João Rabo de Palha via todos os dias a sua caixa de correio. Gostava de a contemplar, era dos poucos prazeres que tinha. Ninguém (no seu perfeito juízo) sabe as surpresas ou dissabores que uma caixa de correio pode encerrar. Creio não exagerar se afirmar que Rabo de Palha era tão temerário como uma galinha e, por isso, mantinha sempre uma distância de segurança, não vá o diabo tecê-las. O diabo é um tecelão especializado de 1ª e não perde uma oportunidade para mostrar os seus galões. No Reino Unido, um galão equivale a oito pintos (pints) e usa-se para tudo, excepto para pedir um copo de café com leite. Rabo bebe sempre um copo de leite com uma colher de açúcar antes de se deitar. Como quase toda a gente sabe, o leite não carece de açúcar. Rabo também sabia isto, mas sabia-lhe melhor assim. Haverá coisas piores. Chegara finalmente o dia que iria mudar a sua vida. "A.C, antes do correio e D.C., depois do correio", como ele dizia, entre risadinhas mudas. Após um dia de trabalho, deteve-se na entrada do seu prédio. Aproximou-se da caixa com toda a cautela, fez pontaria com a pequena chave e abriu-a cheio de determinação e de sarrabulho no bandulho. Uma carta. Rabo sentiu as carótidas a pulsarem-lhe no pescoço. Ainda com a mão a tremer retirou a missiva. Era da infame Gestão do Condomínio. Cerrou os olhos e ficou logo com a boca seca. As prezadas leitoras podem agora sentar-se, pois vou revelar-vos mais uma inconfidência do nosso herói. Sempre que João Rabo de Palha experimentava algo parecido com a desolação, punha um ovo. Não podia evitá-lo, era uma particularidade involuntária que o acompanhava desde tenra idade. Tentou todas as curas, consultou vários especialistas, obteve segundos, terceiros, quartos pareceres, ingeriu as mais coloridas soluções, xaropes, beberagens, aplicou emplastros e unguentos, fez dietas e sangrias violentas e nada. Até que um dia Rabo lembrou-se de converter as suas capacidades ovíparas num ofício rentável.
Subiu para o seu apartamento e não voltou a por os pés na rua nesse dia. Na manhã seguinte, João Rabo de Palha amarrou uma fita púrpura-selvagem na cabeça e dirigiu-se a pé para o aviário, como era habitual.