domingo, março 30, 2008

Mónaco



A grande fonte de divisas do Mónaco não é, ao contrário do que se pensa, o jogo ou o turismo. A base da economia monegasca assenta no fabrico e exportação de velas eléctricas para igrejas. A União faz vista grossa a este comércio paralelo que ilude os fiéis devotos do mundo católico desde que foi introduzido nos anos 60 por Grace Kelly, a Libidinosa. Hoje, crianças francesas e italianas (enjeitadas do "Grande" Circo de Montecarlo) montam as velas em condições desumanas em porões de iates e subcaves de prédios faustosos. Alberto já demonstrou publicamente a sua preocupação e lamenta os actos reprováveis de sua mãe:
- A sua fixação por velas e círios levou-a longe demais. Mas continuo a amá-la enquanto actriz.

quinta-feira, março 27, 2008

Como matar um cowboy-diva

Macerar o corpo em cima de um cadafalso isabelino e obliterá-lo solicitando a ajuda de 1 )um( Técnico de Matadouro de 1ª credenciado. A respectiva consorte deverá peneirar então todas as areias e grânulos e restantes paródias e neuroses. Certificar-se de que a operação inversa é executada adequadamente. Em caso de coincidência divina gratuita ou ataques-strob intricados_reorientados, aguardar pacientemente dez anos, não mais. Colocar sal nas entranhas. Transladar os restos mortais para Danzig e aplicar todos os passos da Ilusão Suícida de Plath: Jogos de setembros e jogos de opostos. Envenamento por Decarameron. Se necessário, afogar todos os descendentes de Sísifo, seus amigos e irmãos de sangue - não olhar a meios - não olhar. Delinear atempadamente estratégias para espantar prussianos disfarçados de corvos.
Pedir a factura no fim ao Técnico.

terça-feira, março 25, 2008

Necrosyrtes monachus




desde que recolheram a velha dos semáforos

há menos acidentes no cruzamento

os dois abutres empoleirados

no espelho convexo tiveram de migrar

a quercus fez queixa da autarquia

o presidente lamenta profundamente o sucedido

mandou-se chamar outra vez

a velha mas a velha morreu

chamou-se então um tóxico

algemado a um realejo

em estado terminal

(sejamos sérios -
não facilitemos).

quinta-feira, março 20, 2008

at the Starbucks

Mr Muffin: Oh my God, I can't believe it!
Miss Butter: Wha..?! Oh my God!
Mr Muffin: Ooh! B, is that really you?
Miss Butter: I certainly am!
Mr Muffin: No way, get out here!
Miss Butter: Yeah, the years were kind to you.
Mr Muffin: And you? You're still a doll!
Miss Butter: Oh my God.
Mr Muffin: Heya, care for a cup of coffee?!

eu tenho um sonho



eu tenho um sonho

eu tenho um sonho que esta nação jamais se levantará antes das três horas da tarde
eu tenho um sonho que, um dia, nas planícies torradas do alentejo, croupiers e jogadores se sentarão à sombra do mesmo chaparro
eu tenho um sonho que, até mesmo no vale do Douro, se falará galaico-português e o vinho escorrerá das torneiras e jorrará das fontes
eu tenho um sonho que os pequenos quatro bastardos venham a conhecer um dia o seu pai
eu tenho um sonho que, no futuro, todos os cristos, aspiradores e salazares sejam iguais

eu tenho um sonho
livre afinal, livre afinal.

