro que apareceu Nãosesabemuitobemd'ond, Macedónia, terra de cavaleiros.
Mas Deus morre no dia a seguir, não deixando testamento, nem sequer parentes colaterais de 4º grau.
Face a isto, a terrível e tentacular máquina diabólica do Estado entra em Cena-a-Nova, apropria-se da vasta herança e, naturalmente, dá graças a Deus.

Santa não gosta de kleenex


(clicar para melhor enxergamento)

quarta-feira, dezembro 16, 2009


"Captain Hindhi", Alex Gross

domingo, dezembro 13, 2009

O herói do Achille Lauro - II

No nosso terceiro encontro, Klinghoffer deu ordens ao concierge para que subisse e me acompanhasse à sua suite. O concierge indicou-me a porta, fez-me uma pequena vénia e regressou em passo firme ao elevador. A porta estava entreaberta, mas não deixei de bater.
"Avanti", ordenou-me uma voz rouca.
Klinghoffer era americano, mas, como ja referi, passara uma grande temporada em Itália, pelo que não deixava de falar num italiano com sotaque e esforçava-se por falar português.
Leon estava junto à janela a olhar para a pequena praça. Tinha a pele macilenta, o queixo cheio de pregas e a cara estava coberta com aqueles típicos sinais de velhice. Apesar de estar entrevado numa cadeira de rodas, o velho judeu tinha um ar autoritário, napoleónico.
"Como se chama esta piazza?", perguntou, parecendo não demonstrar muito interesse pela resposta.
"Praça D. Filipa de Vilhena", respondi.
"Ah si. Uma vez estive com uma puttana que se chamava Fillipa. Era la cosa piú bella, anche molto molto putana questa donna."
Sem olhar para mim, dirigiu-se vigorosamente para o minibar e perguntou-me se queria tomar algo.
"Sim, uísque com uma pedra, por favor", respondi, avançando um passo.
Como estava distraído a olhar para o magnífico tecto da suite, não reparei que já estava com o meu copo erguido há algum tempo. Foi quando lançou o seu olhar sobre mim.
"Antes de brindarmos, queria fazer-lhe um pedido."
Apontou a mão que segurava o seu copo para uma poltrona verde.
"Queria que publicasse no seu Pierino e il lupo, é assim que chama, vero? Allora, queria que publicasse que acredito que o Bom Ladrão nunca foi uno ladrone, mas sim o maior pederasta da Galileia no tempo de Cristo e que, na sua última hora, seduziu o Senhor. Quem me provar inequivocamente o contrário, ofereço a generosa quantia de cincuenta mille dollari à questa persona."
Se dúvidas houvesse quanto ao avançado estado da doença de
Klinghoffer, caíram completamente por terra com esta proposta irrecusável.


Une Semaine de Bonté, ou, Les Sept Elements Cardinaux,
Max Ernest

sexta-feira, dezembro 04, 2009

O herói do Achille Lauro

Hoje encontrei-me com Leon Klinghoffer no Infante Sagres. O velho judeu do Achille Lauro pediu-me para anunciar que está vivo e de boa saúde. Viveu durante os últimos onze anos na costa do Tirreno e agora anda por aí. Disseram-lhe que este blogue era "a melhor coisinha" acima de Rio Mau e que era lido por milhões. A sua morte foi um grande embuste, nunca na vida um terrorista digno desse nome iria matar um judeu de cadeira de rodas. Aliás, Klinghoffer não é paraplégico. Sofre de uma doença rara, o síndrome de Finzi-Contini sobre o qual irei discorrer na altura apropriada.