sexta-feira, abril 10, 2020

A evolução da espécie


Se a quarentena se prolongasse por mais tempo - estou a pensar por uns bons milhares de anos (mais coisa, menos coisa) - é bastante provável que a nossa fisionomia, compleição, morfologia, atributos, etc. sofressem um lenta e sábia mutação. O que vão ler é um exercício puramente especulativo, mas que obedece aos conceitos basilares do darwinismo.

1. Deixaríamos de ter impressões digitais por causa do uso mais ou menos contínuo de luvas (ou seja, não teríamos contacto directo com superfícies; assim, a necessidade de agarrar, de apreender, seria negligenciada). No entanto, não estou em condições para me pronunciar sobre as linhas da mão (Vida, Coração, Mente, os vários montes, etc).

2. A capacidade de orientação e localização ficaria bastante condicionada: as trajectórias mais curtas e pouco diversificadas (supermercados, hospitais) iriam acabrunhar o lobo parietal, a área do cérebro responsável pela orientação espacial.

3. Rosto:
   3.1. Nariz: não tenho a absoluta certeza de como seria a evolução deste incrível apêndice; tanto poderia ficar mais pequeno, mais achatado, por causa do uso prolongado da máscara, como poderia tornar-se mais bicudo, mais adunco, num esforço de diferenciação biológica dos restantes narizes já achatados. Sugiro uma leitura mais atenta da obra "O Nariz" de N. Gogol para esclarecimentos adicionais.

   3.2 Olhos: ficariam mais redondos ou rasgados. Uma vez mais, dado o uso sistemático da máscara, a visão seria o sentido mais propenso a uma evolução para passarmos mensagens não verbais; os olhos assumiriam um lugar de destaque na comunicação humana - os olhos voltariam a ser o mensageiro privilegiado de paixões, tristezas, desagrados, enfados, entusiasmos, etc.

   3.3. Orelhas: assumiriam uma forma mais parabólica, parece-me que aqui não há espaço para divergências. Iríamos estar mais atentos aos vários tons do silêncio, aos múltiplos sons da natureza (que sempre existiram), aos sons de animais selvagens que povoariam novos territórios (cidades, vilas). A ocupação gradual da malha urbana por predadores obrigar-nos-ia a um grau de alerta mais elevado.

   3.4. Boca: as bocas seriam pequenos travessões, dado que não usaríamos mais os lábios para sedução. E muito menos para cantar em grandes recintos, logo acabaria por haver uma menor projecção da voz. A actual distância obrigatória de 1, 2 metros entre as pessoas não requer um aparelho fonador muito desenvolvido. Ou, se quiserem, não obriga a grandes bocas.
           
4. Pele mais clara, rosa, translúcida. Pouca exposição solar. Não vou debruçar-me muito sobre este ponto, porque parece-me por demais evidente.