terça-feira, junho 26, 2007

Os bichinhos


Walton Ford

Bem, se quer saber a verdade, tenho sérias reservas sobre essa sua divisão patranheira e simplista da cigarra e da formiga que se aventuram nos mangues luxuriantes da literatura. O meu venturoso amigo não me levará a mal, pois não? A sua formiga não teme os papa-formigas, não se desvia do seu trilho por nada deste mundo. E não sabe parar, trabalha
fustigada pelo seu próprio chicote, trabalha miseravelmente para se precaver contra dias de maior penúria. Já a cigarra, cheia de talento e cheia de si, deslumbra os outros bichinhos com a sua novíssima poesia...mas a maior parte destas cigarras tem uma esperança de vida muito reduzida. Eu consigo vislumbrar mais bichinhos no nosso ecossistema literário, sabe? Há pântanos com velhos crocodilos que passam o tempo a chorar crónicas e que não já comem há anos. E depois temos macacos de imitação e flamingos cor-de-rosa que fazem e vendem best-sellers à velocidade da luz. Que diz? Não sei o que digo? Hum. Desde pequeno que gosto muito de escaravelhos, os meus versos rolam ao sabor daquela matéria quente que é trabalhada pelos escaravelhos. Confesso-lhe que tenho noites em que chego a sentir alguma repugnância por aquilo que faço, mas só vejo um caminho a seguir.