quinta-feira, outubro 20, 2005

Construtores de labirintos

Tenho de estar completamente só quando penso,
E no parapeito mais alto
Debruçado sobre a rua vazia.
A janela poeirenta da loja lá em baixo
Está cheia de fantasmas ao pôr do sol.

Ali vai o meu velho. Já tem a idade que tenho agora.
De olhos fechados
chama as criadas pelos seus nomes secretos:
Sto. Isaac, o sírio,
Sto. Nilo, que escreveu sobre a oração.
O vinho das ambiguidades eternas,
Se faz favor, à saúde do corvo
Sentado no cimo de uma igreja branca.

A sua vida também é um emaranhado fantástico.
Os nossos infortúnios são empreiteiros.
Esquecem-se sempre das janelas,
Fazem os tectos baixos e pesados.
«É só uma lua de papel», cantam...
Mas estou a ir demasiado depressa.

No fim de um corredor escuro
Há um fósforo aceso numa mão trémula.
«Ainda tenho pavor do palco»,
Diz a bela mulher,
E depois guia-nos por entre guarda-roupas
Com espelhos e portas empenadas,
Onde estão pendurados vestidos sussurrantes,
Espartilhos sussurrantes, sapatos com botões -
Do tipo que se usaria para cavalgar uma cabra.

A sua filha, dizem-nos, está tísica.
Há uma marca do polegar oleoso da morte
na sua face angélica:
Ela quer que eu brinque debaixo da mesa
Dos jogadores de cartas silenciosos.

Brincamos e é como o palácio em Cnossos.
A memória, o único fósforo queimado do meu coração:
A sua mão guiando-me nas ruínas,
E as cartas sussurrando sobre as nossas cabeças
Que a nossa juventude e o nosso amor aturdiram.


Charles Simic
Trad. José Alberto Oliveira
Assírio & Alvim