segunda-feira, março 17, 2008

Michaux e o manequim

Michaux levava consigo o manequim para todo o lado. Vestia-o de sombras e punha-o no alto de uma pedra ou de um muro e escrevia-a sobre aquilo que via. O seu pai era avesso a mudanças e passou-lhe o gene sem grande esforço. Abalava de madrugada das pensões ou dos abrigos e, antes do sol nascer, já o viam montado no seu bardoto temperamental com o manequim atravessado no dorso do animal, sem destino resolvido. Interrompia invariavelmente a jornada às 13:05h. Antes de se apear, consultava maquinalmente o relógio de bolso e, de seguida, olhava em redor como que a despertar daquele torpor cambaleante. Posicionava então o manequim, afastava-se meia dúzia de passos e sentava-se para dar início à escrita. Há catorze anos que escrevia as mesmas linhas em sebentas coçadas, decalcando até à exaustão o dia em que experimentou o amor carnal, descrevendo em contornos febris o corpo mutilado que o acompanhava ao longo dos anos. Acreditava que escrevia "a quatro mãos" e que o destino das palavras não dependia de si, mas da obstinação indomável do velho manequim.
No início de uma tarde turva, Michaux ousou introduzir no seu caderno a cor estonteante, o cirandar hipnótico das sombrinhas das senhoras que passeavam coquetes no Campo de Marte em tardes melancólicas. Michaux desprezou as recomendações do taberneiro: o vinho da região era selvagem e inclemente. Ainda concebeu apagar as linhas inéditas, mas "não, hoje não!".
Aquartelou-se numa pensão de má fama frequentada por pequenos burgueses remediados e morreu em crónico détresse lírico nessa mesma noite.

In between these days, I have some Monsters In The Parasol.

sexta-feira, março 14, 2008

Poesia e Balística

Trajetória, impacto, marcas, Física, perfuração, explosão, devastação, projéctil, pólvora, fumaça, percussão, ricochete, resíduo, disparo. Poesia é Balística. O poeta é o criminoso, o leitor é a vítima, o crítico é o perito forense.

terça-feira, março 11, 2008

Na república popular do meu quarto


Rembrandt


na república popular do meu
quarto arranca o turno da noite, os
santos estivadores repõem os
dedos da minha infância que se
espalham pelo parquet riscado,
descarregam desastrados os
olhos inquiridores da
minha avó aos pés da cama,
sustêm a respiração enquanto
pegam em mim e viram o
meu corpo amarrado.


o gato observa tudo isto

incrédulo - segue-os até à
cozinha como um aligator,
como um vivace de Bach.




F. Hodler


Tenho uma, talvez duas
coisas a confessar

Tenho também
63 pessoas
à minha frente

Vou ter
de esperar.

domingo, março 09, 2008

O corredor



Era-lhe cada vez mais penoso ir do quarto à casa de banho a meio da noite. O corredor aumentara seguramente uns bons 10 metros desde o dia em que se casaram. E o regresso era sempre pior, a maçar.
Na manhã seguinte, pediu-lhe o divórcio na cama, acompanhado de café e torradas.

sábado, março 08, 2008

(...) A paisagem em nosso redor afigura-se cada vez mais estranha. E esta canícula! Há já dois dias que não tenho uma gota de água no cantil! Felizmente fomos achados por um fio de água tímido que brotava da rocha. Foi uma dádiva divina, um pleno milagre nestas paragens. Deus prolonga o nosso sofrimento para depois saciar as nossas necessidades quando já estamos no limite das nossas forças. É um truque deveras simples e muito pouco virtuoso, não concordas? Mahmud bebe como os antílopes, com os olhos sempre virados para diante, e não aparentava ter muita sede. Já o apanhei a lamber o suor das palmas das mãos e da parte interior do braços enquanto caminha - ... Consigo ouvir-te, meu amigo: tenho de subtrair alguns dos meus caprichos europeus se desejo realmente chegar ao meu destino. (...)

P.A.

terça-feira, março 04, 2008

mulheres sem sombra





sou retocável e
às vezes mulher
às vezes pavão
às vezes um torso de
Matisse
às vezes pega cubana
às vezes crisálida
um dia hei-de
reconhecer-me

borboleta do nada
sob calor de julho

o tempo é um homem
que me mendiga e
fecha a porta
na minha cara
devagar

Antologia de Micro Ficção - Exodus



Felicitações e obrigado ao Rui Costa e ao Henrique Fialho, e um agradecimento muito especial ao Rui M. Amaral.

segunda-feira, março 03, 2008

O senhor Seravat


O senhor Seravat, conceituado escritor e relatador desportivo, respeitado entre os seus pares e venerado pelo seu ímpar círculo de amigos, levou seis microcontos na testa. As causas do acidente estão ainda por apurar mas especula-se que estejam relacionadas com a queda de um regador de escrita criativa sobre Trinidad e Tobago.
O seu actual estado é reservado aos melhores entre os melhores.