terça-feira, dezembro 12, 2006

Conto de Natal

- Não vens para dentro? Está frio cá fora.
- Já vou. Tou a acabar o cigarro.
- Os miúdos estão à espera, anda lá.
- Vou já.
Havia já esgotado todas as formas de o compensar. Agora tratava-se de pura cobardia. Era incapaz de viver outra realidade que não fosse aquela. Estava a lutar contra uma corrente demasiado forte. Estava exausta, incapaz de se mexer. Batia-lhe um vento gélido na cara, daqueles que fazem chorar. Quatro anos. Dormia com um recém-desconhecido que conhecia demasiado bem. Aperfeiçou-se na arte de ressuscitar vezes sem conta. E de se surpreender também. O silêncio que vinha da cidade incomodava-a, mas preferia estar ali, sozinha. Só de pensar que tinha de voltar para dentro. Algumas vozes e risadas dos velhos apartamentos que iam e vinham. Debandada quase geral para a aldeia. Êxodo sazonal, estúpido, para quê?
Mas, nessa noite, estava mansa, anestesiada. Tanto tempo à espera de uma consulta. Voltou a pensar nos miúdos. Última passa.
- Então?!
- Já vou.